LITERATURA
para o NATAL
Presépio. Autor: Antônio Ferreira Gomes, terracota policromada.
Acervo:
Centro Cultural Yves Alves, Tiradentes-MG. Fotografia: Luiz Cruz.
Chorava o menino.
Para a mãe, coitada,
Jesus pequenito,
De qualquer maneira
(Mães o sabem...), era
Das entranhas dela
O fruto bendito. [...]
Manuel Bandeira, Presepe.
Criado
por São Francisco de Assis em 1223, o presépio teve inúmeras representações
através da pintura e da escultura. Porém, engana-se quem achar que ficou só
nisso. O tema da Natividade do Menino Jesus foi contemplado em diversas
manifestações artísticas, inclusive pela literatura.
2022
não foi um ano qualquer, foi decisivo para nortear nossas vidas e podermos nos
livrar de tantos males através do voto democrático. Ao encerrar essa jornada
tão marcante para o povo brasileiro, lembramos que diversos escritores trabalharam
com o tema natalino, aqui apresentamos duas obras literárias fundamentais, que
marcaram profundamente a poesia e a crônica do Brasil.
Carlos
Drummond de Andrade, fotografia: acervo: IMS.
A primeira obra é Alguma Poesia, de
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), autor nascido em Itabira. Foi publicada
em 1930, impressa pela Imprensa Oficial de Minas Gerais e causou impacto
naquela época, não só pela inovação poética, mas também pelo objeto – o livro,
que atraiu a atenção de muitos leitores, autores e admiradores. Aqui um dos
poemas:
O QUE FIZERAM DO NATAL
Natal
O
sino longe toca fino
Não
tem neves, não tem gelos
Natal
Já
nasceu o Deus menino.
As
beatas foram ver,
encontraram
o coitadinho
Natal
mais
o boi mais o burrinho
e
lá em cima a estrellinha alumiando.
Natal
As beatas ajoelharam
e adoraram o Deus nuzinho
mas as filhas das beatas
Natal
mas as filhas das beatas
foram dansar o black botton
nos clubs sem presepes.
A
segunda obra é da mineira de Sacramento, cidade localizada na microrregião de
Araxá, a escritora Carolina Maria de Jesus (1914-1977), autora de Quarto de
Despejo – Diário de uma favela, editado em 1960. Obra que cativou a atenção
de leitores e especialmente da crítica, dentre eles o poeta Manoel Bandeira,
que se encantou com essa publicação. Essa autora era chamada de Bitita e foi somente
na escola que ouviu o seu nome pela primeira vez; ao longo dos anos, vivenciou
momentos dramáticos e de alegrias. Aqui,
então:
...Hoje
estou com sorte. Tem muitos papeis na rua. (...) As 5 horas comecei vestir-me
para eu ir no Centro Espírita Divino Mestre receber os donativos natalinos.
Preparei os filhos e saí. (...) Eu ouvi vozes:
–
Estão
dando cartões!
Corri
para ver. Vi os favelados rodeando um carro. E o povo correndo para ganhar
cartões. No carro estava apenas o motorista. E o povo pedia:
–
Dá
um para mim. Dá um para mim!
O
motorista dizia:
–
Vocês sujam o carro!
Perguntei-lhe:
–
O
que o senhor está distribuindo?
– Eu vim aqui trazer um homem.
Nem sei o que este povo está pedindo.
–
É que na época do Natal, quando vem um automóvel aqui, eles pensam que vieram
dar presentes.
–
Nunca mais hei de vir aqui no Natal – disse o motorista nos olhando com
repugnância.
Havia
tantas pessoas ao redor do automóvel que não pude anotar a placa.
...No
centro Espírita a fila já estava enorme quando nós chegamos, (...) Os 10 filhos
de uma nortista estavam pedindo pão. A Dona Maria Preta deu 15 cruzeiros para
ela. Ela foi comprar pão.
O
senhor Pinheiro digníssimo presidente do Centro Espirita, saiu para conversar
com os indigentes. (...) Passou um senhor, parou e nos olhou. E disse
perceptivel:
–
Será que este povo é deste mundo?
Eu
achei graça e respondi:
–
Nós somos feios e mal vestidos, mas somos deste mundo.
Passei
o olhar naquele povo para ver se apresentava aspecto humano ou aspecto de
fantasma. O homem seguiu sorrindo. Eu fiquei analisando. Quando penetramos para
receber os prêmios, o meu número era 90. Eu e os demais ganhamos presentes e
gêneros: roupas, chá mate, batatas, arroz e feijão. O senhor Pinheiro
convidou-me para eu ir no Centro.
Era
9 e meia quando nós chegamos no ponto do bonde e fomos ver um presepio que
fizeram na garagem que está vaga. Havia uma placa onde se lia: Entrada grátis.
Mas o presepio tinha uma bandeja com cédula de 1 a 100. Quando saí elogiei o
presepio. Única coisa que posso fazer.
Quando
chequei na favela encontrei a porta aberta. O luar está maravilhoso.
A
ortografia dos textos publicados, originalmente, foi mantida.
O jornalista Audálio Dantas e a escritora Carolina Maria de
Jesus, Canindé, São Paulo. Publicada no jornal EM, em 27 de novembro de 2007.
Carlos
Drummond de Andrade tem vasta produção publicada, poesia, crônica e contos – é
nosso poeta maior e o mais completo, que transformou tudo em poesia, inclusive
o futebol, como o poema Foi-se a Copa?, publicado em 24 de junho de
1978.
Carolina
Maria de Jesus publicou ainda Casa de alvenaria, 1961; Provérbios,
1963; Pedaços da fome, 1963; Diário de Bitita, 1986.
Aproveitamos para desejar FELIZ NATAL e FELIZ 2023 para todos os leitores e leitoras do nosso blog. Agradecemos pelo acompanhamento e pelas mensagens. Para o próximo ano teremos mais textos e novidades.
Luiz
Antonio da Cruz
Referências:
ANDRADE,
Carlos Drummond de, 1902-1987. Alguma poesia – o livro e seu tempo. Org.
Eucanaã Ferraz. São Paulo: Instituto Moreira Sales, 2010.
ANDRADE,
Carlos Drummond de. Alguma Poesia. Belo Horizonte: Edições Pindorama,
1930, impresso nas Officinas Graphicas da Imprensa Official do Estado de Minas
Geraes aos 25 de abril de 1930.
BANDEIRA,
Manuel. Estrela da Vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
JESUS,
Carolina Maria de. Quarto de Despejo – Diário de uma favela. São Paulo:
Ed. Ática, 2000.
PEIXOTO,
Mariana. A saga de Carolina de Jesus. Belo Horizonte: EM, 27/11/2007.
Belo texto!
ResponderExcluirMuito obrigado, abraço
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