ANASTÁCIA: A ESCRAVIZADA QUE RELUZ  

Em 1980, no Rio de Janeiro, tivemos as primeiras informações sobre a ESCRAVA ANASTÁCIA. Em inúmeras segundas-feiras estivemos na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e São Benedito – Rua Uruguaiana, centro, que é protegida pelo IPHAN, desde 1938; lá, muitos de seus devotos comparecem nesse dia para rezar, fazer pedidos, agradecer graças alcançadas e acender velas para sua alma. Nessa mesma edificação setecentista, encontra-se o Museu do Negro, onde se pode apreciar e conhecer melhor a história da Escrava Anastácia. Embora a população africana escravizada trazida para o Brasil fosse de alguns milhões de pessoas e expressiva parte da população brasileira seja afrodescendente, temos poucos museus dedicados ao tema, dentre eles figuram ainda a Casa do Benin, em Salvador-BA, Museu Afro Brasil, em São Paulo-SP, Museu do Percurso Negro, em Porto Alegre-RS, Cafuá das Mercês, em São Luís-MA (cafuá: do dialeto banto, que significa cova, caverna, lugar escuro e isolado), Museu da Abolição, no Recife-PE e o Museu do Escravo, em Belo Vale-MG.

   


                     Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Salvador-BA. Fotografia: Luiz Cruz.


A personagem escravizada Anastácia ainda gera polêmica, por lacuna documental, mas sua história está presente em diversas regiões do país e é cultuada pela religião católica e as de origem afro-brasileira da Umbanda e do Candomblé. Afinal, quem foi essa figura? – Conta-se que seu nome era Ojuorum e era uma princesa Banto, do Congo. Chegou ao Brasil pelo porto do Rio de Janeiro, 1749, quando recebeu novo nome: Anastácia. Do Rio, foi levada para a Bahia, passou por Minas e retornou ao Rio, já no final de sua jornada. Foi uma bela e inteligente mulher, em seu rosto expressivo se destacavam os olhos azuis. Joaquim Antônio, seu proprietário, tentou assediá-la, mas Anastácia resistia. Ao ser refutado, seu senhor mandou colocar no rosto da escrava uma máscara de ferro, que só era retirada nos momentos de sua alimentação. Assim, viveu por cerca de 30 anos.


 Escultura da Escrava Anastácia, sacristia da Igreja do Rosário, Salvador-BA. Fotografia de Luiz Cruz.

 

Ainda no Rio de Janeiro, existe o Santuário Católico Escrava Anastácia, localizado na Rua Taubaté, 42 – Oswaldo Cruz, onde se realiza o culto e festejos dedicados à essa devoção.  Em Salvador, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, construída pela Irmandade do Rosário, que fora formalmente constituída em 1685.  Nesse templo de devoção de santos negros, Benedito, Antônio de Categeró, Efigênia, Elesbão e Escrava Anastácia, ela se encontra na galeria dos santos negros, no oratório da sacristia e ainda em outro instalado na fachada posterior da edificação. Em Salvador, a Escrava Anastácia tem inúmeros devotos e o seu dia é celebrado em 13 de maio. Já em Florianópolis-SC, funciona o CCEA-Centro Cultural Escrava Anastácia, onde se desenvolvem diversas atividades culturais e trabalhos sobre conscientização. O CCEA é uma homenagem e reconhecimento ao protagonismo e à força das mulheres negras, seu objetivo é a dedicação à população jovem. E em Pompéu-MG, onde viveu por certo tempo, Anastácia é tema da Semana da Consciência Negra, promovida pelo Movimento Negro e pelo Conselho Municipal de Igualdade Racial, as celebrações ocorrem em maio com a entrega da “Medalha Escrava Anastácia”.

      

Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, de São José, atual Tiradentes.


Em Tiradentes, núcleo setecentista e minerador, chegaram e viveram milhares de escravizados. Tantos acabaram em outras paragens, mas outros tantos se acomodaram na então Vila de São José e fincaram suas raízes. Inicialmente, a população conformada por indígenas, escravizados e brancos, propiciou a instalação da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Homens Pretos, que edificou seu templo todo em pedra e o dotou com belos trabalhos de talha, pintura e imaginária – há que ressaltar que em sua capela-mor se encontra o teto pintado com a mais significativa quadratura do Campo das Vertentes. Portanto, aqui, a população de “pretos” – ou seja, dos nascidos em África, era expressiva.


       Capitão Prego e a Escrava Anastácia, Beco do Zé Moura – Instalação de grupo de artistas. Fotografia de Luiz Cruz.


Com o passar do tempo e com os casamentos, ocorreram transformações na sociedade, especialmente ascensão social. Porém, em certo período a devoção à Senhora do Rosário enfraqueceu e por anos consecutivos deixou de ser realizada. Coube ao Corpo de Bombeiros Voluntários de Tiradentes promover o seu resgate e logo em seguida prosseguiu com a criação do Congado de São Benedito, através do “Projeto Recontando o Rosário”, executado pelo Instituto Cultural Biblioteca do Ó. Mais recentemente, por iniciativa do Capitão Prego, foi criado o Congado Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia. O Capitão Prego tem resistido aos empecilhos para manter o seu terno de congado atuante. Durante o período da pandemia de Covid-19 esteve com suas atividades suspensas, mas se prepara para celebrar o Dia da Escrava Anastácia, no 13 de maio e no dia 10 de julho promoverá o “Encontro de Congados de Tiradentes” – quando diversos ternos de congadeiros rufam seus tambores e apresentam os pontos a homenagear a Senhora do Rosário. Enquanto julho não chega, passe pelo Beco do Zé Moura e aprecie a instalação coletiva dos artistas e fotógrafos que prestigiam e valorizam o congado do Capitão Prego. Salve Rosário, Salve Maria; Salve a Escrava Anastácia!


“Oração à Escrava Anastácia – Festa 13 de Maio

Prece milagrosa para alcançar uma graça urgente da Escrava Anastácia.

Vemos que algum algoz fez da tua vida um martírio, violentou tiranicamente a tua mocidade, vemos também no teu semblante macio, do teu rosto suave, tranquilo, a paz que os sofrimentos não conseguem perturbar. Isso quer dizer: eras pura, superior, tanto assim que Deus levou-te para as planuras do céu, deu-te o poder de fazeres curas, graças e milagres mil. Anastácia pedimos-te... roga por nós, proteja-nos, envolve-nos no teu manto de graças e com teu olhar bondoso, firme, penetrante; afasta de nós os males e os maldizentes do mundo. Tudo que pedimos por Nosso Senhor Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo, Amém.

Toda manhã, antes de sair para o trabalho, olhe para Anastácia, peça-lhe suas graças, que tudo ocorrerá bem para você.”

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Publicações sobre patrimônio cultural e ambiental de Tiradentes e região - abordando o patrimônio material e imaterial.

Postagens mais visitadas.