DIA DE SANTA CRUZ – 3 DE MAIO

Distribuição das cruzes feitas pelas senhoras do CRAS, 

Santa Cruz de Minas, 2022. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Quase todos carregamos a nossa cruz; alguns, além da própria, carregam a cruz dos outros. Carregar duas ou três cruzes não é empresa superior às forças do homem. Veem-se ombros frágeis, quase de vidro, suportando enormes madeiros. Parece que há um certo prazer nisso. E orgulho. O ar de sombria felicidade com que o homem costuma gemer, num encontro de rua: “Pois é isso, lá vou eu carregando a minha cruz.” [...]

 

Carlos Drummond de Andrade, A cruz.

 

 A Cruz em que Cristo foi crucificado esteve desaparecida por mais de 200 anos.  Conta-se que foi constituída por quatro tipos de madeira: palmeira, cedro, cipreste e oliveira. Ela esteve soterrada, “até ser descoberta por Helena, mãe do imperador Constantino” (VARAZZE, 2003, p.415). Santa Helena acompanhou as escavações iniciadas em Jerusalém, ordenadas pelo bispo Macário, quando se encontrou o Santo Sepulcro encravado em uma rocha, com a Cruz de Jesus e as dos dois ladrões.

Desde a descoberta de Santa Helena, o culto à Santa Cruz passou a ser difundido por todos os cantos do mundo e ela se tornou o símbolo maior do cristianismo. Em Portugal, os primeiros cruzeiros foram instalados nas imediações de Lisboa, segundo o historiador Souza Viterbo. Logo esse culto chegou ao Brasil e teve popularização rápida. Em Minas, inúmeras cruzes e cruzeiros foram instalados em esquinas, sobre pontes, nos largos, nos adros de igrejas, nos topos de morros e ao longo dos caminhos para a proteção dos moradores, transeuntes e viajantes.

– O que difere Cruz e Cruzeiro?

– A Cruz é o objeto constituído por duas peças, transversais, uma maior na vertical e outra menor na horizontal, mas há inúmeras soluções e proporções; pode ser feita de madeira, metal, concreto e outros materiais. O Cruzeiro, também chamado de “Cruzeiro do Martírio”, é a cruz com os elementos utilizados na crucificação de Cristo: escada, toalha, cravos, coroa, cana, veste, galo e outros; bem ao gosto popular, em determinados cruzeiros encontramos diversos elementos. Em certos inseriram até peças oriundas do sincretismo religioso, das religiões de matriz afro-brasileira.

 

Cruzeiro de Sete Lagoas (frente da Matriz de Santo Antônio), 2017 e Cruzeiro do Alto de São Francisco, Tiradentes, 2009. Fotografias: Luiz Cruz.


Cruzeiro de Diamantina, 2008. Fotografia: Luiz Cruz.


 Ao circular pelas cidades mineiras, encontramos desde as majestosas cruzes das pontes de Ouro Preto, até as cruzinhas enfeitadas de papel que são penduradas nas portas das casas. O dia de Santa Cruz é o 3 de maio, mas tradicionalmente, os moradores as enfeitam na véspera e colocam na porta principal – e segundo a lenda, é nessa noite, de 2 para 3 de maio, que Nossa Senhora passa a abençoar os lares com as cruzes enfeitadas. Esse costume é mantido em inúmeras cidades, distritos e povoados mineiros.

 


  Cruz da Ponte de Antônio Dias, Ouro Preto. Fotografia: Gustavo Leite, disponível em: turismoouropretooficial/photos/a.157582857751173/1909388809237227/?type=3&locale=pt_BR. Cruz do bairro Alto das Cabeças, Ouro Preto, gentilmente enviada por Márcia Valadares.



Casas do Caburu, distrito de São João del-Rei, com as cruzes enfeitadas. 2023. Fotografias: Luiz Cruz.

 

Na Serra de São José foram instaladas três cruzes, a “Cruz do Carteiro”, junto ao caminho da calçada, outra no local do tradicional piquenique de Prados e mais recentemente descobrimos uma terceira, que ainda não temos informação sobre o porquê de sua colocação lá no alto da serra. Na Serra do Lenheiro, em São João del-Rei, podemos apreciar diversas cruzes e cruzeiros, com dimensões variadas, cada elemento a se destacar, a compor a paisagem e a nos lembrar a presença do cristianismo. A cidade mantém belos cruzeiros implantados em outras localidades. O “Cruzeiro do Ataio” é um dos mais graciosos e tem proteção individual, através de tombamento municipal.

     

Cruz do Carteiro, Serra de São José, Tiradentes, 2022. Fotografia: Luiz Cruz.

  

Eliseu Cruz na Cruz do Alto da Serra de São José, Prados. 2013. Fotografia: Luiz Cruz.

  

Cruz da Serra do Lenheiro, São João del-Rei. Professores e alunos da Escola Estadual Amélia Passos de Santa Cruz de Minas, componentes da B1 SJDR, 2022. Foto: Luiz Cruz.


  

   

Cruzeiro do Ataio, São João del-Rei, 2023. Fotografia: Luiz Cruz.


Em Ouro Preto, na Ponte de Antônio Dias, conhecida como Ponte dos Suspiros ou Ponte de Marília, há imponente cruz de pedra. Antigamente, era no largo dessa ponte que se celebrava a “Festa de Santa Cruz”, também conhecida como “Festa do Amendoim”. Os ouropretanos mantêm firme a tradição de enfeitar suas cruzes e sem dúvida o fazem com muita dedicação e criatividade. Em Ipoema, distrito de Itabira, além de enfeitarem os cruzeiros, a comunidade promove caminhada, trajeto de 14km, da matriz até o Morro Redondo, a percorrer uma das mais belas paisagens mineiras. Já em Congonhas, na comunidade de Barnabé, desde 1915, ocorre peculiar celebração de Santa Cruz, quando se realiza missa, procissão e apresentação de grupos de congados. As comunidades de Barnabé e Campinho são remanescentes de quilombos e se juntam para homenagear a Santa Cruz e manter a tradição.


 

Procissão de Santa Cruz, Barnabé, Congonhas, 2019. Fotografia disponível em: https://www.congonhas.mg.gov.br/ e https://www.congonhas.mg.gov.br/index.php/festa-de-santa-cruz-fe-cultura-e-tradicao-serao-celebradas-no-barnabe/

 

Em Santa Cruz de Minas se realiza uma festa comovente, na Praça do Cruzeiro, reza-se o terço, tem tríduo, missa, barraquinhas e apresentações musicais. No dia 3, durante a Santa Missa, ocorre a benção das cruzes produzidas pelas senhoras do CRAS e ao final são distribuídas. Depois, serve-se o Café Colaborativo, numa extensa mesa com quitandas, bolos, pães, bebidas. Tudo flui muito bem, com boa organização e grande mobilização da comunidade.


                   

       Festa de Santa Cruz, Café Colaborativo. Santa Cruz de Minas, 2022. Foto: Luiz Cruz.

 

 

 Cruz da Praça do Cruzeiro preparada para a Festa de Santa Cruz.

Santa Cruz de Minas, 2023. Fotografia: Cláudio Antônio dos Santos.

 

 


       Cruzes ornamentadas da artesã Dona Jacqueline Faria, Feira de Arte e

Artesanato do Matadouro, Tiradentes, 2023. Fotografia: Luiz Cruz.

 

 

 Cruz ornamentada com papel e flores da artesã Dona Jacqueline Faria,

Feira de Arte e Artesanato do Matadouro, Tiradentes, 2023. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Prepare-se para o dia 3 de maio, Dia de Santa Cruz, e enfeite sua cruzinha para receber a visita de Nossa Senhora. – Você não tem habilidades ou tempo para tal? – Sem problema! Na Feira de Arte e Artesanato do Matadouro, encontrará cruzinhas ornamentadas delicadamente, com papel e flores, trabalho da artesã Dona Jacqueline Faria. A cruzinha é um mimo, vem em embalagem artesanal, com texto sobre a “História da Santa Cruz” e pode ser boa lembrança de quem passar por Tiradentes.  A artesã Dona Lilia Fonseca é antiga enfeitadora de cruzes, é só visitar o atelier dela, na Rua Martins Paolucci; pode passar ainda na loja Arco Iris e lá encontrar cruzes enfeitadas com papel ou fuxico.

E quem circular por Ouro Preto, que estará com as cruzes e os cruzeiros todos enfeitados, aproveite para visitar a exposição do artista Gélcio Fortes, no Restaurante Passo, bem pertinho da Casa dos Contos, e apreciar sua interpretação de um “cruzeiro do martírio” e muitas outras obras.


           
           
“Pynthura. Sedimentos de ouro preto”, 2023. Obra de Gélcio Fortes.

Ouro Preto. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Assim mantemos viva essa tradição que envolve o fazer, arte, cultura, religiosidade e história, elementos que conformam nosso valioso Patrimônio Material e Imaterial. E como disse o poeta Drummond, todos nós temos nossa cruz, porém ela pode ficar mais leve e mais bonita, principalmente no dia 3 de maio.

Luiz Antonio da Cruz


 

Referências:

VARAZZE, Jacopo de. Legenda Áurea. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

CRUZ, Luiz Antonio da. Recortes de Memórias. Tiradentes: IHGT, 2015.

CRUZ, Luiz Antonio da. BOAVENTURA, Maria José. Memória e Tradições Populares. Tiradentes: IHGT, 2016.

CRUZ, Luiz Antonio da. BOAVENTURA, Maria José. Glossário do Patrimônio de Tiradentes-MG. Tiradentes: IHGT, 2015.

 

Comentários

  1. Muito bom! Parabéns, Luiz@

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  2. Parabéns Luiz pela matéria, muito signicativa ao informar o culto que a Cruz tem em terras brasileiras. Não foi por acaso que o primeiro nome do Brasil foi Ilha de Vera Cruz e também terra de Santa Cruz. Também não foi por acaso que ao pisar em nossa terras, fincou-se uma Cruz, como símbolo de posse da terra achada.

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    1. Muito obrigado pela presença e pelo comentário. Nossa história sempre esteve bastante vinculada à Santa Cruz, desde os primórdios. Essa é uma devoção arraigada e presente em muitas cidades mineiras. Abraço

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    2. Comentário do nosso amigo querido de Paraty, o pesquisador Diuner Mello. Gratidão!

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  3. Muito obrigado. A história dessa devoção é cativante, está presente e forte entre o povo de Minas. O tema é sobremaneira rico. Abraço

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