EDMUNDO
LINS – o juiz que viveu na
Casa Padre Toledo,
Tiradentes-MG
Casa do Padre Toledo
largos espaços
para conjugar
o poder do verbo [...]
Júlio Castañon Guimarães,
Matéria e Paisagem.
Sua nomeação para o cargo
de Juiz de Direito para a Comarca de Tiradentes ocorrera a 22 de fevereiro de
1892 (CRUZ, 2015, p.99). Antes de se mudar para a cidade interiorana de Minas,
casara-se com Brasilina Pinheiro e Prado, mais conhecida como Dona Mocinha. No
casarão da antiga Rua do Sol, onde viveu o Padre Toledo, líder dos envolvidos na
Conjuração Mineira da região do Rio das Mortes, Edmundo Lins veio morar. Ali, nasceram
os seus primeiros filhos. No parto do quarto filho, perdeu sua amada Mocinha.
Então, ficou viúvo e com os filhos, o mais velho aos cinco anos e o mais novo
com apenas alguns dias.
De sua residência ficaram
as anotações do viajante e professor Carlos Laet (1993, p.66), que visitou
Edmundo Lins durante sua temporada aqui na região:
O edifício, grande, vastíssimo e
solidamente construído, é talvez a melhor das casas particulares de São José.
Tem paredes grossas como de fortaleza. As vidraças, enormes, estão repartidas
em numerosos caixilhos com vidros pequeninos. Nos tetos de madeira há pinturas
mitológicas e de frutas do país. Tudo foi conservado com admirável gosto, não
muito comum em nossa terra, tão afeiçoada a detestar a nota tradicional.
Cena central do teto em gamela,
pintado com as alegorias dos cinco sentidos, com representações mitológicas.
Têmpera sobre madeira, século XVIII, autoria ignorada, Casa Padre Toledo,
Tiradentes-MG. Fotografia: Luiz Cruz.
O viajante Laet anotou que
foi recebido “com requintes de amabilidades que vem do coração, o sr. dr. Edmundo
ofereceu-nos, além de suspirado café, excelente almoço”. Tudo indica que a
família de Edmundo Lins era boa anfitriã.
Ao final do século XIX,
Tiradentes já enfrentava grave situação de declínio econômico, conforme
registrado por Laet (1993, p.65):
– São José já foi grande e poderosa: hoje está velha e cansada. É
mãe de família que criou muitas filhas: São João, Oliveira e outras... As
filhas agora é que estão florescendo, e a pobre velha vai vivendo aqui no seu
canto... Não se poderia melhormente exprimir a honrosa decadência da velha
cidade!
Diante do quadro da
localidade, Lins aproveitava o tempo para produzir “Relatórios” sobre
jurisdição, que acabaram por se transformar em preciosas “monografias” sobre o
tema. Como figura expoente da sociedade local, recebia visitas após as missas
dominicais, que as vezes lhes tomavam muito tempo. Então, montou uma
estratégia, logo que chegavam os visitantes, mandava servir o café e perguntava
se conheciam “Lobão, o velho praxista lusitano”. Logo, iniciava a leitura.
Assim, as visitas começaram a diminuir e circulava na cidade que “suas leituras
eram um tanto maçantes”.
Ainda para aproveitar o
tempo e suas habilidades, passou a lecionar voluntariamente para os rapazes
pobres da cidade, oferecia o material, cadernos, livros e tinta. Ensinava
latim, aritmética, álgebra e geometria. O seu auxiliar nessa tarefa era o
juiz-substituto, Dr. Wladimir Mata, seu colega de formação em São Paulo; Mata
ainda fora redator da Folha de Tiradentes, jornal que circulou até 1897.
Segundo Laet (1993, p.66,68),
naquele período, em Tiradentes, a instrução ocorria em quatro escolas
primárias. Além de ministrar aulas para os que não podiam pagar, o
juiz-substituto ensinava as “primeiras letras aos presos da cadeia pública”. Edmundo
e Wladimir planejavam abrir uma escola de ensino secundário, gratuita, para os
jovens locais. Para tal solicitaram à municipalidade um subsídio de “poucas
centenas de mil-réis anuais” para alugar uma casa e fazer sua manutenção.
Depois do referido almoço,
na casa do Juiz de Direito de Tiradentes, Edmundo Lins, eles, juntos fizeram visita
ao prédio da Câmara, onde funcionava o “Fórum” local. Esse registro se tornou significativo,
pois alocou duas obras de arte expressivas, o Retrato do Imperador Dom Pedro
II, de autoria de Manoel de Araújo Porto Alegre, de 1839, executado através
de encomenda da Câmara e a tela da representação da Justiça, a Deusa Astreia,
datada de 1824, atribuída ao pintor Manoel Victor de Jesus, exposta no salão do
“Fórum” (CRUZ, 2021, p. 513,514), essas obras foram apreciadas e citadas pelo
professor Carlos Laet.
Edmundo Lins. Fotografias: acervo do STF.
Afinal, quem foi esse
personagem que ocupou o cargo de Juiz de Direito da Comarca de Tiradentes e
viveu na Casa Padre Toledo? – Edmundo
Pereira Lins (1863-1944), nasceu no Serro-MG, a 13 de dezembro, era filho de
Miguel da Silva Pereira Lins e Dona Antônia Ferreira Campos Lins. Seu pai foi
escrivão do cível da Comarca do Serro, mas faleceu prematuramente, deixou a esposa
e os três filhos em situação financeira crítica. Para ajudar a mãe, teve que
trabalhar ainda criança, em uma oficina de ourives, depois como caixeiro numa
venda em Milho Verde. Ao considerar tal fragilidade física, o professor Ricardo
Queiroga se tornou seu protetor e o levou para estudar. Logo ingressou no
Seminário de Diamantina. Tornou-se profundo conhecedor da língua latina e da
literatura clássica. Mudou-se para Ouro Preto, em 1883, onde se preparou para a
jornada em São Paulo. Lá, em 1885, matriculou-se na Academia de Direito de São
Paulo e se formou em Ciências Jurídicas.
Conforme já exposto, após
Edmundo Lins ficar viúvo, transferiu-se para Ouro Preto, e a 29 de julho de
1897, ocupou o cargo de Diretor da Secretaria do Interior; nesse mesmo ano,
concorreu à cadeira de lente substituto da Faculdade de Direito de Minas Gerais.
Edmundo Lins, Livraria São
José, Rio de Janeiro, 2ª ed, 1967. Acervo Luiz Cruz.
Casou-se pela segunda vez,
com Dona Maria Leonor Monteiro de Barros, teve outros filhos, no total foram
12, dos quais sobreviveram 10. Um deles foi Ivan Monteiro de Barros Lins
(1904-1975), que nascera em Belo Horizonte e depois viveu no Rio de Janeiro. Ivan
Lins foi jornalista, professor e ensaísta, autor do livro Edmundo Lins,
que registrou a biografia do pai, com “alguns traços de sua personalidade e
juízos de seus contemporâneos”.
Em 12 de março de 1898, Edmundo
Lins foi nomeado para instalar e ocupar o cargo de primeiro Juiz de Direito, da
Comarca de Belo Horizonte – “Inaugurei-a e comecei a funcionar”. Apesar
da disputa travada por Augusto de Lima, que era o Juiz de Direito da antiga
capital mineira; após recursos acabou por ocupar o cargo de Diretor do Arquivo
Mineiro, em Belo Horizonte, de onde saiu para ingressar na vida política
federal.
Por certo período, Edmundo
teve o seu nome indicado para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal, mas
fora preterido por outros. Finalmente, a 12 de setembro de 1917, tomou posse desse
cargo, no Rio de Janeiro. Eleito por unanimidade, assumiu a presidência do STF,
a 1º de setembro de 1931. Nesse cargo ficou até sua aposentadoria compulsória, efetivada
em 1937.
Reminiscências
Literárias, obra de Edmundo Lins, coletânea de artigos, edição Jornal do
Comércio, Rio de Janeiro, 1941. Acervo Luiz Cruz.
O menino que nascera no
Serro, de núcleo familiar desprovido de recursos, dedicou-se profundamente aos
estudos e percorreu uma trajetória de sucesso. Sua terrinha legou a Minas
Gerais não somente Edmundo Lins, foi berço de personalidades expressivas e
ilustres, como Teófilo Otoni, Cristiano Otoni, João Pinheiro, Pedro Lessa e
outros. Não há como deixar de ressaltar dois memorialistas serranos, Joaquim Felício dos
Santos – autor de Memória do Distrito Diamantino e Joaquim de Salles –
autor de Se não me falha a memória, obras elementares para se
compreender a formação sociocultural mineira.
Edmundo Lins acabou
reconhecido como homem de “humor esplêndido”. Dedicava-se sempre aos estudos
jurídicos e publicou livros sobre esse tema. Apreciava as artes, em especial a
literatura, de todos os gêneros e nacionalidades. Detentor de vasta biblioteca,
publicou Reminiscências Literárias. Gostava de boa música, frequentou
assiduamente o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, acompanhava as apresentações
operísticas e de canto lírico. Gostava de cinema e de teatro. Sempre recebia os
amigos para os intermináveis papos, mas também para jogar xadrez e paciência.
Dr. Edmundo Lins – humanista,
professor, jornalista, escritor, magistrado que nasceu no Serro, enfrentou
tantos desafios, venceu tantas jornadas e nos legou uma bela história de vida. Deixou
inúmeros descendentes, um de seus netos é o ex-banqueiro José Luiz de Magalhães
Lins, nascido em Arcos-MG; que em 1961, casara-se com Dona Nininha, que passou
assinar Maria do Carmo Nabuco de Magalhães Lins – filha do casal José Thomaz
Nabuco de Araújo e Dona Maria do Carmo Nabuco. Esse casal mais o genro, José
Luiz, dentre outros, foram os instituidores da Fundação Rodrigo Mello Franco de
Andrade, que implantou o Museu Casa Padre Toledo, em Tiradentes. José Luiz Magalhães
Lins veio a ser um dos homens mais influentes do Brasil (na economia,
jornalismo, cultura) e significativo apoiador das artes, especialmente do
cinema. Figuras como Grande Otello, Glauber Rocha, Cacá Diegues e Luiz Carlos
Barreto receberam sua atenção e apoio financeiro, puderam desenvolver seus projetos.
São José, a atual
Tiradentes, ao longo de sua história tricentenária, recebeu e acolheu muitas personagens,
gente de espírito de luz e que fez a diferença na vida cotidiana local.
Luiz Antonio da Cruz
Referências:
CRUZ, Luiz Antonio da. A Casa Padre Toledo no cotidiano e na
monumentalização. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal de Minas
Gerais, Escola de Arquitetura, 2015.
CRUZ, Luiz Antonio da. Os tetos pintados e as pinturas
ornamentais na Vila de São José: contexto histórico e artístico entre os
séculos XVIII e XIX. Tese (Doutorado), Universidade Federal de Minas
Gerais, Escola de Arquitetura, 2021.
GUIMARÃES, Júlio Castañon. Matéria e Paisagem e pomas
anteriores. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998.
LAET, Carlos. Em Minas. São Paulo: Globo, 1993.
LINS, Edmundo. Reminiscências Literárias. Rio de Janeiro:
Jornal do Comércio, 1941.
LINS, Ivan. Edmundo Lins. Rio de Janeiro: Livraria São
José, 1967.
SALLES, Joaquim de. Se não me falha a memória. São Paulo:
Instituto Moreira Salles, Ed. Giordano, 1993.
SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do distrito diamantino.
São Paulo: Ed. Itatiaia, Ed. da Universidade de São Paulo, 1976.
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