ORQUÍDEAS
DA SERRA DE SÃO JOSÉ
Catleya loddigesii cultivada pela saudosa Antonia Augusta
da Cruz.
Fotografia: Luiz Cruz.
Tiradentes...
Caminho
de ouro, caminho de prata,
Serra
antiga de bravura calma,
Onde
o vento inquieto
Desenhou
o seu mistério.
Serra
mística, cansada de ser triste.
Maria Aparecida do Nascimento, “Tiradentes”,
“Recital de Textos sobre o Meio Ambiente”, 1988.
A Serra de São José localiza-se na região Campo das Vertentes e se encontra entre os municípios de Tiradentes, Prados, Coronel Xavier Chaves, Santa Cruz de Minas e São João del-Rei. Composta por dois biomas, a Mata Atlântica e o Cerrado, abriga unidades de conservação, a APA São José e o RVS – Refúgio Estadual de Vida Silvestre Libélulas da Serra de São José, ambas sob a administração do IEF-MG.
Catleya
loddigesii cultivada pela saudosa Antonia Augusta
da Cruz.
Fotografias:
Luiz Cruz.
Fruto
(cápsula) da Catleya loddigesii cultivada pela saudosa
Antonia Augusta da Cruz. Fotografia: Luiz Cruz.
Já se passaram
décadas quando a cidade de Tiradentes iniciou a campanha para a proteção da Serra
de São José, em consequência das ameaças das mineradoras, dos incêndios
florestais, a atuação de caçadores, dos praticantes de esportes radicais – os
motoqueiros, dos desmatamentos, das ocupações indevidas e das retiradas das
plantas, em especial as orquídeas. As ONGs locais se mobilizaram e partiram
para a execução de campanhas e ações para coibir as práticas que vinham a comprometer
os mais diversos aspectos ambientais da serra. A atuação de mateiros, com a retirada
das orquídeas, em especial a Catleya loddigesii, teve início nos
primeiros anos da década de 1970.
Catleya
loddigesii. Fotografia:
Luiz Cruz.
As
plantas floridas eram retiradas do meio ambiente e vendidas para turistas e
moradores. Essa espécie foi drasticamente perseguida, atualmente há raros
indivíduos ao longo da serra e se encontram em locais de difícil acesso. Preferem
os troncos de árvores, nas áreas mais sombreadas, especialmente das matas
ciliares. Sua floração ocorre entre março e junho, orquídea de porte médio e de
singela beleza. Quando abertas, as flores têm tom lilás ligeiramente rosado,
mas expostas a maiores luminosidades, ficam com a tonalidade mais acentuada.
Podem durar até 15 dias. São polinizadas por diversos insetos, principalmente
pelas abelhas. Os frutos, em cápsulas robustas, ao amadurecerem se abrem e as
micro sementes são levadas pelo vento. Cada cápsula pode produzir milhares de
sementes. Inicialmente, essa orquídea foi descrita como um “epidendrum”, pelos
irmãos britânicos George Loddiges (1786-1846) e Joachim Conrad Loddiges
(1738-1826). Posteriormente, John Lindley a registrou na Collectanea Botanica
como Cattleya loddigessi – sendo o loddigessi a homenagear os
dois irmãos citados.
Imagem do
Senhor dos Passos com a Cattleya loddigessi.
Fotografia:
Foto Almeida-São João del-Rei, década
de 1950. Acervo: Luiz Cruz.
Imagens do Senhor dos Passos de Tiradentes e de São João del-Rei,
com palmas de Cattleya loddigessi. Fotografias: Luiz Cruz.
Tradicionalmente,
essa orquídea tem sido utilizada para ornamentar a imagem de Nosso Senhor dos
Passos, na Festa de Passos, que ocorre desde 1722. Colocava-se um cacho florido
nas mãos da imagem processional de roca. Mais recentemente, arma-se uma longa
palma, com diversos cachos da flor. Certos moradores cultivam essa orquídea exclusivamente
para enfeitar o andor do Senhor dos Passos, costume mantido em Tiradentes e em São
João del-Rei.
Na
Serra de São José, outra espécie vítima da ação dos mateiros foi o Oncidium
crispum (Lodd. Ex Lindl.), espécie descrita em 1833. Planta de certa
imponência e ocorrência em áreas de mata ciliar. Lamentavelmente, encontra-se
extinta, os mateiros não perdoaram, atuaram até acabar com essa planta na
serra. Ela é difícil de se cultivar,
especialmente as retiradas do habitat natural. Pelo fato de terem sido
retiradas floridas, provavelmente todos os exemplares morreram.
Oncidium crispum, espécie que ocorria na Serra de São José,
em exposção no Centro Cultural Yves Alves, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.
Outra planta muito perseguida foi o Oncidium blanchetii,
espécie identificada em 1849. Planta que se desenvolve em solos pobres de nutrientes, com os bulbos verdes claros, astes
longas ao florir e atingem até 1,80m. Podem dar mais de um cacho de flores, com
a predominância do amarelo e do marrom. Geralmente, os mateiros retiravam a
planta florida, para facilitar a venda. Durante anos seguidos, sacos e mais
sacos dessa orquidácea foram coletados e vendidos para turistas e moradores da
região – por isso, em nossas campanhas divulgamos: “Retirar plantas nativas da
Serra de São José, vender ou comprá-las é crime.
Denuncie estes crimes à Polícia Militarr do Meio ambiente”. Recentemente,
fotografamos alguns indivíduos dessa espécie, mas em locais de dificil acesso.
Fora do habitat natural, essa
planta retirada indevidamente não consegue sobreviver sem essas
condições: altitude, exposição solar e
humidade.
Orquídea Oncidium blanchetii, na Serra de São José. Fotografia: Luiz Cruz.
Na década de 1980 promovemos as primeiras exposições de
orquídeas em Tiradentes, na Galeria do Sobrado Ramalho, com o apoio da Sociedade
Orquidófila de Oliveira. O objetivo era incentivar o cultivo de plantas, mas
sem retirar as nativas da Serra de São José. As exposições ocorreram com muito
sucesso de público.
Em 1991, o pesquisador Ruy José Valka Alves (1965), da UFRJ,
lançou o livro Guia de Campo das
Orquídeas da Serra de São José, edição bilingue, com o registro 85
espécies. Obra relevante para a compreensão da importância de se preservar a
Serra de São José e em especial essas plantas que tanto atraem a atenção das
pessoas. Esse trabalho teve desenvovimento entre 1986 e 1990, além da lista das
espécies, a publicação apresenta mapas, fotografias, gráficos, desenhos e
aquarelas. O autor salienta que há possibilidade da ocorrência de outras
espécies, já que a cada expedição à Serra de São José, pode-se encontrar planta
ainda sem registro.
Em 1987, foi realizada a 1ª Semana do Meio Ambiente de Tiradentes, com diversas atividades, a envolver os principais problemas ambientais da localidade e com o apoio técnico da Escola Superior de Agricultura de Lavras, a atual UFLA. Enquanto foi possível, a Semana do Meio Ambiente foi realizada e teve significativa repercussão, envolveu toda comunidade escolar e contou com amplo apoio institucional e inclusive do padre José Nacif Nicolau, que acompanhou e celebrou missas ecológicas na Serra de São José.
Programas da Semana do Meio Ambiente de Tiradentes. Acervo: Luiz Cruz.
A SAT – Sociedade Amigos de Tiradentes, o IHGT – Instituto
Histórico e Geográfico de Tiradentes, o ICBO – Instituto Cultural Biblioteca do
Ó e a SCBVT – Sociedade Corpo de Bombeiros Voluntário de Tiradentes realizaram
diversas campanhas para combater a retirada e o comércio ilegal de orquídeas da
Serra de São José. Algumas vezes contou com o apoio da Polícia Militar do Meio
Ambiente e também da Promotoria de Justiça de São João del-Rei.
Arte criada pela artista visual Maria José Boaventura, para camiseta do núcleo. Acervo: Luiz Cruz.
Posteriormente, foi criado o Núcleo Orquidófilo Serra de São José. As primeiras reuniões do núcleo ocorreram no ICBO e logo aconteceram os eventos, como as exposições, oficinas, palestras e intenso processo de conscientização para a preservação das plantas nativas da serra. A orquídea Laelia mantiqueirae foi eleita para ser o símbolo do núcleo. Planta que ocorre em um dos principais ambientes da serra, o campo rupestre, e que necessita de condições ambientais específicas para sobreviver.
Toda comunidade do entorno da Serra de São José sempre teve
forte atração pelas orquídeas; por isso, as atividades do Núcleo Orquidófilo
Serra de São José atraíram a atenção e a participação de pessoas de todas as
idades. As oficinas de cultivo de orquideas realizadas em Tiradentes, no Centro
Cultural Yves Alves e na Escola Estadual Amélia Passos – para alunos,
professores e funcionários, em Santa Cruz de Minas, foram um sucesso. Todos
participantes tiveram informações sobre as plantas nativas e a necessidade de
preservá-las, bem como os seus ambientes de ocorrência. As exposições das
plantas, com a participação de orquidófilos de várias cidades mineiras
ocorreram no Centro Cultural Yves Alves, na Escola Estadual Basílio da Gama e
no Matadouro Público. O núcleo promoveu ainda concursos de redação sobre o tema
preservação ambiental e apoiou as atividades do movimento “Pelo Tombamento
Federal da Serra de São José”.
Exposição do Núcleo Orquidófilo Serra de São José, E.E. Basílio da Gama. Fotografia: Luiz Cruz.
Oficina de Cultivo de Orquídeas, Centro Cultural Yves Alves. Fotografia: Luiz Cruz.
Carlos Gabriel, um dos alunos vencedores do Concurso de Redação,
promovido pelo Núcleo Orquidófilo Serra de São José.
Fotografia: Luiz Cruz.
Visitantes da exposição do Núcleo Orquidófilo Serra de São José.
EE Basílio da Gama e Centro Cultural Yves Alves. Fotografias: Luiz Cruz.
Visitantes da exposição do Núcleo Orquidófilo Serra de São José.
Centro Cultural Yves Alves. Fotografia: Luiz Cruz.
Oficina de Cultivo de Orquídeas. E.E. Amélia Passos, Santa Cruz de Minas. Fotografia: Luiz Cruz.
Conforme destacou o pesquisador Ruy José Valka Alves, a Serra de São José e seus ambientes são ricos em diversidades de orquídeas. Sua pesquisa despertou ainda mais o interesse por essas plantas, mas também a necessidade de se preservá-las integralmente. Passado certo tempo da conclusão de sua pesquisa e de sua publicação, o tema precisa ser revisitado com novo trabalho acadêmico e edição; com certeza, novas espécies serão encontradas. Tivemos o privilégio de apreciar algumas e não registramos na hora, por não estar com equipamentos, postariormente voltamos e as plantas não estavam lá mais. As micro-orquídeas conseguem resistir mais aos incautos, pois visualmente não atraem e são menos perceptíveis para os que não são especialistas no tema.
Em certos trechos da Serra de São José acompanhávamos o que
chamamos de “bancos de orquídeas”, locais em que elas se desenvolveram sem as
intervenções antrópicas. No último grande incêndio florestal, ocorrido em 2021,
quase tudo foi devastado pelo fogo, ou seja, para atingir aquelas proporções,
serão necessários muitos anos e desde que não tenha a intervenção do homem.
Serra de São José, após incêndio de grandes proporções, 2021. Fotografia: Luiz Cruz.
O fogo é um inimigo implacável da flora, especialmente quando ocorre no campo rupestre. Por diversos fatores como altitude, vento e baixa umidade; logo o incêndio ganha enorme proporção. Os que ocorrem no período em que as plantas estão floridas ou com as cápsulas de sementes, são mais danosos ainda. O ideal seria trabalhar intensamente com a prevenção aos incêndios florestais e nos caso de início, logo ocorrer a debelação para minimizar os terríveis impactos tanto para a flora quanto para a fauna. Raramente os incêndios florestais têm origem natural, ou seja, praticamente todos são provocados pela ação do homem e nesse caso caberia a investigação e a devida responsabilização criminal, o que dificilmente ocorre na Serra de São José e seu entorno.
Incêndio na Serra de São José a atingir a vegetação e a Laelia mantiqueirae. Fotografia: Luiz Cruz.
O ideal seria ter um
política de proteção eficaz e com aplicação da legislação pertinente. Afinal de
contas, o Brasil é exímio em produzir leis, mas tem atuação pífia para
colocá-las em prática; provavelmente por dar trabalho...
Na Serra de São José, ao circular atentamente pelas trilhas, pelas matas, ou pelo campo rupestre, há a possibilidade de apreciar diversos exemplares de orquídeas; então, pare, aprecie, fotografe e deixe tudo exatamente como encontrou.
Inseto sobre uma das orquídeas da Serra de São José. Fotografia: Luiz
Cruz.
Orquídeas – espécies da Serra de São José. Fotografias: Luiz Cruz.
Orquídeas – espécies da Serra de São José. Fotografias: Luiz Cruz.
Orquídeas – espécies da Serra de São José. Fotografias: Luiz Cruz.
Orquídeas – espécies da Serra de São José. Fotografias: Luiz Cruz.
Orquídea – espécie da Serra de São José. Fotografia: Luiz Cruz.
As plantas também contam histórias, uma das espécies que
ocorria na Serra de São José e que não se observa mais há bom tempo é a Cattleya
loddigesii alba. Nossa saudosa Tia Tita do Corino soube que gostávamos
dessa espécie e plantou uma especialmente para nos presentear. Passaram alguns
anos, nem lembravamos mais desse fato, então nossa prima Martinha nos lembrou
que o vaso estava lá, florido, e chegara a hora de ir buscar. Agora já é uma
planta robusta e quando floresce várias flores se abrem, belas, alvas e
perfumadas. A planta se tornou lembrança viva dessa tia dedicada e tão querida.
Cattleya loddigesii alba, plantada pela saudosa Tia Tita do Corino, Orquidário Frida Kahlo.
Fotografia: Luiz Cruz.
As orquídeas conseguem viver com certa resistência, mas
precisam de cuidados e muita atenção por causa das pragas. Há variedades para
gostos diversos e todas causam impactos aos seus admiradores. São um espetáculo
para os nossos sentidos, inclusive para o paladar. A espécie Vanilla
planifolia, popularmente conhecida como “baunilheira” que é nativa do
México, acabou bem adaptada em diversos lugares, inclusive aqui em Tiradentes,
onde alguns exemplares quando floridos embelezam os quintais. As flores
polinizadas geram as favas, utilizadas na culinária, para dar sabor a diversas
iguarias.
Vanilla planifolia, a “baunilheira” registrada num quintal de Tiradentes.
Fotografia: Luiz Cruz.
Devido a certos fatores, o Núcleo Orquidófilo Serra de São
José encontra-se desativado. Então, caso queira montar o seu orquidário, aqui
bem pertinho, no bairro César de Pina, com a entrada perto do trevo de Águas
Santas, está o Orquidário Vida, de propriedade de Elias Francisco de Paiva, mas
quem cuida mesmo é sua esposa Silvana Magda Longatti Paiva e sua filha Samanta
Bárbara de Paiva. Lá estão disponíveis mais de 50 mil orquídeas, inclusive
algumas de ocorrência na Serra de São José, como a Catleya loddgesii e o
Oncidium crispum. O Orquidário Vida compra as mudas in vitro em
São Paulo, cuida das mudinhas, que são transplantadas até chegar ao ponto de
comercialização ou da floração. Samanta conduz a visita guiada ao orquidário,
ela sabe tudo sobre as plantas e como cultivá-las adequadamente.
Samanta Barbara de Paiva no Orquidário Vida e os cachepots. Fotografias: Luiz Cruz.
Orquidário Vida, bairro César de Pina, em Tiradentes,
Samanta Barbara de Paiva em uma das estufas. Fotografia: Luiz Cruz.
Além das plantas,
pode-se comprar adubo e cachepots desenhados exatamente para abrigar as
orquídeas, feitos com aparas de madeiras antigas/reutilizadas. Então, não há neccessidade
de se retirar as plantas da Serra de São José, vá ao Orquidário Vida e terá
muitas opções das orquidáceas para a sua casa. – Não quer ir lá? – procure uma flora, não terá milhares
de opções, mas com certeza encontrará uma planta para alegrar sua casa e colorir
sua vida.
Orquídea da Serra de São José. Fotografia: Luiz Cruz.
Lembre-se, ao caminhar ou ter momentos de recreação na Serra de São José, terá oportunidades para encontrar uma orquídea florida. Pare, contemple essa planta. Fotografe. Porém, deixe tudo exatamente como a encontrou. Além de você, essa orquídea poderá ser encontrada por outros visitantes, elas são partes importantes a integrar o meio ambiente da Serra de São José.
Luiz Antonio da Cruz
ALVES, Ruy José Valka. Guia de Campo das Orquídeas da Serra de São José. Tropicaleaf, 1991.
CRUZ, Luiz. (org.) Recital de Textos sobre o Meio Ambiente. Tiradentes: edição do autor, 1988.
Maravilha de flores. Parabens pela linda pesquisa. Vou cuidar de ir la no orquidario em Cesar de Pina
ResponderExcluirMuito obrigado. As orquídeas da Serra de São José são fabulosas. Abraço
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