ARAUCÁRIA – na paisagem,

arte, arquitetura e culinária

 


Para a professora Celina Borges Lemos e o professor Altamiro Sergio Mol Bessa 

 

 

[...] letra, cruz, cicatriz,

pequenos ramos sem flor.

um lá insubmisso tatuado.

finito, infindo verão. 

walter sebastião, paisagem



Araucária e ao fundo a Serra de São José, Tiradentes-MG. Fotografia: Luiz Cruz.


No dia 26 de abril de 1336, Francesco Petrarca chegou ao topo do Monte Ventoux, na Provence-Alpes-Côte d’Azur, que culmina a 1.911m de altitude. Acompanhado por seu irmão mais novo, pernoitaram aos pés do monte, na manhã seguinte iniciaram a marcha, a enfrentar as intempéries, o frio intenso e o vento forte – o qual denomina o monte. Quando atingiram o topo já era primavera e não ventava tanto. Petrarca escalou o monte por escalar, apenas para se afastar do locus do seu cotidiano e ver lá de cima o que não podia ver sem tal deslocamento. Essa subida ao Ventoux é tida como “o marco inicial do olhar moderno sobre a paisagem, pois Petrarca subiu por subir, por mera curiosidade, simplesmente pelo desejo de ver um lugar reputado por sua altura”. Ele registrou o fato em carta destinada ao seu amigo e conselheiro espiritual Dionigi da Borgo San Sepolcro. (BARTALINI, 2009).  Enquanto Georg Simmel, em A Filosofia da Paisagem, afirmou:


A paisagem, dizemos, nasce quando, no solo, uma ampla dispersão de fenômenos naturais converge para um tipo particular de unidade, diferente daquele com que o sábio no seu pensamento causal, o adorador da natureza com o seu sentimento religioso, o agricultor com o seu propósito teológico ou o estrategista apreendem justamente este campo visual. (SIMMEL, 2009, p.13).


Desde então, inúmeras pessoas subiram determinados morros, serras, montanhas, cordilheiras, atingiram cumes para ver, apreciar e contemplar paisagens.

No Brasil, os pioneiros da paisagem são os “outros” – ou seja, os que aqui chegaram, a partir século XVII, ao acompanhar João Maurício von Nassau-Siegen (1604-1679), para ocupar e dominar um novo território. A comitiva holandesa era conformada por vários especialistas e dentre eles pintores, gravuristas e cartógrafos como Frans Post, Gillis Peters, Zacharias Wagener, Georg Macgraf e Albert Eckhout. (PESAVENTO, 2004). Artistas com certas trajetórias em suas origens, lá aportaram para retratar os feitos da conquista e a paisagem do nordeste brasileiro. Cada um trouxe consigo suas experiências e vivências, inclusive sobre “paisagem”. Ao registrarem o que viam, claro, implicitamente, inseriram suas memórias paisagísticas e criaram um hibridismo paisagístico/pictórico, com céus amplos e de luminosidade difusa, com resquícios de ruínas, vegetais isolados, arranjos sociais e tonalidades douradas. Nesse grupo de artistas pintores, Frans Post (1612-1680) destacou-se ao registrar vastas paisagens – edênicas, idealizadas para causar efeitos, impregnadas de representações para marcar a presença holandesa e sua conquista e sua identidade cultural. “Se Frans Post é tido como inventor da paisagem no Brasil, de Albert Eckhout destaca-se um lado etnográfico e cientificista, presente nos detalhes da flora, da fauna, dos tipos humanos, das magistrais naturezas mortas que pintou.” (PESAVENTO, 2004).

No Recife-PE, no Instituto Ricardo Brennand, encontra-se em exposição a maior coleção de obras do pintor Frans Post, inclusive de todas as fases do artista. Conhecido também como Castelo de Brennand, este museu foi eleito algumas vezes como o melhor da América Latina e é merecedor de visita atenta.

  

Vista da cidade de São José del Rei (Tiradentes), MG, 1824. Rugendas, lápis,

 nanquim e aguada sobre papel. Acervo: Arquivo da Academia de Ciências da Rússia.

 

Em Tiradentes-MG, a segunda paisagem mais antiga da localidade data de 1824, assinada por Johann Moritz Rugendas (1802-1858) – integrante da expedição científica do alemão Georg Heinrich von Langsdorff (1774-1852), realizada sob os auspícios do czar russo Alexandre I. Trata-se de obra em técnica mista, onde aparecem a Matriz de Santo Antônio, casas, a Serra de São José e araucárias. Nessa imagem, o artista evidenciou elementos expressivos do sítio que dialogam com a afirmação da pesquisadora Maria Angela Faggin Pereira Leite (2006, p.81,82):


A paisagem é uma representação dessa realidade e dos elementos que a compõe. O que está representado na paisagem é decorrência da interação entre a sociedade e a natureza e da interpretação, individual ou coletiva, dos processos de estruturação do território.


Rugendas inseriu em sua obra ícones constitutivos da ambiência em que os elementos arquitetônicos foram implantados de maneira harmoniosa e interativa com a vegetação. As araucárias sempre se destacaram nas paisagens mineiras. O primeiro registro dessa árvore apareceu na obra do polímata Frei José Mariano da Conceição Veloso, Flora Fluminensis, de 1790, com as imagens em publicação póstuma, de 1829, no volume X, prancha 55.

Ao circular por Minas, Rugendas registrou outras paisagens, nas quais sobressaíram as araucárias, como a de Barbacena ou a de Ouro Preto – logo que a localidade recebeu o título de Cidade Imperial do Brasil, concedido por D. Pedro I, em 1823, ou seja, exatamente há dois séculos.

 

Vista de Ouro Preto, 1824. Rugendas, lápis e aquarela sobre papel.

(Cidade Imperial de Ouro-preto. Aout – 1824).

 


                 Barbacena. Rugendas, Casa litográfica: Engelmann, Paris.                     

 

Entre 1817 e 1820, ocorreu a Missão Científica de História Natural, com a participação de dois alemães, o médico, antropólogo e naturalista Karl Friedrich von Martius (1794-1868) e do zoólogo Johann Baptist von Spix (1781-1826), com o apoio do rei Maximiliano José I (1756-1825). As coletas botânicas e zoológicas dessa missão se estenderam até a Amazônia; ocorreram descrições e montaram pranchas com mais de 20 mil espécies de plantas nativas, que posteriormente resultaram na obra  Flora Brasiliensis. Após retornar à Europa, Martius publicou Systema Materiae Medicae Vegetabilis Brasiliensis, edição em latim, datada de 1843; somente agora traduzida para o português e publicada por iniciativa do Cayapiá – Instituto de cultura, defesa e conservação das plantas nativas usadas pelos brasileiros, sob o título Plantas usadas pelos brasileiros e suas substâncias medicinais. Nessa obra, a araucária ficou assim registrada:


Família botânica: ARAUCARIACEAE

Nome científico: Araucaria angustifólia (Bertol.) Kuntze [Araucaria brasiliana Lam.] (NAT)

Nomes populares: Curi-y (Guarani), curi-uva (Tupi), pinheiro (Bras.).

Características/ usos: A árvore produz uma resina brilhante, de aroma muito suave que tem as mesmas indicações que a terebentina europeia.

 

                                                                                                                                                            

Entre 1850 e 1852, outro naturalista alemão circulou entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais, Carl Hermann Conrad Burmeister (1807-1892), conhecido apenas como Dr. Hermann Burmeister. Atraído pela fama de Peter Lund (1801-1880), acabou por passar cinco meses em Lagoa Santa. Em sua obra, Viagem ao Brasil, publicada em Berlim, em 1853, anotou sobre a araucária:


Mais tarde, nos arredores de Ouro Preto, é que cheguei a conhecer mais de perto esses majestosos representantes da original conífera brasileira. (p.185).

Já conhecia essa árvore, mas nunca vira exemplares tão vetustos como os que existem nos arredores de Ouro Preto. Basta o fato de ter ela lançado raízes em solo rochoso como aquele, onde nenhuma outra vegetação vinga, aparecendo em plena força e idade avançada, para surpreender o espectador. Um tronco liso e reto, acusando a natureza das árvores coníferas, levanta-se até a altura de 100 pés [...]. (p.209).


As informações de Burmeister confirmam a percepção e o registro feito pelo artista Rugendas em sua Vista de Ouro Preto. Esse viajante deixou informações significativas sobre a fauna, flora e também dos diversos aspectos da vida sociocultural do Brasil, a enfatizar as relações entre brancos, escravos, libertos, pardos, os povos pioneiros, em especial os indígenas puris, coroados, carijós e outros. Em diversos momentos comentou sobre as observações anotadas pelos alemães Martius e Spix.

 

Acervo: Luiz Cruz.

 

Na obra que se tornou um clássico no país, Árvores Brasileiras – Manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil, aparecem os nomes populares da Araucaria angustifólia (Bertol.) Kuntze: curi, curiúva, pinheiro-do-paraná, pinho, pinho-brasileiro, pinheiro-são-josé e outros. A árvore ocorre de Minas Gerais até o Rio Grande de Sul, sua madeira é macia, pouco durável. Utilizada para diversas finalidades, dos utensílios domésticos à caixotaria, até a construção civil. Por sua imponência, tem sido empregada em projetos paisagísticos. Sua semente, o “pinhão”, é comestível. “As sementes são avidamente consumidas por várias espécies da fauna; uma ave, a gralha-azul, ao esconder os frutos no solo para posterior consumo, acaba, involuntariamente, plantando-a.” (LORENZI, 2008, v. I, p.17).

A araucária não dá fruto, ela produz a “pinha” e o “pinhão”. Quando a pinha cai no chão, geralmente o “pinhão” germina e produz mudas, por isso é uma semente. Cada pinha pode ter cerca de cem pinhões, que devem ser coletados entre abril e maio. O pinhão não pode ser consumido sem estar maduro.

No Paraná, ocorriam densas manchas da árvore, as chamadas “matas de pinhais”, tanto que no estado existe uma cidade com a denominação “Araucária”, exatamente pela abundância da espécie. Essa municipalidade foi criada em 1890, seu território teve desmembramento de áreas de Curitiba e São José dos Pinhais. A maior floresta de araucárias se encontra nesse estado, na Terra Indígena Mangueirinha, no município de Mangueirinha, onde vivem os povos das etnias Kaingang e Guarani Mbyá. Chamada de também de “mata preta”, a floresta tem sido preservada principalmente pelos esforços das mulheres indígenas, que enfrentam o avançamento do desmatamento e do agronegócio. “Hoje, a floresta de araucárias está reduzida a 3% de sua área original e menos de 1% pode ser considerada floresta primária.” (NERES, 2021).

A araucária está presente na paisagem do entorno da Serra de São José, com diversos indivíduos imponentes. No levantamento arbóreo realizado pelos técnicos José Nivaldo de Menezes Machado e Moacir Barbosa, do antigo Ibama, atual Flona-Ritápolis, a espécie foi um dos destaques. A paisagem viva que emoldura o conjunto arquitetônico de Tiradentes, recebeu reconhecimento e um instrumento de proteção: o “Decreto Nº 4.062, de 21 de dezembro de 2022. Dispõe sobre o Tombamento do Conjunto Paisagístico da Serra de São José, com área de 1.366,92ha – em conformidade com a lei municipal Nº 2.768, de 24 de janeiro de 2013, lei que estabelece as normas de Proteção do Patrimônio Cultural deste município”. O Conselho Municipal de Políticas Culturais e Patrimônio e a Prefeitura de Tiradentes merecem parabéns por essa iniciativa.

Com mais um instrumento de proteção, ações para a conservação e cuidados para com a paisagem se fazem necessários. Numa propriedade em frente ao Largo do Chafariz – ou seja, no perímetro da APA – Área de Proteção Ambiental da Serra de São José, existiam dois exemplares exuberantes de araucárias, mas foram derrubados. Quando sentimos falta das árvores, no local não havia mais vestígios delas. Ainda bem que tínhamos registros fotográficos. Em outra propriedade, na Rua do Chafariz, subsiste outra, alta e frondosa, a se destacar na paisagem e é nesse indivíduo que podemos observar bem a presença das pinhas.


Araucárias que existiam no Largo do Chafariz e foram derrubadas.

Tiradentes-MG. Fotografia: Luiz Cruz, abril de 2016. 


Araucária da Rua do Chafariz, vista do Largo do Ó, Tiradentes-MG.

Fotografia: Luiz Cruz, 2021. 

 


Pinha da araucária da Rua do Chafariz, Tiradentes-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2023.

 

Araucárias da Estrada Parque Passos dos Fundadores,

sopé da Serra de São José, Prados-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2021.

 

A pinha é um elemento inspirador e utilizado na ornamentação de edificações. No Glossário de Arquitetura e Ornamentação, assim ficou definida:


PINHA (ou PINHÃO) Ornato imitando o fruto do pinheiro. Muito usado em Diamantina, Ouro Preto e outras cidades antigas de Minas, na ornamentação exterior de residências, em VARANDAS, portões, TELHADOS, etc. (ÁVILA et al., 1996, p.165).


Na Rua Direita, de Tiradentes, o adro da Capela de Nossa Senhora de Nossa Senhora do Rosário dos Preto era fechado, havia portão e sobre as colunas, um par de pinhas de cerâmica, conforme fotografia da década de 1940. Em uma casa da mesma rua, com fachada datada de 1921, em sua platibanda colocaram três pinhas de cerâmica, que dão certa imponência e elegância à solução arquitetônica. Na Rua dos Inconfidentes, a casa que tem a data de 1925 em sua platibanda, colocaram três pinhas em cerâmica, uma desapareceu. Ainda nessa rua, existiu o “Armazém da Dona Genny” e na platibanda de sua fachada tinha três pinhas em cerâmica. Essa edificação em estilo eclético foi demolida. Apenas uma das pinhas foi recolhida de seus escombros. Posteriormente, conseguimos adquirir essa peça de um colecionador e ela se encontra em nosso jardim, no Largo Frida Kahlo, juntamente com outras pinhas de cerâmica Saramenha, produzidas em Ouro Preto.  




Adro fechado da Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, com portão e pinha, década de 1940. Tiradentes-MG. Fotografia: acervo Luiz Cruz.

    

Casa da Rua Direita, com três pinhas na platibanda, Tiradentes-MG.

Fotografia: Luiz Cruz.

 

   


Fachada de casa da Rua dos Inconfidentes, com duas pinhas, Tiradentes-MG.

 Fotografias: Luiz Cruz.

 


Pinhas, o exemplar que figurava na fachada do “Armazém da Dona Genny” e peças de cerâmica Saramenha, de Ouro Preto. Tiradentes-MG. Acervo e fotografias: Luiz Cruz.


Ao circular por Tiradentes, pode-se observar diversos exemplares de pinhas, em cerâmica, esculpidas em pedra sabão, gnaisse ou em madeira, louça, ferro fundido e tantos outros materiais. Geralmente a ladear portões ou a arrematar algum elemento arquitetônico, como as platibandas das casas referidas.



Pinhas em louça, jardim do casal Dona Maria Lídia e Sr. Ricardo Montenegro, 

Tiradentes-MG. Fotografia: Luiz Cruz.

 

As pinhas sempre estiveram presentes na ornamentação das fachadas brasileiras. Em fotografia antiga do Largo do Pelourinho, em Salvador-BA, observam-se exemplares delas.

Em Paraty-RJ, ainda se mantêm em certas fachadas exemplares desses elementos em ferro fundido, principalmente nos suportes de luminárias, sacadas e são do século XIX. As pinhas de cristal ou de vidro foram mais raras em Paraty, onde comumente se empregou um outro elemento – o abacaxi. Mas nas últimas décadas, pinhas coloridas de vidros passaram a integrar as sacadas e os balcões paratienses. Elas podem ser apreciadas nos seguintes logradouros: Rua do Comércio, Rua da Praia e Rua Dona Geralda, segundo o pesquisador Diurner Mello.

 

Sacadas com pinhas, Largo do Pelourinho.

 Salvador-BA. Fotografia: Benjamim R. Mulock (detalhe).

     


Balcões de Paraty-RJ, com pinha e abacaxi; balcão com pinha de vidro colorido.

 Fotografias: Diuner Mello.

      


Balcões de Paraty-RJ, com pinha e abacaxi; balcão com pinha de vidro colorido.

 Fotografias: Diuner Mello.

 

No período em que moramos em São Paulo, gostávamos que visitar o MASP – Museu de Arte de São Paulo e a feirinha de antiguidades que ocorria em seu saguão, nas manhãs de sábado. Numa das idas à feirinha, encontramos uma mesa com pares de pinhas de cristal, coloridas, lindas. Antes de perguntar o preço, pedimos informações sobre a procedência das peças; o vendedor nos informou que todas foram de Diamantina-MG. Então, imediatamente, desistimos das belas pinhas; pois, provavelmente, “deveriam ter sido subtraídas de alguma sacada ou balcão diamantinense”.

No imprescindível Documentário Arquitetônico, do pesquisador José Wasth Rodrigues (1891-1957), encontramos detalhadamente toda variedade de desenhos de balcões, sacadas e a complementação com as pinhas. Na estampa 115, com o número 60, registrou-se o detalhe de grade de ferro forjado e pinha de Diamantina; ao visitar essa cidade, circule com calma e observe os exemplares de pinha que ainda subsistem, a ornamentar as fachadas dos casarões.

  

      

Fotografias: Luiz Cruz.

 

Sacadas de ferro forjado com pinhas de cristal verde, Diamantina-MG.

Fotografia: Luiz Cruz. 

 

Certas fachadas de imóveis do Serro, também receberam as pinhas, de vários materiais. Na Praça João Pinheiro, antigo Largo da Cavalhada, fotografamos Pedro Luiz em uma sacada e lá ficou registrada uma pinha de ferro, pintada de verde e amarelo.

Em Conceição do Mato Dentro e em Santa Luzia, as pinhas receberam novos formatos e execução em madeira pintada. Ao passar por Itabira, terra do nosso querido poeta Carlos Drummond de Andrade, na fachada do Hotel Itabira, observamos o emprego das pinhas nos balcões de ferro e um par a ladear uma estátua sobre a porta central. São pinhas em louça, com as cores azul e branco.

      


    


Sacadas de ferro forjado com pinhas em madeira pintada. Conceição do Mato Dentro-MG e Santa Luzia-MG. Fotografias: Luiz Cruz. 


 


Fachada do Hotel Itabira, com balcões de ferro forjado e pinhas em louça, Itabira-MG. Fotografia: Luiz Cruz.


No antigo Arraial dos Carijós, integrante do termo da Vila de São José (Tiradentes), ao obter emancipação política, recebeu a denominação de Real Vila de Queluz – veio a ser o atual município de Conselheiro Lafaiete. Cidade detentora de um dos mais elegantes conjuntos arquitetônicos de Minas Gerais, que aos poucos acabou comprometido em consequência do crescimento desorganizado. No majestoso Solar do Barão do Suaçuí, recentemente restaurado e revitalizado – onde se promove uma das agendas culturais mais concorridas do estado, na fachada desse imóvel se observa a presença de pinhas de ferro fundido nas sacadas. Em outro casarão, onde funciona a Secretaria Municipal de Cultura, no amplo balcão de ferro e nos suportes para luminárias instalaram pinhas.

  


Fotografias: Luiz Cruz.

 

Detalhe da fachada do casarão que abriga a Secretaria de Cultura, suporte para luminária, com pinha de ferro fundido, Conselheiro Lafaiete-MG. Fotografia: Luiz Cruz.


Na Praça do Santuário, em Congonhas, encontra-se uma construção em estilo neocolonial, onde funciona um hotel; em sua fachada, na platibanda, instalaram um par de pinhas em cerâmica.         



           

Detalhes da fachada de hotel da Praça do Santuário, com par de pinhas em cerâmica, Congonhas-MG. Fotografias: Luiz Cruz.

 

Então, chegamos à Mariana, a primaz de Minas, onde se encontram as sacadas mais requintadas do Brasil, do casarão da Rua Direita. Elas foram artisticamente entalhadas em pedra sabão e infelizmente a autoria dessa obra prima é desconhecida. Esse casarão foi edificado pelo português, mestre-construtor pedreiro e carpinteiro José Pereira Arouca (1731/1733-1795), que migrou para Mariana ainda muito jovem. A construção, de cerca de 1752, pertenceu a Ignário de Melo e Souza, que recebeu o título de Barão do Pontal, em 1841. Atualmente, é propriedade da Arquidiocese de Mariana. Essas sacadas não receberam pinhas, mas elas aparecem em outras edificações dessa mesma rua. 

 

 

Sacada em pedra sabão do casarão construído por José Pereira Arouca,

 Mariana-MG. Fotografia: Luiz Cruz. 

 

Ainda em Mariana, a partir da Rua Direita, observam-se exemplares de pinhas, em madeira, ferro e cristal. Nessa cidade, vivem e trabalham exímios escultores; na Rua Dom Silvério, foi instalada uma pinha esculpida em pedra sabão, com desenho estilizado e elegante.

   

Pinhas das sacadas de Mariana-MG. Fotografias: Luiz Cruz. 


Pinha esculpida em pedra sabão, em varanda de casa na Rua Dom Silvério,

 Mariana-MG. Fotografia: Luiz Cruz. 

 

Finalmente, chegamos a São João del-Rei, localidade instalada em sítio privilegiado e detentor de belos exemplares arquitetônicos, com diversidade de detalhes ornamentais. Vários deles têm sacadas e balcões com pinhas. Exatamente como em Diamantina, vale a pena fazer um tour pela cidade para observar esses elementos. O Chafariz da Legalidade, ou Chafariz dos Arcos, foi construído em 1833, no antigo Largo do Rocio, conhecido também como “Praça da Praia”. Juntamente com seu aqueduto, que trazia suas águas, foram demolidos em 1895. Apenas o chafariz teve transferência para a Praça dos Andradas, em local sem água para o seu abastecimento.  Edificado em cantaria, com pilastras, base, remate, detalhes em xisto. No seu pano figuram dois pares de carraras, separados por golfinhos entrelaçados, de onde jorrava a água, mais acima a esfera armilar, a data de sua construção e uma coroa. Tudo encimado por par de pinhas e ao centro outra mais robusta, esculpidas no mesmo material rochoso.

 

Chafariz da Legalidade, edificado em 1833, em xisto, encimado por pinhas esculpidas com a mesma rocha, São João del-Rei-MG. Fotografia: Luiz Cruz. 

  


Pinhas esculpidas em xisto, Chafariz da Legalidade, edificado em 1833,

 autoria ignorada. São João del-Rei-MG. Fotografias: Luiz Cruz.

 

No Solar dos Neves, no Largo do Rosário, em suas seis sacadas em ferro forjado, foram instalados pares de pinhas em cristal, com a cor preta a destacar os seus detalhes. 

 


Solar dos Neves, com sacadas em ferro batido e pares de pinhas de cristal,

São João del-Rei-MG. Fotografia: Luiz Cruz.


                                           

Detalhe de sacada em ferro batido, com pinha em cristal, Solar dos Neves,

São João del-Rei-MG. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Na antiga Rua Direita são-joanense encontra-se a Matriz de Nossa Senhora do Pilar, suas fachadas laterais receberam sacadas de ferro e pinhas de madeira. O Solar da Baronesa, no Largo do Carmo, é um dos mais imponentes da cidade, suas fachadas foram dotadas de balcões, suportes para as luminárias e as pinhas.  Ao caminhar pelo núcleo antigo, o transeunte encontrará muitos modelos de pinhas. 



Sacada da fachada lateral da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, com pinhas de madeira, 

São João del-Rei-MG. Fotografia: Luiz Cruz.

  


Fachada lateral do Solar da Baronesa, com balcão, suportes para luminárias e pinhas, São João del-Rei-MG. Fotografia: Luiz Cruz.

    


Pinhas das sacadas de imóveis do núcleo antigo de São João del-Rei-MG.

Fotografias: Luiz Cruz.

 

As araucárias e as pinhas estão presentes nas paisagens, nas obras de arte e na arquitetura. Ainda, embelezam um dos maiores e mais modernos templos do mundo, o Santuário Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, em Aparecida-SP. Suas amplas paredes receberam painéis com representações dos biomas brasileiros e diversos elementos da fauna e da flora. Lá estão as frondosas araucárias, a imprimir mais magnitude ao templo. Obras do artista sacro Claúdio Pastro (1948-2016), criadas em azulejaria e mosaicos para o embelezamento do templo da padroeira do Brasil.

 

Araucárias, obra de Cláudio Pastro, Santuário Nacional de Aparecida-SP.

Fotografia: Luiz Cruz.


O pinhão é amplamente consumido no Brasil, principalmente na Região Sul. Pode ser preparado assado ou cozido e com ele se produz muitas receitas da culinária brasileira. Desde a tradicional carne cozida aos caldos saborosos, nutritivos e que ajudam a aquecer no inverno.


          

   

O pinhão in natura, cozido e na receita com carne cozida.

Fotografias:  Luiz Cruz.

 

Em Tiradentes e tantas outras localidades, as araucárias têm sido derrubadas. No Sul, o avanço das áreas para o “agronegócio” acabou por colocar a espécie Araucaria angustifólia em risco, além disso ainda teremos as consequências do aquecimento global que não sabemos o quanto afetará certas regiões e suas espécies, como é o caso dessa árvore espetacular. As áreas protegidas e os parques ecológicos se tornaram cada vez mais importantes para a sua proteção.


Pinhas esculpidas em gnaisse, pelo artista Lucas Resende,

Coronel Xavier Chaves-MG. Fotografia: Luiz Cruz.

 

As pinhas que ornam as edificações em tantas cidades também merecem atenção e cuidados. Ideal seria a realização de uma campanha para reconstituir as inúmeras que foram subtraídas ou perdidas. Afinal, são elementos que complementam a ornamentação dos casarões e são bens integrados às edificações; muitas de conjuntos arquitetônicos e urbanísticos devidamente protegidos, através do instrumento “tombamento”.

Como ocorre com Mariana, em Tiradentes e nas cidades de seu entono, vivem e trabalham diversos escultores e alguns deles esculpem pinhas. Caro leitor, caso desejar ornamentar sua casa ou o seu jardim com pinhas, visite o artista Lucas Resende, na entrada de Coronel Xavier Chaves, onde encontrará ou pode encomendar as peças com as proporções adequadas ao seu espaço.

 

Luiz Antonio da Cruz

 

Agradecimentos: Diuner Melo, Gilson Costa e Maria José Boaventura.

  

REFERÊNCIAS:

ÁVILA, Affonso., et al. Barroco Mineiro – Glossário de Arquitetura e Ornamentação. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1996.

BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário Histórico Geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1995.

BRANDÃO, Maria das Graças Lins. Plantas úteis e medicinais na obra de Frei Vellozo. Belo Horizonte: Imprensa Universitária da UFMG, 2019.

BURMEISTER, Hermann. Viagem ao Brasil – através das províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1952.

CRUZ, Luiz Antonio da., BOAVENTURA, Maria José. Glossário do Patrimônio de Tiradentes-MG. Tiradentes: IHGT, 2015.

DIENER, Pablo. COSTA, Maria de Fátima. Rugendas e o Brasil. Rio de Janeiro: Capivara, 2012.

FERREZ, Gilberto. Bahia: velhas fotografias, 1859-1900. Rio de Janeiro: Kosmos; Banco da Bahia Investimentos, 1989.

LEITE, Maria Angela Faggin Pereira. Destruição ou desconstrução? Questões da paisagem e tendências de regionalização. São Paulo: Editora HUCITEC, 2006.

LORENZI, Harri. Árvores Brasileiras – Manual de Identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. São Paulo: Nova Odessa, 2008.

MARTIUS. Karl Friedrich Philipp von, 1794-1868. Plantas usadas pelos brasileiros e suas substâncias medicinais. Belo Horizonte: Fino Traço, 2023.

NERES, Vanessa. Incansáveis guardiãs da (ainda) maior reserva de araucárias do mundo. Disponível em: https://oeco.org.br/reportagens/incansaveis-guardias-da-ainda-maior-reserva-de-araucarias-do-mundo/. Visitado em 03/04/2023.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. A invenção do Brasil – O nascimento da paisagem brasileira sob o olhar do outro. Revista de História e Estudos Culturais. Porto Alegre: UFRGS, 2004, V. 1, Ano 1.

SEBASTIÃO, Walter. Errante grafia (poemas). Tiradentes: Mandala Produção, 2023.

SIMMEL, Georg. A Filosofia da Paisagem. Covilhã: Universidade da Beira Interior, 2009.

VIEGAS, Augusto. Notícia de São João Del-Rei. Belo Horizonte. 1969.

 

 

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