OFICIAL-DE-SALA – para alegrar os jardins

 

  Oficial-de-sala (Asclepias curassavica). Fotografia: Luiz Cruz.

 

Frei José Mariano da Conceição Veloso (1742-1822) nasceu na antiga Vila de São José (atual Tiradentes-MG) e veio a ser um dos principais personagens da história e da cultura do Brasil. Uma de suas obras é a monumental Flora Fluminensis, com a descrição de 1639 plantas. Trabalho pioneiro ao registrar a diversidade da botânica brasileira, atualmente disponível em poucas bibliotecas, dentre elas a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro e a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, na USP. Desde a organização de sua expedição pelo interior fluminense para estudar as plantas, coletar, armazenar, organizar e publicar sua obra, Frei Veloso soube ser resiliente. As pranchas tiveram publicação póstuma, somente este trabalho do sãojosefense já gerou muitas pesquisas, publicações e continua sendo fonte inesgotável para estudiosos de diversas áreas do conhecimento. Uma das plantas registradas por Frei Veloso em Flora Fluminensis é a oficial-de-sala (Asclepias curassavica), que figura no volume III, prancha 64.

   


Páginas de rosto da obra Flora Fluminensis, de Frei José Mariano da Conceição Veloso, 1790, 1825. Biblioteca Nacional-RJ, Biblioteca Guita e José Mindlin-USP.

 

Oficial-de-sala tem ocorrência originária na América Tropical e Subtropical; no Brasil pode ser encontrada facilmente em alguns estados, dentre eles Minas Gerais. Por ser muito conhecida, recebeu diversos nomes populares, como: capitão-de-sala, mata rato, erva leiteira, cega olho, margaridinha leiteira, paininha, ipecacuanha, dentre outros. É planta resistente ao sol, mas se adapta bem em áreas parcialmente sombreadas. Atinge cerca de 1,60m. As flores têm pétalas vermelhas, com corona amarela, dispostas em umbelas. É laticífera, ou seja, ao sofrer incisões em seus ramos, deixa escorrer líquido branco e leitoso.

 

 Segundo o Guia de Plantas Úteis e Medicinais na obra de Frei Vellozo:

 

Essa planta é considerada tóxica devido à presença de substâncias cardioativas. Testes in vitro mostraram atividade contra células tumorais, sinalizando um potencial futuro como produto anticancerígeno.

Evid Based Complement Alternat Med. 2019:9076269, 2019. Org Biomol Chem. 12(44):8919-29, 2014. (BRANDÃO, 2019, p.77).

 

Por seu forte colorido e principalmente pela substância tóxica, a planta atrai diversidade de insetos, especialmente as borboletas e as vespas sociais (os marimbondos). Segundo o biólogo e professor Marcos Magalhães de Souza, que já estudou as comunidades de vespas sociais da Serra de São José, os insetos são atraídos pela planta por causa das toxinas, que acabam por se tornar proteção contra possíveis predadores. Dessa forma, ao visitarem as flores, recebem proteção e contribuem para a polinização. Nos jardins particulares, essa planta poderá fazer grande diferença, tanto pela beleza quanto a presença de muitos insetos visitantes. O seu manejo é fácil – ao dispersar as sementes, logo nascem as plantas e em pouco tempo florescem.



                                                                           Acervo: Luiz Cruz.


Frutos e sementes de oficial-de-sala (Asclepias curassavica). Fotografias: Luiz Cruz.

       

 Borboleta a visitar a oficial-de-sala (Asclepias curassavica). Fotografia: Luiz Cruz. 

 

Borboleta a visitar a oficial-de-sala (Asclepias curassavica). Fotografia: Luiz Cruz.

 

Vespa social, marimbondo-cavalo (Polistes versicolor – Olivier, 1971).

Fotografia: Luiz Cruz.

 

Nos jardins tradicionais, geralmente, as plantas nativas são removidas, para dar lugar às flores mais convencionais. Em alguns países essas plantinhas já foram bastante estudadas e suas publicações se tornaram belíssimas edições. No Brasil, após a obra de Frei Veloso, ocorreram coloborações diversas, a partir das expedições do viajantes estrangeiros, especialmente as dos alemães Johann Baptiste von Spix (1781-1826) e Carl Friedrich Phillipp von Matius (1794-1868) e a do francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853). Ambos viajantes passaram pela antiga Vila de São José e fizeram registros, especialmente sobre a Serra de São José. Essas expedições científicas foram importantes para o registro e o conhecimento das plantas brasileiras.

Frei Veloso foi pioneiro em diversas frentes, inclusive ao condenar o uso de fogo para a abertura das florestas e transformá-las áreas de pastagens, sem o devido conhecimento das plantas. Saint-Hilaire “já demonstrava grande preocupação com o futuro da Floresta Atlântica, inclusive das plantas úteis do Brasil, por ele estudadas.” (BRANDÃO, 2009). 

      

Obras sobre plantas nativas. Acervo: Luiz Cruz.


As obras publicadas acabam por se tornar elementares para o registro e o compartilhamento das informações resultantes das expedições científicas ou dos trabalhos acadêmicos. Elas acabam por se conformar exímios instrumentos para as atividades de Educação Ambiental e Educação Patrimonial. Quanto mais informações os especialistas avançarem com as pesquisas e publicações, mais subsídios teremos para trabalhar com os projetos pedagógicos e envolver as comunidades escolares nas ações de conhecimento, conservação e conscientização ambiental.

Então, ao retornar à planta oficial-de-sala, ela pode ser apreciada em diversas trilhas da Serra de São José, em áreas descampadas e mesmo nas bordas de matas, pois resistem bem às áreas sombreadas. Considerada como “mato” e as vezes como “praga”, geralmente são eliminadas dos “jardins” e pastos. Porém, apreciadores de borboletas, ao cultivá-las, terão visitas constantes delas, também das vespas sociais e das abelhas nativas. Quando trabalhamos com o Projeto Borboletas da Serra de São José, realizamos diversas caminhadas pela registrá-las e resultou na publicação do livro Borboletas da Serra de São José – Campo Rupestre-Guia Ilustrado (SILVA, CRUZ, 2021). Na serra e em seu entorno, pode-se apreciar uma diversidade surpreendente de espécies de borboletas e também das vespas sociais, espécies também já estudadas (SOUZA, 2010).



                                                                          Acervo: Luiz Cruz.


Em Tiradentes foi criado o Caypiá – Instituto de Cultura, Defesa e Conservação das Plantas Nativas Usadas pelos Brasileiros. O Caypiá já desenvolveu alguns projetos para a divulgação, conhecimento e proteção das plantas, muitas delas presentes em nossos quintais; mas para protegê-las, precisa-se de informações e conhecimentos. Muitas dessas plantas nativas tiveram usos medicinais e fazem parte das histórias familiares, pois além da cura da saúde física, contribuem também no tratamento dos males da alma. 


Acervo: Luiz Cruz.

 

Na pesquisa sobre as comunidades de vespas sociais desenvolvida na Serra de São José, no ambiente campo rupestre, uma das plantas monitoradas foi a sempre-viva (Actinocephalus bongarggi), que recebe visitas desses insetos. O estudo registrou 32 espécies na APA São José, “a maior diversidade em número de espécies do Brasil nesse ecossistema”; mas os autores advertem sobre a vulnerabilidade pelo “processo acentuado pela ação do fogo, e do turismo desenfreado, comum nesse ecossistema, em função de sua beleza cênica”.  (SOUZA, 2010, p.19).

 

Sempre-viva (Actinocephalus bongarggi) visitada por uma vespa social.

Serra de São José. Fotografia: Luiz Cruz.

  

As plantas atraem diversidade de espécies, seja nos quintais ou na Serra de São José, elas recebem muitas visitas, por suas cores, formas, aromas e resinas, atraem especialmente os insetos. Para apreciar o processo e a polinização das plantas, precisa-se parar e prestar atenção.

A natureza é um espetáculo e a todo instante nos surpreende. Porém, precisamos tratar melhor das questões ambientais e cuidar do ambiente em que vivemos. Afinal, nós somos apenas uma parte dele, dentre tantas outras formas de vida.

Luiz Antonio da Cruz


REFERÊNCIAS:

BELLAMY, David. The Queen’s Hidden Garden – Buckingham Palace’s Treasury of Wild Plants. (Botanical paintings by Marjorie Lyon). London: David & Charles, 1984.

BRANDÃO, Maria das Graças Lins. Plantas Úteis e Medicinais na obra de Frei Velloso. Belo Horizonte: Imprensa Universitária da UFMG, 2019. 

CRUZ, Luiz Antonio da. Serra de São José – Educação Patrimonial. Tiradentes: Mandala Produção, 2016. 

SAINT-HILAIRE. Auguste de. Plantas Usuais dos Brasileiros. (Org. Maria das Graças Lins Brandão e Marc Pignal. Belo Horizonte: Código Comunicação, 2009.

SILVA, Ello Brasil Ribeiro da. CRUZ, Luiz Antonio da. Borboletas da Serra de São José – Campo Rupestre-Guias Ilustrado. Tiradentes: Mandala Produção, 2020.

SOUZA, Marcos Magalhães. (et. al.). Ecologia de vespas sociais (Hymenoptera, Vespidae no Campo Rupestre na Área de Proteção Ambiental, APA, São José, Tiradentes, MG. MG.Biota: Boletim Técnico Científico da Diretoria de Biodiversidade do IEF-MG. v.3, n. 2, (2010) – Belo Horizonte: Instituto Estadual de Florestas, 2010.

Comentários

  1. Respostas
    1. Muito obrigado, as nossas plantas são muito interessantes. Abraço

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  2. Muito obrigado, Luiz.
    Admirável trabalho. Como de costume vou garda-lo como sempre guardei suas publicações. Forte abraço.

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    1. Gratidão. Fico feliz por acompanhar as nossas publicações e dar este retorno tão generoso. Abraço

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