OURO
PRETO – o PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE pede socorro
Vista de Ouro Preto, em janeiro de 2023. Fotografia: Luiz Cruz.
As chuvas de verão ameaçaram derruir Ouro Preto.
Ouro Preto, a avozinha vacila.
Meus amigos, meus inimigos,
Salvemos Ouro Preto.
Manuel Bandeira, Estrela da vida inteira
Os fenômenos El niño e La niña nos provam que os fatores
climáticos afetam diversas regiões do planeta. No Brasil, observa-se que historicamente
estados castigados pela seca, agora padecem com as chuvas torrenciais. Nos dois
últimos anos, as chuvas de verão causaram muitos danos em Minas Gerais,
especialmente em Ouro Preto. As questões climáticas estão aí para nos alertar
que é preciso mudar hábitos e ter cuidados específicos, inclusive acentuar nossas
atenções com os bens culturais.
As chuvas de 2021 produziram grandes prejuízos, com inundações, desmoronamentos, a deixar desalojados, desabrigados e até vítimas fatais. Trechos de rodovias foram obstruídos e desvios tiveram que ser construídos. No final de 2022 e início de 2023, as chuvas ininterruptas em Minas têm causado danos à população e também às estradas, que já passam por longo período sem manutenção. Para se chegar a Ouro Preto é uma verdadeira aventura pelas precárias condições de conservação das rodovias. O trecho entre Ouro Branco e Ouro Preto configura-se numa verdadeira tragédia, especialmente no desvio, que não recebeu manutenção. Então, para não ter o veículo quebrado ou os pneus rasgados pelas crateras do asfalto, todo cuidado é pouco. Porém, a viagem torna-se gratificante ao chegar a Ouro Preto, cidade monumento nacional e reconhecida como Patrimônio da Humanidade pela Unesco.
Linda e emocionante é essa cidade, como sua conformação urbanística, paisagística e o seu conjunto arquitetônico moldado nos preceitos do decoro e da formosura. Ouro Preto é barroca em todos os sentidos, inclusive nos excessos da geografia e do clima, com suas serras volumosas, o tempo de exageros – com brumas espessas, frio de doer os ossos, sol abrasador de montanha ou das chuvas torrenciais de verão. As intempéries sempre levaram preocupações a Ouro Preto e as precauções com relação ao uso e a ocupação do solo.
Entre 1949 e 1950, ocorreu no Rio de Janeiro expressiva mobilização do movimento “Salvemos Ouro Preto”, que resultou em um leilão de obras de arte, objetos e livros, com o objetivo de arrecadar recursos para intervenções em imóveis da localidade. O leiloeiro foi Afonso Nunes e dentre tantas obras cedidas lá estavam “Aquarela de Ouro Preto”, de Quirino Campofiorito; “Paisagem de Diamantina”, de Hilda Campofiorito e a litografia colorida, “Caminho de Teresópolis”, do alemão Johann Moritz Rugendas, doada por Maria do Carmo de Melo Franco Nabuco. A campanha teve saldo positivo e foi registrada no livro “Salvemos Ouro Preto – A campanha em benefício de Ouro Preto – 1949-1950”, com pesquisa e texto de Juliana Sorgine, publicado pelo IPHAN, em 2008.
Em 1979, as chuvas ininterruptas causaram danos a Ouro Preto. Terras do Morro de São Sebastião, com a vegetação rasteira e a arbustiva deslizou e atingiu parte da Santa Casa. Muros, ataludes, arrimos ruíram por todos os cantos. O caos tomou conta da cidade, mas logo ocorreu mobilização da equipe do IPHAN para socorrer a localidade. Mesmo assim, a população se mobilizou e realizou protestos contra as autoridades que demoraram a executar obras de contenção e intervenção.
Morro da Forca, em janeiro de 2023. Fotografia: Luiz Cruz.
Rua Padre Rolim, centro de Ouro Preto, janeiro de 2023. Fotografia: Luiz Cruz.
Igrejas
de São José e São Francisco de Paula, com área desmoronada,
janeiro de 2023. Fotografia: Luiz Cruz.
No início do ano de 2022, com as chuvas intermitentes, no dia 13 de janeiro, ocorreu o desmoronamento de parte do Morro da Forca e destruiu o casarão Baeta Neves, que tinha sido restaurado recentemente. Com as primeiras chuvas de 2023, novamente houve deslizamento no Morro da Forca e no Morro de São Sebastião – que atingiu a Rua Padre Rolim, próximo à Rodoviária. As águas pluviais causaram diversos desabamentos e o trânsito teve que ser alterado, a causar transtorno para a mobilidade e na vida da população. Consequentemente, ocorreu brusca queda do movimento turístico, que envolve complexa rede de serviços.
Em Ouro Preto todo cuidado é pouco e as autoridades deveriam monitorar constantemente as ocupações e as intervenções, porque o risco geológico é sobremaneira acentuado, conforme o “Mapa de Risco”, elaborado pela Defesa Civil local.
As áreas em
cor laranja apresentam riscos geológicos.
Fotografia: Defesa Civil de Ouro Preto.
Ouro Preto é Cidade Monumento Nacional desde 1933, seu conjunto arquitetônico e urbanístico recebeu proteção em 1938 e diversos bens são protegidos individualmente pelo IPHAN. Em 1980, o conjunto arquitetônico foi inscrito na Lista do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, pela Unesco. Mesmo assim, com tanto reconhecimento, a cidade clama por socorro.
Não há como deixar toda essa preciosidade apenas na conta da responsabilidade da municipalidade. O prefeito Ângelo Oswaldo Araújo Santos é homem da primeira linha na defesa do nosso patrimônio cultural, com vasta experiência e trânsito em todos os níveis constituídos, mas acaba tendo sua atuação restrita aos recursos próprios do município. Lamentavelmente, nos últimos anos, a área da CULTURA sofreu desmonte e foi vilipendiada pelo desgoverno. E o tempo é implacável com os bens materiais, imateriais e claro com o próprio homem que desconstrói aquilo que nos propicia identidade, ícones e eleva a autoestima do povo.
Em 2023,
herdamos tragédias imensuráveis, da devastação das florestas à dizimação dos
indígenas Yanomamis. Não há como deixar de fora desse cenário de desconstrução de nossa amada Ouro Preto. E agora José? – como dizia Drummond! Estamos em outros
tempos, já não temos mais Manuel Bandeira, Carlos Scliar, Murilo Rubião,
Amilcar de Castro, Nello Nuno, Lili Correia de Araújo, Domitila do Amaral, Yves
Alves e tantos outros defensores para bradar contra o descaso para com a cidade
que é reconhecida como joia do barroco luso-brasileiro.
O acentuado risco geológico da região de Ouro Preto precisa ser considerado, a ele deve-se acrescentar o empobrecimento geral do brasileiro, a falta de recursos para as obras de manutenção e principalmente a vontade política para se preservar o patrimônio.
Alto das Cabeças, Ouro Preto. Fotografia: Luiz Cruz.
Detalhe da portada da Igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, Alto das Cabeças,
Ouro Preto. Obra do Mestre Aleijadinho. Fotografia: Luiz Cruz.
Fundos da Igreja do Senhor
Bom Jesus de Matosinhos, Alto das Cabeças.
Ouro Preto. Fotografia: Luiz Cruz.
Aqui é preciso
recorrer novamente ao poema de Bandeira e às tantas obras produzidas pelo
artista Carlos Scliar: “Meus amigos, meus inimigos, Salvemos Ouro Preto”. A preservação
patrimonial passa por um processo que deve ser contínuo, com a Educação
Patrimonial presente na grade curricular das escolas e atividades constantes
para despertar o senso de pertencimento e principalmente a apropriação dos bens
culturais. Elementar, colocar todos os instrumentos de proteção em prática e nos
casos pertinentes aplicar multas e até mesmo a desapropriação dos bens que
sofrem descaracterização ou processo de arruinação.
Litografia
de Carlos Scliar, 1988, produzida na Casa de Gravura
Largo
do Ó. Acervo: Instituto Cultural Biblioteca do Ó, Tiradentes.
Acabamos de sair das trevas do desgoverno e devemos pensar na proteção
dos nossos bens culturais tão caros ao nosso estado. Minas precisa ser
redescoberta pelo poder constituído e implantar projetos para a recuperação de
suas edificações e seus bens integrados. Afinal, já se passaram anos e mais
anos e a Igreja de Nosso Senhor do Bom Jesus do Matosinhos, do Alto das
Cabeças, tombada individualmente pelo IPHAN, desde 1938, encontra-se
interditada e com risco de desabamento. Trata-se de edificação contemplada com
obras dos dois principais artistas que atuaram na região, o escultor e
arquiteto Antônio Francisco Lisboa – o Mestre Aleijadinho e o pintor Manoel da
Costa Ataíde. Será que ficaremos em silêncio até a edificação desabar?
Ruínas da Casa do Vira-Saia, Rua Santa Efigênia, Ouro Preto.
Fotografia: Luiz Cruz.
Não! – Não pode ser assim! Já ruiu um dos mais imponentes casarões da
Rua Santa Efigênia, a casa onde viveu Antônio Francisco Alves, o famoso e
temido bandido Vira-Saia, que atacava as tropas que levavam o ouro para o Rio
de Janeiro. Uma perda arquitetônica irreparável.
Ruínas da Casa do Vira-Saia, Rua Santa Efigênia, Ouro Preto.
Fotografia: Luiz Cruz.
Acompanhamos as preocupações dos irmãos mercedários da Igreja de Nossa Senhora das Mercês e Misericórdia, as “Mercês de Cima”, pois a edificação se encontra em situação crítica de conservação, em especial o teto da nave, que recebeu pintura com elementos da arquitetura fingida. As águas pluviais, a presença de insetos e a queda de tábuas do teto chamam a atenção.
Fachada
da Igreja de Nossa Senhora das Mercês da Misericórdia,
Mercês de Cima. Fotografia: Luiz Cruz.
Teto
da nave da Igreja de Nossa Senhora das Mercês da Misericórdia.
Fotografias: Luiz Cruz.
Para se executar uma obra de restauração de um teto pintado como o das “Mercês de Cima” deve ser montado um projeto para a obtenção dos recursos necessários. Antes mesmo de se restaurar o forro, a obra precisa ser iniciada pela cobertura, ou seja, pelo telhado. Para a realização de tarefa dessa magnitude, torna-se necessário um aporte financeiro substancial.
Mas a problemática transcende a inexistência de recursos, pois falta comprometimento das autoridades. Falta também vontade política para o enfrentamento de caso a caso, principalmente para orientar ou mesmo coibir os novos empreendimentos imobiliários que comprometem a paisagem ouropretana e deixam o solo mais exposto aos riscos geológicos. Paisagem é um bem de valor inestimável e pertence a todos, principalmente aos moradores.
Um dos exemplos de falta de vontade política e de atenção para os bens de Ouro Preto, pode-se constatar com a atual situação que se encontra o Chafariz da Rua Barão do Ouro Branco, datado de 1761. É uma lástima o descaso com esse monumento elegante, imponente e representativo.
Chafariz
da Rua Barão do Ouro Branco, de 1761, Ouro Preto,
em
janeiro de 2023. Fotografia: Luiz Cruz.
Ainda estamos no segundo mês do novo governo e esperamos que a CULTURA e o PATRIMÔNIO sejam contemplados com novas políticas e claro, com recursos financeiros para que os bens sejam devidamente restaurados e entregues à comunidade.
Apesar das tragédias do Brasil e em especial as de Ouro Preto, não desanimemos! Essa cidade é o esplendor do barroco brasileiro, com recheios da delicadeza da talha rococó executada pelo Mestre Aleijadinho. E a cidade tem novidades fabulosíssimas para se conhecer e se encantar. O Museu Boulieu – montado com o acervo do casal Maria Helena e Jacques Bouleiu, situado na Rua Padre Rolim, 412, é uma lindeza! A expografia, a iluminação e o acervo são maravilhosos. A visita deve ser feita com vagar, para a contemplação de obras da imaginária, prataria, pintura, objetos e muitas curiosidades, de Minas, do Brasil e outros países. O Museu Boulieu nos oferece oportunidade ímpar para se compreender o quão rico é nosso patrimônio artístico e cultural.
Entrada do Museu Boulieu, Ouro Preto. Fotografia: Luiz Cruz.
Ainda, recentemente se inaugurou o Centro Cultural Palácio D’Ouro, na Rua das Lajes, 627 e nossos números de visitantes foram os 1015, 1016 e 1017. O casarão que esteve em ruínas, passou por obra de restauração cuidadosa, ao longo de quatorze anos. A visita orientada à edificação facilita a compreensão da ocupação inicial no Morro da Queimada e das atividades da extração do ouro na antiga Vila Rica. A arquitetura, o acervo e o terreno do Palácio D’Ouro conformam-se numa autêntica viagem ao tempo e o visitante terá a experiência de adentrar em uma beta de mineração aurífera, com toda segurança.
A Família Toledo tem se dedicado com capricho para a estruturação do Palácio D’Ouro e os resultados são merecedores de aplausos calorosos.
Caro leitor, você tem muitos motivos para visitar Ouro Preto, inclusive durante o Carnaval. A festa momesca ouropretana é famosa e uma das mais criativas do Brasil. Uma das atrações é o Bloco O Balanço da Cobra, criado pela professora e botânica Cida Zurlo. Em janeiro, o esquenta do bloco esteve animadíssimo. A cidade promove o Carnaval Imperial – para celebrar os 200 anos que recebeu o título de “Cidade Imperial”, concedido à Vila Rica, em 1823, por Dom Pedro I. Na vasta programação, as opções vão do tradicional Bloco Zé Pereira dos Lacaios ao Bloco dos Erês. Ocorrerão desfiles de 9 escolas de samba, 44 blocos e muitos shows. A festa não se concentra apenas na sede, os distritos também oferecem oportunidades para os que apreciam o Carnaval. Acompanhe a programação completa disponível em https://ouropreto.mg.gov.br/noticia/3062
E em Tiradentes, indo para as cachoeiras da Serra de São José, encontramos o suéco Vidar Onnerfors, que passou por Ouro Preto e ficou maravilhado com a cidade e claro, acabou contagiado com o clima do Carnaval Imperial 2023.
Cida Zurlu no esquenta do Bloco O Balanço da Cobra. Fotografia: Luiz Cruz.
Márcia Valadares no esquenta do Bloco O Balanço da Cobra e suéco Vidar.
Fotografias:
Luiz Cruz
Como tudo em Ouro Preto transpira ARTE, ao passar pelo centro, pare e vá
visitar a exposição “Devaneios”, na Galeria Casa dos Contos, do artista visual
e ator Jonas Bloch. Ele, que nasceu em Belo Horizonte, tem formação na Escola
de Belas Artes da UFMG, mas tornou-se mais conhecido por seu trabalho como ator,
no cinema, teatro e televisão. Nessa mostra, pode-se apreciar a vasta produção
de Bloch – desenhos, aquarelas, pinturas, esculturas – obras executadas com
domínio e sobre diferentes suportes. As “assemblages” ganharam maiores
proporções e se destacam, mas o artista se vale também dos materiais
tradicionais da região, como a pedra sabão.
“Devaneios” estará em cartaz até o dia 5 de março e a entrada é franca.
Vá e confira!
O artista visual Jonas
Bloch em sua exposição “Devaneios”,
Galeria Casa dos
Contos. Fotografia: Luiz Cruz.
“Meus amigos, meus inimigos, salvemos Ouro Preto”. Participem do
Carnaval Cidade Imperial, mergulhe na alegria momesca ouropretana e ajude a
movimentar a economia local. Porém, tenha consciência, respeite os moradores, o
patrimônio e a história dessa cidade espetacular. Colabore, deixe seu veículo estacionado e
circule a pé, aproveite todos os momentos e aprecie cada detalhe do conjunto arquitetônico
que conforma um Patrimônio da Humanidade.
LUIZ ANTONIO DA CRUZ
ALMEIDA, Lúcia Machado de. Passeio a Ouro Preto. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da
Vida Inteira. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1993.
BANDEIRA, Manuel. Guia de Ouro Preto. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.
CRUZ, Luiz. Ouro Preto: 300 anos de história e arte. Disponível em https://saojoaodelreitransparente.com.br/works/view/867
https://jornalvozativa.com/cultura/carnaval-2023/margareth-monteiro-detalhes-carnaval-imperial-2023/
SORGINE, Juliana. Salvemos
Ouro Preto: a campanha em benefício de Ouro Preto, 1949-1950. Pesquisa e texto
Juliana Sorgine. Colaboração de Lia Motta e Bettina Grieco. Rio de Janeiro:
IPHAN, COPEDOC, 2008.
Luiz, como você tem razão! Nossa Avizinha clama por socorro. Parabéns a pelo seu registro e pela verdade nele expressar. Abraço
ResponderExcluirMuito obrigado. Ouro Preto merece todas as atenções e investimentos para manter seu patrimônio arquitetônico e urbanístico. Abraço
ExcluirObrigado pela oportuna e bem feita mensagem. Ouro Preto é nosso melhor exemplo do barroco mineiro. Protege-lo e divulga-lo é nossa responsabilidade. Assim o farei.
ResponderExcluirCaro Paulo, gratidão por sua presença aqui. A antiga Vila Rica, desde seus primórdios, sofre com as intempéries, mas precisamos todos ficar em alerta; afinal, trata-se de um Patrimônio da Humanidade. Aceite o meu abraço
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