A arte que integra nosso cotidiano

 

Bruno Henrique de Souza e sua obra A noite me ensinou algumas coisas,

 acrílica sobre tela, 2022. Fotografia: Luiz Cruz.

 

 

A prática artística estendida ao ambiente urbano representa a possibilidade de mudanças na relação dos indivíduos com a cidade, já que ao “invadir” esses espaços, propõe novas formas de enxergá-los e de significá-los.

Larissa Ramos de Freitas, Poesia e arte urbana: a cidade reescrita no trabalho do coletivo transverso.


Relato além da Memória é o título da exposição do artista visual Bruno Henrique de Souza, em cartaz no Quatro Cantos Espaço Cultural – Campus Cultural UFMG Tiradentes, Rua Direita, 5, Tiradentes-MG. Ele nasceu em São João del-Rei e iniciou seus contatos com as artes a partir de 2013. Nessa mostra, apresenta-se intimista, com trabalhos em pequenos formatos, em tela e madeira – tinta acrílica e técnica mista. Há um autorretrato, no qual o pintor se apresenta quase que internamente, de corpo e de alma. É uma obra indagativa, percebe-se um transcurso artístico, a lembrar a produção de nomes da história da arte contemporânea, como o da mexicana Frida Kahlo (1907-1954) ou do norte-americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988), mas impregnado de brasilidade afro-brasileira. A cada obra o artista espelha muito além do seu interior, a sua tez que traz longa história de vida, numa tonalidade que abriga infindáveis memórias. Os seletos vegetais de que se vale, são as plantas fortes, aquelas que não ornamentam salões de festas, mas estão presentes nos nossos quintais e em nossos vasos de plantas úteis e necessárias para curar os males do corpo e da alma. As plantas transcendem a importância da botânica e ganham sacralidade, exatamente como ocorre em celebrações ou ritos religiosos, sejam católicos ou de matriz afro-brasileira.


Divulgação da exposição Relato além da Memória.


A linguagem que o artista vem a desenvolver está presente nesses trabalhos, em cada um se observa a memorialística reconstruída, mas cheia de significados. Nesse refazimento, além das formas, o pintor emprega policromia bem peculiar e nos apresenta pinturas que ao primeiro olhar nos conectamos à sua percepção e história – que é ancestral, e ao mesmo tempo o meio ambiente onde vive. Suas obras e suas narrativas visuais surpreendem, mais ainda por ser tão jovem e nos demonstrar segurança no seu fazer.

A exposição ficará em cartaz até o dia 5 de março de 2023, programe-se e vá conferir os trabalhos desse artista visual talentoso e que ainda nos propiciará outras obras e muitos encantamentos.

 

Bruno Henrique de Souza, O silêncio do varal me encarou de volta,

acrílica sobre tela, 2022. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Bruno Henrique de Souza, Autorretrato Nº 3, acrílica sobre tela, 2021.

Fotografia: Luiz Cruz.

 

Conhecemos Bruno Henrique de Souza na Praça São Sebastião, em Santa Cruz de Minas, mas antes de encontrá-lo pessoalmente, já tínhamos registrado sua obra executada na BAUM – Bienal de Arte Urbana Mineira. Ao primeiro olhar, constatamos que era obra de um artista talentoso, que merecia apoio para que sua produção ganhasse fôlego e encontrasse o público. Trabalho forte, de impacto e personalidade. Ele pintou a cabeça de uma mulher preta, sob a inspiração de uma fotografia da musicista e compositora de jazz, a norte-americana Alice Coltrane (1937-2007).  

 

Bruno Henrique de Souza. Alice Coltrane, grafite, BAUM, Rua Oswaldo Lustosa,

 Santa Cruz de Minas, 2019. Fotografia: Luiz Cruz.

 

 

Bruno Henrique de Souza e Francisco de Assis Silva, o curador da BAUM.

Praça São Sebastião, Santa Cruz de Minas, 2019. Fotografia: Luiz Cruz.


Sob a curadoria de Francisco de Assis Silva, a BAUM acabou por se tornar uma das mais positivas referências de Santa Cruz de Minas e a arte passou a conquistar o seu espaço e a encontrar o público. Francisco de Assis é nosso conhecido de velhos tempos, foi nosso aluno da Escola Estadual Amélia Passos, onde se destacava com os seus desenhos bem elaborados; atualmente além da BAUM, dedica-se à sua formação acadêmica, já obteve o título de mestre pela UFSJ, junto ao Programa Interdepartamental de Pós-Graduação Interdisciplinar em Artes, Urbanidades e Sustentabilidade, onde em 2021 defendeu a dissertação intitulada Urbanidades Insurgentes no Porto: Skate e arte urbana na transformação socioespacial de não-lugares e agora se prepara para nova jornada, o doutoramento. Com o projeto da BAUM, a arte chegou a diversas partes e a cidade ganhou novo colorido, identidade e expressividade.


 

O artista Sérgio Ilídio, BAUM, Av. Min. Gabriel Passos, 

Santa Cruz de Minas, 2014. Fotografia: Luiz Cruz.

 

O artista Hyper, BAUM, Av. Min. Gabriel Passos, Santa Cruz de Minas, 2014.

 Fotografia: Luiz Cruz.

 


 A artista Fênix, BAUM, Av. Min. Gabriel Passos, Santa Cruz de Minas, 2014.  Fotografia: Luiz Cruz.

 

    

O artista Mosquito a executar o painel Paz, Quadra Poliesportiva da EEAP,

Santa Cruz de Minas, 2016. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Alunos da EEAP e o painel Paz, pintado pelo artista Mosquito, EEAP,

Santa Cruz de Minas, 2016. Fotografia: Luiz Cruz.

 

A Escola Estadual Amélia Passos, que sempre se destaca como pioneira em diversos projetos pedagógicos, também contemplou a arte do grafite. Na parede de uma de suas quadras foi executado o painel Paz, sob a coordenação do artista Mosquito. As quadras são locais onde os alunos sempre gostam de realizar atividades diversas, então, também ideais para lembrar que todos nós precisamos de paz na vida escolar e no nosso cotidiano. Já em 2019, a fachada da EEAP recebeu a obra do artista Hyper, que tem obras executadas em diversas cidades brasileiras.


  Obra de Hyper, Escola Estadual Amélia Passos, Santa Cruz de Minas, 2019. Fotografia: Luiz Cruz.


Obra executada durante a BAUM, pelo artista Jan Yuri, Rua Oswaldo Lustosa,

Santa Cruz de Minas, 2019. Fotografia: Luiz Cruz. 

 

Na BAUM de 2019, a Praça São Sebastião foi contemplada com a obra Love, do artista Danilo Herbert, que pintou também os coletores de resíduos da Cachoeira do Bom Despacho, com espécies da fauna e flora do local. Um trabalho caprichado e que destacou a importância de se cuidar bem da área, onde diversos exemplares de borboletas, libélulas e flores são apreciáveis facilmente. Obra executada com o apoio do Conselho Municipal de Política Cultural e Patrimônio, de Santa Cruz de Minas.

 

Danilo Herbert a executar o painel Love, Praça São Sebastião,

Santa Cruz de Minas, 2019. Fotografia: Luiz Cruz. 


 


  Pintura do artista Danilo Herbert, Cachoeira do Bom Despacho,

Santa Cruz de Minas, 2019. Fotografias: Luiz Cruz.

 

 

     

Obra de Danilo Herbert, na Cachoeira do Bom Despacho, Santa Cruz de Minas, 2019.

Fotografias: Luiz Cruz.

 

Enquanto na Estrada Velha, que recentemente tem sido denominada como “Estrada Real”, numa ampla parede cega, os artistas Mandala e Hyper executaram pintura de grande dimensão, a destacar figuras indígenas, elementos da natureza e motivos étnicos. Acompanhamos toda a execução deste painel e as condições climáticas, os dois artistas trabalharam sob sol intenso ou debaixo de chuvas intermitentes. Enfrentaram muitas adversidades, mas conseguiram resultado fabuloso. Esse painel é uma bela obra de arte, nesse local muitos turistas param para fazer selfies e levarem consigo boas lembranças da menor cidade do Brasil, que é Santa Cruz de Minas.



                        Os artista Mandala  e Hyper a executar o painel da “Estrada Real”, BAUM,

Santa Cruz de Minas, 2019. Fotografias: Luiz Cruz.


Painel dos artistas Hyper e Mandala em processo de construção, BAUM,

Santa Cruz de Minas, 2019. Fotografia: Luiz Cruz. 

 

 Artesão local durante o processo de construção do mural, 2021,

 Santa Cruz de Minas. Fotografia: Luiz Cruz.

 

No Brasil, a arte parietal, arte mural, ou arte do grafite foi despertada na década de 1970, principalmente em São Paulo, ainda sob impacto dos anos de chumbo da ditadura militar. Na década de 1980, dois artistas se destacaram:  Alex Vallauri (1949-1987) e Rubens Matuck (1952) e começaram a abrir espaço para essa linguagem. Essa arte se popularizou e chegou a todos os cantos e alguns de nossos artistas, hoje, estão entre os melhores. No Rio de Janeiro, na área portuária, na Gamboa, encontra-se a maior obra do gênero do mundo, com três mil metros quadrados, o Mural das Etnias, executado em 2016, pelo artista paulista Eduardo Kobra (1975), que tem atuação em vários países e com expressivo reconhecimento. 

Eduardo Kobra, Mural Etnias, Rio de Janeiro, 2018. Fotografia: Luiz Cruz.

 

   

 Detalhes, autor Eduardo Kobra, Mural Etnias, Rio de Janeiro, 2018.

Fotografias: Luiz Cruz.

 

Apresentada uma pincelada da arte parietal, ou arte de rua, ou arte mural em grafite, que se encontra em franco desenvolvimento e a ganhar espaços nobres e marginalizados no Brasil, retornemos à produção artística de Bruno Henrique de Souza. Em 2022, ele executou obra na parede do pátio interno da Loja Criativa, situada à Rua do Chafariz, 11, centro. A inauguração desse trabalho, aconteceu no dia que se realizou o Encontro de Congado de Tiradentes, ainda a seguir as orientações sanitárias, devido à pandemia de Covid-19, o encontro contou somente com a participação do Congado de Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia. O cortejo saiu de frente à Matriz de Santo Antônio, rumo à Capela de Nossa Senhora dos Homens Pretos, no trajeto, fez a parada para se inaugurar o painel Retomada. Ao som dos tambores, os idealizadores da Semana Criativa de Tiradentes – Simone Quintas e Júnior Guimarães – receberam os congadeiros, os acompanhantes e ofereceram um café para todos. O Capitão Prego apresentou seus agradecimentos e emocionado disse que foi a primeira vez que seu terno fora recebido com alegria e uma mesa de café. Em seguida, o grupo se dirigiu para a capela e lá a recepção coube ao prefeito Nilzio Barbosa. Essa foi a primeira vez que o Congado de Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia entrou no templo, após ação de preconceito estrutural e ter contado com a intervenção do Ministério Público Federal.


Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, o Capitão Prego

e o prefeito Nilzio Barbosa, 2022. Fotografia: Luiz Cruz.


A obra de Bruno ganhou dimensão, não somente pelo formato, mas pela plasticidade, harmonia, representatividade e acima de tudo pelo lirismo que perpassa por todos os elementos constitutivos da obra.

 

Bruno Henrique de Souza, painel Retomada, pátio interno da Loja Criativa, 2022.

 Fotografia: Luiz Cruz.

 

São três personagens congadeiros inseridos em ampla paisagem, a ostentar elementos representativos da cultura afro-brasileira. – Poderiam ser nobres africanos? – As coroas imaginárias nos induzem a acreditar que são reinóis, ou mesmo que sejam apenas do reisado da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Personagens com casas e casinhas, abrigos de homens e mulheres, de Áfricas sequestradas e desterradas. Muito além do cromatismo e da estrutura anatômica, essa é uma obra impregnada de senso poético e visão de mundos.


          

Júnior Guimarães e Simone Quintas com a bandeira do Congado de N.S. do Rosário e Escrava Anastácia. Maria José Boaventura, coordenadora do Projeto Recontando o Rosário do Congado de São Benedito, o artista Bruno Henrique e o Capitão Prego. Loja Criativa, 2022. Fotografias: Luiz Cruz.


                      

Pátio da Loja Criativa, no dia da inauguração do painel Retomada,

 de Bruno Henrique de Souza, 2022. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Pouco depois, Bruno se encontrava no Beco do Zé Moura a executar mais uma obra de grande dimensão, o painel O Futuro é Ancestral, mais uma vez a trazer o tema e sua homenagem ao congado, uma das mais significativas manifestações culturais de origem afro-brasileira, que se encontra em processo de registo como Patrimônio Imaterial, pelo IPHAN – Instituo do Patrimônio Artístico Nacional.

 

Bruno Henrique de Souza a executar o painel O Futuro é Ancestral,

Beco do Zé Moura, Tiradentes, 2022. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Painel O Futuro é Ancestral, Beco do Zé Moura, Tiradentes, 2022.

Fotografia: Luiz Cruz.


Painel O Futuro é Ancestral, Beco do Zé Moura, Tiradentes, 2022.

Fotografia: Luiz Cruz.

 

Em São João del-Rei, sua terra natal, Bruno Henrique de Souza executou duas obras, uma na parede externa da Escola Estadual Inácio Passos – Rua Ten. Mário César Lopes, Bonfim, o painel O Aprendiz e outra, numa intervenção coletiva, no pátio interno do Centro Cultural da UFSJ, no Largo do Carmo; nesse que é em homenagem à cantora Gal Costa, pintou o violão e suas plantas preferidas, sua intervenção foi denominada de Solene Melodia de um violão sem cordas.


Bruno Henrique de Souza, O Aprendiz, painel da parede externa da

 EE Inácio Passos, Bonfim, São João del-Rei, 2022. Fotografia: Luiz Cruz.



Intervenção coletiva, com participação de Bruno Henrique de Souza,

pátio interno do Centro Cultural da UFJS, São João del-Rei, 2022.

 

No final de 2022, pintou no pátio externo da Escola Estadual Amélia Passos, em Santa Cruz de Minas, o painel Carolina Maria de Jesus. Homenagem à escritora mineira de Sacramento, que foi viver na favela Canindé, em São Paulo. Menina pobre que não teve oportunidade de estudar. Foi catadora de papel e se tornou escritora, poeta e compositora. Autora de obras como Quarto de Despejo, Diário de Bitita e outras. É considerada uma das primeiras autoras pretas a publicar e das mais importantes do Brasil. O livro Quarto de Despejo foi traduzido em diversos países.


Bruno Henrique de Souza, painel Carolina Maria de Jesus,

pátio externo da EEAP, Santa Cruz de Minas, 2022. Fotografia: Luiz Cruz.



Bruno Henrique de Souza pintando na exposição do Quatro Cantos

Espaço Cultural – Campus Cultural UFMG Tiradentes, 2023. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Prepare-se para visitar e conferir o trabalho do jovem artista visual são-joanense, em Tiradentes passar pela mostra Relato além da memória – onde poderá ver o pintor a realizar um trabalho, apreciar o painel O Futuro é Ancestral, no Beco do Zé Moura e Retomada, na Loja Criativa; em Santa Cruz de Minas, os painéis da Rua Oswaldo Lustosa e da E.E. Amélia Passos, na Praça São Sebastião. Já na sua cidade, São João del-Rei, visite os painéis no Centro Cultural da UFSJ e na E.E. Inácio Passos.


Luiz Antonio da Cruz

 

REFERÊNCIAS:

JESUS, Carolina Maria de. Quarto de Despejo – Diário de uma favelada. São Paulo: Ed. Ática. 2000.

FREITAS, Larissa Ramos de. Poesia e arte urbana: a cidade reescrita no trabalho do coletivo transverso. (Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais) Estudos Linguísticos e Literários. Salvador: Nº 49, JAN-JUL|ANO, Salvador: pp. 64-81.

SILVA, Francisco de Assis. Urbanidades Insurgentes no Porto: Skate e arte urbana na transformação socioespacial de não-lugares. Dissertação (mestrado) defendida junto ao Programa Interdepartamental de Pós-Graduação Interdisciplinar em Artes, Urbanidades e Sustentabilidade. São João del-Rei: UFSJ, 2021.

Comentários

  1. Parabéns Bruno! Você vai longe.
    Parabéns Luiz Cruz pela matéria e pelo incentivo.
    Um abraço da Thelma

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    Respostas
    1. Olá Thelma, muito obrigado por sua presença aqui. O artista visual Bruno é muito talentoso e merecedor de apoio e divulgação. Hahan, parabéns para você também que foi a incentivadora das pinturas executadas no muro da EEBG, com a participação de vários artistas de Tiradentes. Aquele trabalho ficou lindo e ainda bem que fiz os registros fotográficos. Abraço

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  2. Que maravilha arte pra todo mundo assim vamos espalhar cultura ,cor e valores . Parabéns aos artistas e ao Luiz pela reportagem

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    1. Muito obrigado. Venha visitar a exposição do Bruno, é oportunidade para se conhecer mais o trabalho dele e aproveitar para apreciar os outros painéis, citados acima. Abraço

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