CELINA BATALHA: a luz do encantamento afro-brasileiro
Celina Batalha, Festa de Nossa Senhora do Rosário, cortejo dos congados de
São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, sede do Corpo de Bombeiros Voluntários
de Tiradentes, 2009. Fotografia: Luiz
Cruz.
Motumbá, Iya mi
Iya mi pada si Olorum
gba odo Osun
ki o si we lodi si okun
Minha mãe, retorne a Olorum
Tome o Rio Oxum
E nade contra o mar
o bi ọmọbinrin mẹta
ó sì fún mi ní oúnjẹ orí
We, iya mi, si inu rẹ
Ela deu à luz três filhas
E me deu comida pra cabeça
Nade, minha mãe, para teu ventre
Nigbati o ba di ọkan
pelu Eleda, kọrin soke
“Mo ti pẹ nitori iya mi”
Quando você se tornar uma
Com o Criador, cante alto
“Cheguei tarde por causa da minha
mãe”
Nigbati o ba de
Emi o gbọ ohùn rẹ
ninu Merindilogun ti o fi sile
Quando você chegar
Eu vou ouvir sua voz
Nos búzios que você deixou
Èmi yóò gba ìlú náà
Èmi yóò mu ìlú náà
Iwọ o si gbọ mi
Eu vou tomar a cidade
Eu vou tocar o atabaque
E você vai ouvir minha gratidão
Ora yèyé o! Àṣẹ, àṣẹ, àṣẹ o.
23 de novembro de 2022.
No bairro
Cascalho, em Tiradentes, durante muitos funcionou a Escola de Arte Celina
Batalha. Para muitos tiradentinos, foi exatamente lá que ocorreram os primeiros
contatos com as artes. Na primeira turma de Dança da Escola lá estavam Camila
França, Iara Câmara, Camila Justino, Amanda Reinaga, Mariana Cavalcanti e
outras. Por lá, muitos meninos e meninas passaram e a ARTE tornou-se um dos
pilares para a vida toda desses cidadãos.
Largo das Forras, Carnaval
de 1995. Fotografia: Luiz Cruz.
A primeira vez
que fotografamos Celina Batalha foi no Domingo de Carnaval de 1995. Ela surpreendeu
a todos, entrou no Largo das Forras com o Bloco Abre Alas das Crianças. Com
sua presença expressiva, trouxe a meninada do Lar da Tia Lia e para alegrar,
uma fanfarra divertida. O bloco circulou pelas principais ruas do centro
antigo, marcou presença, deixou suas pegadas positivas e a certeza de que a professora
Celina Batalha estava aqui para fazer a diferença.
Quando o
Instituto Cultural Biblioteca do Ó propôs o Projeto Recontando o Rosário,
juntamente à Fundação Palmares, a objetivar o resgate do congado e aspectos da
cultura afro-brasileira local, Celina Batalha além de professora na Oficina de
Dança, foi consultora em diversos momentos da pesquisa e execução dos objetos,
indumentária e dos hábitos – certas particularidades fundamentais para a
compreensão e apropriação do legado do povo preto, devoto de Nossa Senhora do
Rosário e das santidades devocionais: Efigênia e Benedito, além das Senhoras
das Mercês e Aparecida.
Cortejo do Congado de São Benedito, com a participação da Iyaloryxá Celina D’Oxum,
Tiradentes, 2007. Fotografias: Maria José Boaventura, acervo ICBO.
Celina Corrêa
Batalha nasceu no Rio de Janeiro, em 5 de julho de 1950, num núcleo familiar de
religiosos – o pai foi padre e a mãe médium de umbanda. Cursou o “Normal”, atuou como professora da
rede pública de ensino do Estado do Rio de Janeiro. Depois, graduou-se em
Educação Física na UFRJ. Atuou como ginasta rítmica feminina e olímpica em
diversas competições. Porém, foi na Dança que realmente se encontrou e pôde
associar suas potencialidades como desportista, professora de teatro e
religiosa. Discípula de Helenita Sá
Earp, integrou o Grupo de Dança da UFRJ, onde se especializou. Em outro concurso,
tornou-se professora de Dança da UFRJ, onde implantou o 1º Curso de
Especialização em Dança-Educação dessa universidade, com um conceito mais
adequado e a visar a qualificação dos profissionais envolvidos.
O corpo, a
dança, a espiritualidade – nessa busca para a formação do “sujeito”, Celina
Batalha encontrou as trilhas a serem percorridas. No seu trabalho, percebeu
unicidade entre esses aspectos, que nas religiões de matriz afro-brasileira,
“Deus não está fora, que os ORIXÁS não estão fora, eles estão dentro de nós”,
conforme ressaltou em entrevista concedida ao Minas Negras Gerais,
veiculada em 3 de fevereiro de 2021. Eles propiciam uma imersão em nós mesmos,
com nossas histórias e desafios, tudo está no corpo e, através dele, pode-se
descobrir o que se precisa.
Ao longo do
tempo, enfrentou desafios significativos com a doença e no Congado encontrou
uma maneira de se ajudar no fortalecimento físico, espiritual e na sua
recuperação.
Em São João
del-Rei, no bairro Guarda-mor, foi uma das criadoras e coordenadora da
Associação Afro-brasileira Casa do Tesouro Egbe Ile Omidewa Ase Igbolayo,
fundada em 2005, onde desenvolveu atividades religiosas do Candomblé Nação Ketu
e Jurema Sagrada. E ao lembrar Muniz Sodré, sociólogo e professor da UFRJ, há
que se ressaltar que “O terreiro de candomblé é uma forma de persistência de um
modo de vida milenar, anterior ao cristianismo. É uma metáfora espacial da
África reconstituída”, por isso lá foram desenvolvidos diversos projetos culturais
e com ampla parceria – uma delas foi com o Museu Regional do IPHAN. Tivemos
oportunidade de levar nossos alunos a eventos com a participação da associação,
com danças e exposições, a propiciar um encontro com os mais diversos aspectos
da nossa cultura. Celina se tornou o elo da cooperação entre a UFSJ e a UFRJ,
especialmente para a integração dos aspectos da dança e da religiosidade
afro-brasileira.
A Casa do
Tesouro foi transformada em Ponto de Memória Batuques – aprovado pelo Instituto
Brasileiro de Museus – IBRAM. Desenvolveu diversas atividades, dentre elas
oficinas para elevar a autoestima dos participantes e criar oportunidade para
novos fazeres, dentre elas a Oficina de Estamparia, ministrada pela artista
visual Maria José Boaventura e a Oficina de Biojoias, coordenada pela
professora e artista Zandra Miranda. Ao longo dos anos, manteve parceria em
atividades e projetos desenvolvidos pelo Instituto Cultural Biblioteca do Ó, em
Tiradentes.
Padre José
Nacif a receber o Congado de São Benedito e de
Nossa Senhora
do Rosário na Capela de Nossa Senhora do Rosário
dos Homens Pretos, 2009. Fotografia: Luiz
Cruz.
Em 2015,
recebeu o Prêmio Patrimônio Cultural dos Povos Comunidades Tradicionais de
Matriz Africana, concedido pelo IPHAN, pela realização do projeto Encontro
Congadeiro nas Vertentes. Outro projeto desenvolvido foi a Roda de Jongo,
que esteve em apresentação no Largo das Forras, em Tiradentes. As mulheres fortes
lá estavam, ao som dos atabaques, com seus corpos trabalhados e reconstituídos
como verdadeiros templos da VIDA e do SAGRADO. Celina Batalha assistiu à
apresentação, compenetrada, a acompanhar toda movimentação do grupo.
Nossa Senhora
do Rosário na Capela de Nossa Senhora do Rosário
dos Homens Pretos, 2009. Fotografia: Luiz
Cruz.
Roda de Jongo, Largo das Forras, Tiradentes. Celina Batalha apreciando as
componentes do grupo
de dança, 2014. Fotografias: Luiz Cruz.
Roda de Jongo, Largo das Forras, Tiradentes. Celina Batalha apreciando as
componentes do grupo
de dança, 2014. Fotografia: Luiz Cruz.
Pessoa
generosa e compreensiva. Quando desenvolvemos o Projeto de Educação
Patrimonial, proposto pelo IHGT e com apoio financeiro do BNDES, tivemos a
Oficina de Confecção de Tambores, com o professor Lucas Agostini. O primeiro e
grande desafio, onde realizar a oficina que usaria materiais e equipamentos variados,
inclusive a solda? O único espaço que nos acolheu foi o salão da Escola de Arte
Celina Batalha. E lá estava ela, não só a apoiar, mas a incentivar e acompanhar
tudo. Meninos e meninas enfrentaram o desafio, cada um conseguiu montar o seu
tambor, mais outros que foram encaminhados para o Congado e para as Folias.
Tambores e caixas para soaram para homenagear a Senhora do Rosário, quando tudo
ficou pronto, o professor Lucas Agostini fez uma esquenta, organizou os alunos
e foi com eles até à Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos para
agradecer a conquista dos alunos.
Salão da
Escola de Arte Celina Batalha, ela a observar os andamentos da
Oficina de Tambores, com o professor Lucas Agostini, Projeto de Educação Patrimonial,
2013.
Fotografia: Luiz Cruz.
Projeto de
Educação Patrimonial, 2013.
Fotografias:
Luiz Cruz.
Resistência e
esperança foram as companheiras da cidadã, da professora, da chefe de família e
da Mãe de Santo, seu corpo sempre foi um oráculo dos DEUSES e dos ORIXÁS. Usou
a dança para transcender seus limites e encantar. Em tantos momentos esteve
presente em Tiradentes, como nos cortejos das artes, ocorridos nas aberturas da
Mostra de Cinema, com graça e leveza.
Celina Batalha
no Cortejo das Artes, Mostra de Cinema, 2017, fotografia:
Maria José
Boaventura; ela ao pé do Baobá do Largo da Rodoviária, 2022.
Fotografia:
Soraia Santos.
No projeto
proposto pelo Instituto Cultural Biblioteca do Ó, que resultou na publicação do
livro O caminho do alferes Tiradentes – uma viagem pela Trilha dos
Inconfidentes, do autor Ivan Alves Filho, editado pela Mandala Produção, novamente,
Celina Batalha nos surpreendeu, chegou com o seu Grupo de Dança e fez a
diferença. Foi na verdade, um agradecimento e reconhecimento pela parceria de
anos com o ICBO. Os atabaques ecoaram e a varanda da Câmara Municipal se
transformou em palco. Foi lindo e os DEUSES agradeceram, numa tarde de luminosidade
dourada do entardecer, que transformou aquela ocasião em momentos memoráveis.
Celina Batalha
e seu Grupo de Dança, Rua da Câmara,
Tiradentes,
2019. Fotografia: Luiz Cruz.
Celina Batalha
e seu Grupo de Dança, na varanda da Câmara Municipal,
durante o lançamento do livro do autor Ivan
Alves Filho, proposto pelo ICBO
e ditado pela Mandala Produção, Tiradentes,
2019. Fotografia: Luiz Cruz.
Celina Batalha e seu Grupo de Dança, na varanda da Câmara Municipal, durante o
lançamento do livro do autor Ivan Alves Filho, proposto pelo ICBO e ditado pela Mandala
Produção, Tiradentes, 2019. Fotografias: Luiz Cruz.
Celina Batalha e seu Grupo de Dança, na varanda da Câmara Municipal, durante o
lançamento do livro do autor Ivan Alves Filho, proposto pelo ICBO e ditado pela
Mandala
Produção, Tiradentes, 2019. Fotografia: Luiz Cruz.
Incentivadora e apoiadora de manifestações culturais, mas especialmente dos ternos de Congadas / Congado / Reinado / Capitaneados – que agora se encontram em processo de reconhecimento como Patrimônio Imaterial pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Depois de certa resistência, o Congado de São Benedito, resultado do Projeto Recontando o Rosário, desenvolvido pelo ICBO, o terno saiu e prestou homenagem ao seu orago. A palavra de Deus nessa acolhida coube ao padre José Nacif Nicolau. Posteriormente, o padre Ademir Longatti assumiu essa função, recebeu e celebrou a Santa Missa para os congadeiros, que participaram do Encontro de Congados de Tiradentes, promovido pelo Capitão Prego, do Congado de Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia. Esse encontro congregou ternos de várias localidades mineiras e vinha se consolidando como um dos mais expressivos eventos da cidade, por fatores diversos, dentre deles a religiosidade afro-brasilera, a música, a dança, a indumentária, os instrumentos e as bandeiras; mas sobremaneira a devoção à Senhora do Rosário, cultuada em sua Capela de Nossa Senhora dos Homens Pretos – ou seja, os nascidos no solo africano, que foram capturados, sequestrados e aqui escravizados.
Capela de Nossa Senhora das Mercês dos Pretos Crioulos, cerimônia de coração da rainha
do Congado de Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia, por padre Ademir e Celina
Batalha, 2015. Fotografia: Luiz Cruz.
Capela de Nossa Senhora das Mercês dos Pretos Crioulos, cerimônia de coração da rainha
do Congado de Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia, por padre Ademir e Celina
Batalha, 2015. Fotografias: Luiz Cruz.
Celina D’Oxum sempre esteve presente a prestigiar e apoiar o Encontro de Congados de Tiradentes. Na Capela de Nossa Senhora das Mercês dos Pretos Crioulos – os pretos de pais africanos, mas nascidos em solo brasileiro – tivemos o privilégio de assistir e documentar a cerimônia da coroação da rainha do terno de Congado de Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia, pelo padre Ademir Longatti e pela Celina D’Oxum. O padre, todos os capitães e as capitoas presentes, com seus bastões em punho, rezaram e abençoaram a nova rainha, a seguir todo ritual sagrado da coroação de rainha congadeira. Celina se ajoelhou ao lado dela e acompanhou toda a cerimônia. Os tambores furaram e aquele som forte vibrou em nossos corpos e em nossas almas. Vimos as lágrimas correrem pelo rosto de Celina Batalha e realmente foram minutos de forte impacto. Depois, cada terno se dirigiu à frente de seu mastro, arreou sua bandeira e foram encerrados os festejos. Tudo ocorreu de forma respeitosa e com muita religiosidade.
Cerimônia de
arreamento da Bandeira de Nossa Senhora do Rosário,
após a
coroação da rainha. Tiradentes, 2015. Fotografia: Luiz Cruz.
Componentes da mesa Quilombo: território e resistência
e o Capitão Prego a
prestar sua homenagem
à Celina Batalha. Fotografias: Luiz Cruz.
No dia 23 de novembro,
quando participávamos do Ciclo de Ideias, do Festival Artes Vertentes, na mesa Quilombo:
território e resistência, com a participação do mediador Rubens Silva, José
Luiz de Oliveira, Manuel Jauará, Padre Mauro e Capitão Prego, recebemos a
notícia da passagem de Celina Batalha. Prestamos nossa homenagem, o Capitão Prego
fez o seu canto dorido e a mesa foi encerrada com um minuto de silêncio em sua
homenagem. A Mãe Celina foi para o Orum!!! Agora é luz e memória, ensino e
aprendizagem, afeto e saudade.
No dia 17 de dezembro, às 17h, no Largo da Rodoviária, junto ao pé do Baobá, que é uma árvore sagrada para os povos africanos, ocorrerá homenagem à Mãe Celina D’Oxum. Você, caro leitor, é nosso convidado.
Luiz Antonio da Cruz
Agradecimentos especiais a Maria José Boaventura, Padre
José Nacif Nicolau, Padre Ademir Longatti, Capitão Prego, Rogério Lazur, Pedro
Germano Leal, Antônio Gil Leal, Soraia Santos e Camila França.
Editor Compromissos de Irmandades
Mineiras do Século XVIII. Amilcar Vianna Martins Filho (org.);
estudo crítico Caio Boschi. Belo Horizonte: Claro Enigma, Instituto Cultural
Amilcar Martins, 2007.
#MinasNegrasGerais #CelinaBatalha #Iyalorixá #MãeCelinaD´Oxum
https://www.youtube.com/watch?v=Kl6OtI_e1UU
https://www.youtube.com/watch?v=HRRTZI8lAMw&t=10s
https://www.youtube.com/watch?v=HYOTn4yaGIo
https://institutoauxiliadora.com.br/instituto-auxiliadora---sjdr/informes/14704
SILVA,
Alexsander Barboza da; DAMASCENO, Letícia; AQUINO, Rita Ferreira de.
Historiografando, Dançando e Ensinando: as produções teóricas do Curso de
Pós-Graduação em Dança-Educação (lato sensu). Anais do 6º Congresso
Científico Nacional de Pesquisadores em Dança – 2ª Edição Virtual. Salvador:
Associação Nacional de Pesquisadores em Dança – Editora ANDA, 2021. p.
1813-1828.
Belíssima história! Belíssima narrativa!
ResponderExcluirMuito obrigado. Celina Batalha construiu uma bela história de VIDA e agora precisamos contar e registrar. Vamos inspirar outros narradores para que contem também suas vivências com ela. Abraço
ExcluirMinha homenagem, meu respeito e minha gratidão à figura querida de Celina Batalha, à amiga Maria José Boaventura e a todas e todos que lutam a preservar a cultura de matriz africana!
ResponderExcluirGratidão por sua presença aqui. Celina Batalha e Maria José Boaventura foram parceiras em diversos projetos em defesa da culruta afro-brasileira. Celina esteve presente em muitos momentos das nossas jornadas culturais e fará muita falta, especialmente para nos orientar... Agora, o que temos é só saudade!
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