Entre Rios de Minas – entre brumas e abróteas
Termo
melhor não há
Que
entre rios Brumado e Camapuã,
Onde
mais se aproximam,
Para
aqui assentar a taba chã
O
índio Cataguá. [...]
D.
Oscar de Oliveira, Sítio Cataguá.
Matriz de Nossa Senhora das Brotas, padroeira de Entre Rios de Minas. Fotografia: Luiz Cruz, 2023.
Na região entre os rios Brumado e Camapuã ocorreu ocupação muito antiga, por comunidades indígenas que se tornaram bastante conhecidas pelos paulistas, porque foram povos resistentes à invasão de seus territórios. O Cataguases e os Carijós resistiram o quanto foi possível na manutenção de suas culturas e domínios. Nessa região, principalmente junto às margens dos rios, estes povos deixaram inúmeros vestígios, a conformar preciosos sítios arqueológicos, que por falta de projetos e vontade política para a devida identificação, estudo, proteção e divulgação – todo este patrimônio arqueológico é dissipado cotidianamente.
Broma,
bromado, brumado, bruma – são expressões que se vinculam à origem da
localidade. “Bromado” apareceu registrado em 20 de dezembro de 1713, na Carta
de Sesmaria de Pedro Domingues, um dos primeiros a ocupar a região. Expressão
originada de “broma” – que na Língua Portuguesa tem significados distintos. Em
outro documento, teve o emprego “designar perda ou engano, mistificação ou
desaparecimento do ouro na lavra que supunha rica”. (Revista do Arquivo Público
Mineiro, Ano XX, 1924, p.267). De acordo com um dos pesquisadores mais
renomados de Minas, nesse sentido “bromado” é “mentido”. (VASCONCELLOS, 1999).
O
Arraial Brumado do Suaçuí integrava o termo da Vila de São José del-Rei – a
atual Tiradentes. Ao se emancipar, teve desmembramento de Conselheiro Lafaiete,
em 1878. Recebeu outras denominações: Entre Rios, João Ribeiro e a partir de
1953 a denominação definitiva: Entre Rios de Minas. Município que compõe o
Campo das Vertentes e o primeiro do roteiro turístico Trilha dos Inconfidentes.
Como
nas demais ocupações mineiras, logo foi construída uma capela pioneira e
dedicada à Nossa Senhora das Brotas. Esta é uma devoção entre as mais mil
dedicadas à Virgem Maria, a mãe de Cristo, surgida em Portugal. O relato
fundamental dessa devoção foi registrado por Frei Agostinho de Santa Maria, a
citar um milagre ocorrido no Sítio das Abróteas (Asphodelus ramosus), planta nativa distribuída por parte
do território lusitano, com vasto uso medicinal para o tratamento de diversas
mazelas.
Abrótea (Asphodelus ramosus), planta de ocorrência em Portugal, especialmente na região norte e sul da Espanha. Disponível em: Abrótea (botânica) – Wikipédia
Um homem pobre e chefe de família numerosa,
tinha apenas uma vaca que produzia leite e com ele matinha os filhos. Certo
dia, a vaca desapareceu e o homem circulou por todas as serras e barrocas à sua
procura. O animal tinha caído de um precipício e morrera. Ao encontrá-la, sacou
sua faca e já ia destrinchar o animal. No desespero, invocou Nossa Senhora.
Então, ouviu uma voz que lhe disse: “Não temas, nem te desconsoles; vai ao
lugar e chama a gente, e quando vieres acharás a tua vaca viva.” (LIMA JÚNIOR,
2008 p.191). No local, o homem construiu uma ermida devotada à Nossa Senhora
das Abróteas, atualmente local de grande peregrinação. Trazida pelos
portugueses, a devoção à Nossa Senhora das Brotas enraizou, principalmente em
Minas Gerais, São Paulo e Bahia.
Matriz de Nossa Senhora das Brotas, 1897. Entre Rios de Minas.Arquivo Maria Elisa Batista Resende. (RESENDE, 2021, p.101).
Ao longo do tempo, a capela pioneira de Nossa Senhora das Brotas passou por reforma e ampliação – com isso, o retábulo-mor no estilo rococó desapareceu; depois o neogótico, também desapareceu, em consequência das obras e atualização do “gosto”.
A história da Matriz de Entre Rios de Minas foi
detalhadamente apresentada no livro De Bromado a Entre Rios de Minas ...sua
arte, ...sua história (RESENDE, 2021). Em bela edição e ricamente ilustrada,
além dos variados aspectos da vida religiosa da localidade, a obra apresenta o
elemento arquitetônico, com seus inúmeros detalhes, a nos ajudar a compreender
a relevância deste culto associado a tão imponente edificação.
Obra que apresenta a história da devoção e desde a capela pioneira até a atual Matriz de Nossa Senhora das Brotas. Publicada através do Prêmio Valorização do Patrimônio Cultural, da Prefeitura de Entre Rios de Minas, com apoio cultural do Sicoob Credicampo, 2021.
Altar-mor da Matriz de Nossa Senhora das Brotas, com a tela que representa o milagre do homem pobre e sua vaca, nave da igreja. Entre Rio de Minas. Fotografias: Luiz Cruz.
As duas cenas da tela do milagre do homem pobre e sua vaca.Matriz de Nossa Senhora das Brotas. Entre Rios de Minas. Fotografias: Luiz Cruz.
No altar-mor, um quadro representa a Senhora das Brotas, cercada por anjos e sobre nuvem, como se estivesse sobre a copa de árvore e na base duas cenas, o homem pobre a clamar pela Virgem Maria e sua vaca morta, do outro lado a apresentar sua vaca viva, após o incidente, exatamente como descrito por Frei Agostinho de Santa Maria. Este quadro substituiu a mesma cena, só que pintada em tábua. (LIMA, JUNIOR, 2008 p.192). Além da cena do milagre, há a imagem no altar, a Senhora com o Menino Deus no colo, ambos coroados. Ela ostenta um buquê de flores, originalmente deveria ser de abróteas (Asphodelus ramosus) e Ele um globo azul, na base figuram anjinhos alados.
Imagem de Nossa Senhora das Brotas, provavelmente do século XVIII.Fotografia: Luiz Cruz.
Missa de 12 de agosto de 2023, preparatória para a Festa de Nossa Senhora das Brotas. Entre Rios de Minas. Fotografia: Luiz Cruz.
Missa de 12 de agosto de 2023, preparatória para a Festa de Nossa Senhora das Brotas. Entre Rios de Minas. Fotografia: Luiz Cruz.
Nossa Senhora das Brotas é a padroeira dos
criadores de gado, protetora das fazendas agrícolas, Entre Rios de Minas
promove uma das mais tradicionais Festa da Colheita (julho), quando se unem
diversos produtores rurais para agradecer a produção de alimentos e realizar o
cortejo de carros de bois decorados com espigas de milho, abóboras, canas,
ramos de café, frutas e até pequenos animais.
Fachada lateral da Matriz de Nossa Senhora das Brotas. Entre Rios de Minas. Fotografia: Luiz Cruz.
Pastéis e churrasquinhos das barraquinhas da Festa de Nossa Senhora das Brotas. Entre Rios de Minas. Fotografia: Luiz Cruz.
Acompanhamos os preparativos para a Festa da
Padroeira de Entre Rio de Minas. A Matriz torna-se pequena para receber tantos
paroquianos. Após as celebrações os participantes podem aproveitar as
“barraquinhas”, onde se deliciam os quitutes mineiros: quentão, pastel, caldos,
churrasquinho e os doces imperdíveis. À frente de tudo está o padre Ildeu Cruz,
que recebe os fiéis com sorriso largo e alegria. Ele cuida de todos os
detalhes, para que tudo transcorra da melhor maneira possível. Este ano a
ornamentação ficou a cargo do Professor Roberto Kennedy e tem até uma bandeira
com a devoção, instalada no adro, como ocorre nas grandes festas populares
mineiras.
Bandeira de Nossa Senhora das Brotas.Entre Rios de Minas. Fotografia: Luiz Cruz.
Dia 15 de agosto é o dia da padroeira de Entre
Rios de Minas e a programação será intensa. Estando por perto, venha celebrar
com a comunidade entrerriana, venha participar das celebrações de uma das
devoções herdadas de Portugal, a padroeira dos animais, dos produtores e das
fazendas agrícolas. Será uma bela festa, o povo de Entre Rios de Minas sabe
fazer bonito e bem-feito.
Programação da Paróquia de Nossa Senhora das Brotas, dia da padroeira, 15 de agosto de 2023. Entre Rios de Minas.
Brumado = rio com muitas brumas, neblina;
Camapuã = palavra indígena que significa seios fartos. Os rios
Brumado e Camapuã desaguam no Paraopeba, sua bacia hidrográfica tem os
seguintes rios: Paraopeba, Águas Claras, Macaúbas, Betim, Camapuã e Manso.
Referências:
BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário Histórico Geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1995.
OLIVEIRA, Dom Oscar de. Moinho D’Água. Belo Horizonte: Ed. do autor, 1979.
RESENDE, Elson de Oliveira. De Bromado a Entre Rios de Minas ...sua arte, sua história. Tiradentes: Mandala Produção, 2021.
VASCONCELLOS, Diogo de. História Antiga de Minas Gerais. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1999.
PARABÉNS AMIGO LUÍS !
ResponderExcluirMuito obrigado pela presença e pelo retorno. Abraço
ExcluirSensacional! Muito obrigada por calorizar nossas belezas!
ResponderExcluirWilze, muito obrigado. É impressionante a mobilização da comunidade em torno da padroeira Nossa Senhora das Brotas. É importante manter a celebração e a tradição. Grato pelo retorno e abraço para você.
ExcluirArtigo primoroso, sensível e emocionante, repleto de referências, completo, como tudo que você faz, Luiz. Mais um presente seu para Entre Rios de Minas. Super Parabéns e Gratidão por sua generosidade e carinho por nossa história. Um grande abraço!
ResponderExcluirMuito obrigado por este retorno tão carinhoso. Desde a primeira visita a Entre Rios de Minas, fiquei muito impactado pela beleza do conjunto arquitetônico e por sua história. Hoje, tenho certeza que tudo fica mais surpreendente quando consideramos o todo, a imaterialidade e o Patrimônio Humano - assim, tudo fica mais bonito e com veracidade. Gratidão e abraço
ExcluirQue beleza de festa! Viva Nossa Senhora das Brotas! Viva a cidade de Entre Rios de Minas que promove essa festa! 👏👏👏🙏💙
ResponderExcluirParabéns pra você que sempre nos enruqye com informações tão preciosas, um abraço da Thelma
Thelma, muito obrigado pelo retorno, isso é muito bom. A Festa de Nossa Senhora das Brotas é muito bonita e muito autêntica. Abraço
ExcluirLindeza homenagem a uma pessoa que é luz
ResponderExcluirMuito obrigado pela leitura e pelo retorno, Mãe Marcia Doxum receba meu abraço
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