FAMÍLIA DIVINO: ARTE E HISTÓRIA
Chafariz do Santuário da Santíssima Trindade, representação do Pai Eterno e cabeças de leão esculpidas por José Divino Filho, 1994. Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.
[...] Não quero o êxtase nem os
tormentos.
Não quero o que a terra só dá com o
trabalho.
As dádivas dos anjos são
inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.
Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.
– Quero a delícia de poder sentir as
coisas mais simples.
Manuel Bandeira, Belo Belo.
Após
se casarem, José Divino Filho (1944) e Maria Marlene da Silva (1948-2000) (que
assinava Maria Marlene de Jesus) viveram na casa da Rua da Santíssima Trindade,
juntamente com os pais dele – José Divino da Silva e Antônia da Conceição Silva
(Dona Tuninha). Ela era filha de José Rodrigues da Silva e Teresinha do Menino
Jesus. Esse foi o primeiro imóvel à direita da rua, um casarão com amplo
terreno de fundos, posteriormente vendido para o casal Yves Alves e Dalma
Fernandes Ferreira. Atualmente é a área onde ficava a Biblioteca Mineiriana
Yves Alves. Nessa antiga edificação nasceram os três primeiros filhos do casal
José Divino Filho e Maria Marlene.
Após a
venda do imóvel, o núcleo familiar Divino se mudou para a mesma rua, no número
201, onde funciona um restaurante. Nessa casa nasceram os demais filhos do
casal, onze no total, sendo seis homens e cinco mulheres: Maria da Paixão
(1968), José Divino Neto (1969-2017), Aparecida das Mercês Silva (1970), Penha
Luzia da Silva (1972), Bárbara Marlene da Silva (1973), Isabel da Conceição
Silva (1974), Moisés Davi Silva (1976), Salomão Gerônimo de Jesus (1977),
Mateus Daniel de Jesus (1978), Expedito Jonas de Jesus (1979) e Messias Josué
de Jesus (1981). Dessa casa, a família se mudou para outra na mesma rua, onde
Maria Marlene tinha dois lotes. Depois, foram morar no bairro Mococa, Rua
Antônio Gabriel Rosa, 353, onde vivem desde 2006.
Divino
e Dona Maria Marlene trabalharam como ourives para a Oficina de Ourives
Santíssima Trindade, do “Sô Chiquinho Barbosa” e para a Beta de Prata, de
Nilson Barbosa, encastoavam dentes de bicho, cerca de mil por mês, faziam
alianças e fundição em geral. Trabalhavam na própria residência e tinham que se
desdobrar para cuidar da prole. Divino sempre foi homem habilidoso e herdou o
talento do avô materno, que era pai da “Dona Tuninha” e do “Sô Passarinho”, ele
foi santeiro, pintor, musicista e carteiro. A partir da necessidade, Divino
começou a esculpir e a pintar santos, primeiramente em madeira e depois em
pedra. Dona Maria Marlene passou a esculpir miniaturas do relógio do sol, diariamente
realizava 22 peças, vendidas pelos filhos para as lojas ou para turistas, na
escadaria da Matriz de Santo Antônio.
Tudo foi muito difícil para o casal. Um dos maiores obstáculos era a compra da pedra sabão para trabalhar, vinda de Congonhas-MG. O “Sô Lourenço” buscava os blocos rochosos em sua antiga kombi. Depois, esse transporte passou a ser feito por Nivaldo, em sua caravan laranjada. A pedra precisava ser empregada de forma objetiva, sem desperdício. Divino esculpiu a imagem do Pai Eterno e as cabeças de leão dos chafarizes do Santuário da Santíssima Trindade, ainda as dos chafarizes da Pousada Quinta do Conde e do Camping Tiradentes, ambas em pedra sabão.
Detalhe do Chafariz do Santuário da Santíssima Trindade, escultura do Pai Eterno e cabeça de leão, pedra sabão, 1994. José Divino Filho. Fotografia: Luiz Cruz.
Em
1976 encomendamos uma imagem de Nossa Senhora da Conceição ao Divino, três dias
após a peça estava em nossa posse. Depois, solicitamos uma Nossa Senhora das
Dores e ela ficou pronta logo. Quando mudamos para o bairro Cascalho, ajustamos
uma carrara para o chafariz do Largo Frida Kahlo e o Divino nos mandou uma
cabeça de leão. Tudo precisava ser feito rápido para aplicar o dinheiro na
manutenção familiar.
Trabalhos
do casal foram expostos em várias exposições realizadas em Tiradentes e
diversas cidades brasileiras, especialmente as promovidas pela CAT – Corporação
dos Artesãos de Tiradentes, com a curadoria de Fernando Pitta e Vânia Lima
Barbosa.
Sempre admiramos o casal, mas só pudemos conversar e trocar ideias com o Divino. Ele raramente saía de casa e quando o fazia era tarde da noite. Não tivemos o privilégio de conhecer pessoalmente Dona Maria Marlene, porque ela não saía. Alguns dos filhos herdaram as habilidades artísticas do casal.
José Divino Neto, conhecido por “Bolão”, participou da Oficina de Xilogravura, do Verão Cultural, ministrada pelo artista Arlindo Daibert do Amaral (1952-1993), ocorrida em 1987. Bolão se revelou um talento nato de gravador e ao participar das edições do Salão de Arte de Tiradentes, ganhou prêmio em todas. Ele frequentou também a Casa de Gravura Largo do Ó e sempre estava atento na busca de recursos técnicos para suas obras. As gravuras do Bolão eram figurativas, ele criava “os capetão”, “os satanás” e entre eles inseria os tormentos vida. Um universo plástico absolutamente original e todos os seus prêmios recebidos foram merecidos. Logo passou a trabalhar com a pedra sabão. Na primeira fase executou as cenas escultóricas, onde envolvia os capetas, corpos humanos e bichos. Depois partiu para os anjos e bichos. Bolão teve uma vivência bem desregrada e faleceu ainda jovem.
Xilogravuras, assinadas, José Divino Neto - Bolão, 1987, 1988. Acervo: Família Yves Alves. Fotografias: Gabriel Leite.
Xilogravura, José Divino Neto - Bolão, 1988. Acervo: Romério Rômulo.
O professor e poeta Romério Rômulo, que vive e atua em Ouro Preto, entre as décadas de 1980 e 1990, circulou por Tiradentes e frequentou a Casa de Gravura Largo do Ó. Ele conheceu e viu trabalhar o artista José Divino Neto, o Bolão. Comprou diversos trabalhos dele e alguns doou para o Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro. Quando se preparava para publicar o seu livro Matéria Bruta, com projeto gráfico de Sebastião Nunes – também poeta e um dos mais célebres artistas gráficos do Brasil, ele pediu algo novo ilustrar o projeto, impactante, que estivesse à altura dos poemas. Romério encaminhou, então, as gravuras do Bolão. Nunes criou um livro lindo, valendo-se da obra de Bolão, para a capa, contracapa e a cada página apresentou detalhes das xilogravuras do gravador de Tiradentes. E como em todos os seus projetos gráficos, Sebastião Nunes apresentou um visual criativo, inovador, num diálogo comovente entre a poesia e as imagens de um artista genuíno – Bolão.
Sem título, escultura em pedra sabão, 1997, José Divino Neto - Bolão. Acervo: Luiz Cruz.
José Divino Neto - Bolão a receber premiação no 1º Salão de Arte de Tiradentes. Verão Cultural, Salão do Antigo Fórum, 1987. Fotografia: Eros Conceição, acervo: Luiz Cruz.
Além
das habilidades artísticas, Bolão foi corredor e venceu algumas Corridas
Rústicas promovidas pela Secretaria de Cultura, Turismo e Meio Ambiente, nas
décadas de 1980 e 1990. Bárbara Marlene da Silva também foi corredora premiada.
Expedito Jonas de Jesus gosta das corridas, treina e compete frequentemente.
Expedito
Jonas começou a brincar com as pedras na tenra idade de sete anos e aos onze
vendeu sua primeira escultura. Desde então, Expedito se dedica à essa
modalidade das artes. Fez relógios do sol, bichos – principalmente os jacarés,
anjos bochechudos, anjos alados, cabeças de leão e chafarizes – das peças
pequeninas às de grande dimensão. Mantém a sua oficina na Estrada do Bichinho,
onde suas obras ficam expostas, podem ser apreciadas e adquiridas.
Numa
das primeiras edições do Festival de Cultura e Gastronomia de Tiradentes –
quando a área cultural era prestigiada, ocorreu uma grande exposição de
esculturas, com obras de vários artistas mineiros, dentre eles Amilcar de
Castro, Paulo Laender, Marcos Coelho Benjamim, Jorge dos Anjos e outros,
participou também o jovem escultor Expedito Jonas. Suas esculturas ficaram no
Largo das Mercês e lá se encontram até o presente, dois blocos de pedra sabão
com cabeças entalhadas. Sempre que convidado, o escultor comparece para
apresentar o seu fazer e sua arte.
Jacaré, escultura em pedra sabão, 1998, Expedito Jonas de Jesus. Largo Frida Kahlo, Tiradentes. Acervo: Luiz Cruz.
Cabeças de anjos, escultura em pedra sabão, década de 1990. Expedito Jonas de Jesus. Acervo: Família Yves Alves. Fotografia: Luiz Cruz.
Cabeças, escultura em pedra sabão, década de 1990. Expedito Jonas de Jesus. Largo das Mercês, Tiradentes. Acervo do artista. Fotografia: Luiz Cruz.
Festival de Artes e Tradições, Expedito a esculpir em pedra sabão, 2017. Largo das Forras, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.
Semana Criativa – 2022, Oficina de Escultura em Pedra Sabão, ministrada pelo artista Expedito Jonas de Jesus. Vila da Matriz, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.
Na
Semana Criativa de Tiradentes, de 2022, tivemos o prazer em registrar a Oficina
de Escultura em Pedra Sabão ministrada por Expedito. Ele gosta de fazer, de
ensinar a lida e o domínio da arte da pedra. Seu sobrinho, Mário Davi Silva, já
trabalha a esculpir os blocos rochosos.
Moisés Davi Silva com o seu trabalho de ferreiro, 2002. Fotografia: Luiz Cruz.
Outro
irmão, o Moisés, trabalhou por muito tempo como ferreiro e dominou o fazer da
arte do ferro, com os seus desenhos elegantes e todo o encantamento dessa
atividade tão antiga e tão presente em nossa amada Tiradentes.
Obra em construção, bloco de pedra sabão, Expedito Jonas de Jesus. Oficina Estrada do Bichinho, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.
Obra em construção, escultura em pedra sabão, Expedito Jonas de Jesus. Oficina Estrada do Bichinho, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.
E os
desafios continuam, com o trabalho intenso e a produzir para se realizar no
fazer artístico; no enfrentamento para a busca da matéria prima ideal para a
execução das peças. Atualmente, compra os blocos rochosos maiores em Ouro Preto
e os menores em uma jazida da vizinha cidade de Barroso. Como disse Guimarães
Rosa, “viver é perigoso”, mas viver sem o fazer artístico pode ser mais
perigoso ainda.
Expedito
honra a tradição familiar com a arte. É figura admirável pelo bom humor, pelo sorriso
largo que apresenta sua bela e alva placa dentária. É presença contagiante,
sempre! Tem duas filhas, Ester e Miriam e a terceira, Noemia, está para nascer.
A
família Divino continua a escrever sua história, ela cresce e produz muitas
obras de arte, para sobreviver e para dar sentido à vida.
Luiz Antonio da Cruz
Agradecimentos: Maria da Paixão
(Linda), Expedito Jonas de Jesus, José Celso da Cruz, Família Yves Alves,
Gabriel Leite, Instituto Cultural Biblioteca do Ó, Júnior Guimarães - da Semana
Criativa de Tiradentes.
REFERÊNCIA:
Rômulo, Romério. Matéria
Bruta. São Paulo: Altana, 2006.
Muito bom! Parabéns, Luiz!
ResponderExcluirMuito obrigado por sua presença e registro aqui. Abraço
ExcluirViva a Família do Divino!
ResponderExcluirParabéns Prof. Dr. Luiz Cruz
Muito obrigado. A Família Divino tem histórias para se contar. É gente trabalhadora e de talento. Abraços
ExcluirMuito interessante, muito inteligente,deixou esse lindo Chafariz do Santuário,outras peças não conheço
ResponderExcluirGratidão por sua presença aqui. O Chafariz do Santuário é a obra mais conhecida do José Divino Filho. A maior produção deste artista está em coleções particulares, em diversos pontos do Brasil e do exterior. Ele vendia a maioria de suas obras para a Loja Santíssima Trindade, no Largo das Forras. Infelizmente, muitas peças não foram assinadas e isso dificulta na identificação.
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