CENTRO CULTURAL YVES ALVES

30 ANOS DE HISTÓRIA E

25 DE ATIVIDADES 

 

Não, Tempo, não zombarás de minhas mudanças!

As pirâmides que novamente construístes

Não me parecem novas, nem estranhas;

Apenas as mesmas com novas vestimentas.

 

William Shakespeare

 

 

      
                             

  Atividade do Foto em Pauta, edição 2016, no jardim do Centro Cultural Yves Alves.

Fotografia: Luiz Cruz.

Sou muito grato a Deus pela oportunidade de ter vivido em Tiradentes, Ouro Preto, Rio de Janeiro e São Paulo. Nestas localidades aprendi muito, tive oportunidade de construir aprendizado para a vida e a estas cidades serei eternamente agradecido. Na década de 1980, quando morei no Rio de Janeiro, havia uma ebulição cultural carioca, com tantas obras e inovações a acontecer. Duas delas marcaram profundamente esse período, a obra de restauração do Paço Imperial e a construção da nova sede da Biblioteca Municipal Celso Kelly – que atualmente tem outra denominação: Biblioteca Parque Estadual.

Ao retornar a viver em Tiradentes, por duas vezes ocupei o cargo de secretário de cultura, turismo e meio ambiente, quando tive oportunidade para idealizar e executar alguns trabalhos. O primeiro deles foi a implantação do projeto do paisagista Roberto Burle Marx para o Largo das Forras, criado em 1980 e inaugurado em 1990. Sua realização só foi possível graças ao apoio e aporte da Fundação Roberto Marinho, que tinha como superintendente Joaquim Falcão e na área de patrimônio a arquiteta Silvia Finguerut. Após a inauguração das obras deste projeto, retomei uma ideia antiga, a de dotar a cidade com uma edificação para abrigar suas atividades culturais. Nessa ocasião ainda havia lotes abandonados no centro antigo e na Rua Direita dois contíguos poderiam sediar tal proposta. Então, fiz os primeiros estudos para a possível ocupação e construção. Conversei inúmeras vezes com Yves Alves sobre a ideia. Redigi um projeto e juntamente com o prefeito Nilzio Barbosa, que o abraçou, fiz sua apresentação em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Brasília. Porém, nada de se obter recursos para torná-lo realidade.

Numa das reuniões, Joaquim Falcão acabou por se interessar pela ideia. O apoio do Yves Alves e da arquiteta Silvia Finguerut foram fundamentais para tal. Porém, transformar um “sonho” em um projeto executivo, precisava de um arquiteto de peso. Ainda não havia um nome. Então, lembrei do meu período vivido no Rio de Janeiro e surgiu o nome do arquiteto Glauco Campello, imediatamente aceito por todos. Não havia outro tão adequado para pensar numa ocupação no centro antigo de Tiradentes, com sua malha urbana setecentista praticamente preservada.



Centro Cultural Yves Alves, desenho de Glauco Campello, 1993.

Acervo: Luiz Cruz.


Glauco de Oliveira Campello (1934) nasceu em Mamanguape-PB, estudou na Escola de Belas Artes do Recife e se graduou pela Faculdade Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro, em 1959. Construiu uma trajetória espetacular como professor, arquiteto, restaurador, desenhista, pesquisador e autor.  Tornou-se colaborador de Oscar Niemeyer para a construção de Brasília e especialmente do Centro de Planejamento da Unb. Manteve seu escritório de arquitetura no Rio de Janeiro e criou projetos diversos para o Brasil e para o exterior, alguns deles premiados. O já referido projeto para a Biblioteca Celso Kelly surgiu após tratativas com o mineiro Darcy Ribeiro e o projeto do Paço Imperial acabou por se tornar numa das referências de obra de restauro e boa adequação arquitetônica no país.


 

Acervo: Luiz Cruz.


Convite feito, convite aceito.

Agora, nossa narrativa deixa o singular e segue no plural: – Tivemos a honra de receber o arquiteto Glauco Campello para apreciar o terreno da Rua Direita e compreender a espacialidade arquitetônica e urbanística do centro antigo de cidade. Logo, chegaram os estudos preliminares do que seria o “Centro Comunitário de Atividades Sociais de Tiradentes” – que veio a ser o Centro Cultural Yves Alves. Conforme o autor registrou:

 

Estudo preliminar

A imagem do centro histórico de Tiradentes é tão harmoniosa e tão afortunadamente preservada que qualquer intervenção aí tem de ser rigorosamente pensada e medida. Qualquer nova construção – só excepcionalmente justificável – terá de se submeter ao vocabulário corrente de sua arquitetura e ao ritmo natural de sua estrutura urbana. Um desvio formal provoca uma ruptura incômoda como se pode hoje notar num ou outro ponto, passíveis contudo de serem ainda corrigidos. Esta observação é válida sobretudo para o caso de construções novas a serem eventualmente admitidas no preenchimento das falhas existentes no casario de estilo vernacular, de surpreendente unidade. Isto não significa que a vida social e urbana da cidade venha a ser congelada e que as novas construções no centro histórico, ou nas suas imediações, devam copiar ou imitar as características da arquitetura do século XVIII, na reprodução de “pastiches”.

Cor, materiais, escala, ritmo, proporção e uma maneira tradicional de construir, são os elementos básicos que dão ao pequeno conjunto urbano de Tiradentes unidade e concisão relacionadas com o momento histórico de sua formação e desenvolvimento. Ao lado da preservação rigorosa de seus monumentos, de suas casas antigas e das características de seu assentamento urbano, as novas construções e acréscimos – inevitáveis num organismo vivo como é o tecido urbano das cidades – devem levar em conta, principalmente, aqueles elementos básicos que identificam a feição peculiar do núcleo urbano.

O projeto para o Centro Comunitário de Atividades Sociais que a Prefeitura pretende construir em dois lotes contíguos, situados à Rua Direita, no coração da cidade, envolve essas questões fundamentais. Desde a construção em local anteriormente ocupado por edificações das quais se preservaram as fachadas no alinhamento da rua, ao caso da introdução de um novo volume a ser erguido na parte posterior do terreno.

O programa compreende uma pequena biblioteca com uma seção especial para arquivo, um auditório com funções múltiplas (teatro, vídeo, conferências etc.) e áreas livres para as atividades sociais. [...]

Para facilitar a adoção de um vocabulário afim com as construções vizinhas optou-se pela localização do conjunto formado pela plateia, cabine e palco na parte central do bloco, deixando-se a periferia para os elementos complementares, susceptíveis de um tratamento arquitetônico compatível com a escala do conjunto urbano. E, de resto, a solução clássica para esse tipo de programa, já que a plateia e o palco exigem a adoção de iluminação artificial. Outra questão importante, a da volumetria da construção, ficou resolvida também com esse arranjo planimétrico. A plateia de 141 lugares situada, justamente com o palco, sob a parte mais alta da cobertura de duas águas, permite o aproveitamento do vão sob o telhado, sem que isso venha se refletir obrigatoriamente no volume aparente da construção.

O pátio central, que funciona como já vimos, como um anfiteatro ao ar livre tem o caráter de praça interna. Constituindo, embora, um espaço até certo ponto estranho à tipologia urbanística de Tiradentes, esta pequena praça interna, destinada a múltiplas atividades, tem a vantagem de não introduzir um espaço urbanístico novo, à vista, alterando a fisionomia já consagrada do conjunto setecentista de Tiradentes. Ela é um espaço recôndito, construído segundo os critérios básicos comuns ao vocabulário arquitetônico da cidade, mas indicativo, ao mesmo tempo de sua evolução e dinamismo social.

                                               Rio de Janeiro, 2 de agosto de 1993

                                               Glauco Campelo

 


 

Glauco soube, como poucos, olhar e compreender o núcleo remanescente do século XVIII, tão potente, mas ao mesmo tempo frágil, merecedor de atenção, cuidados para a idealização e execução de qualquer intervenção arquitetônica. Muito além de ser um profissional com ampla atuação e reconhecimento, o que mais nos chamou a atenção foi o cidadão Glauco de Oliveira Campello, como ser humano e sua capacidade para ouvir tantos discursos sobre as possibilidades, considerar muito além disso, o espaço, os materiais construtivos, os fazeres, a implantação na malha urbanística, o meio ambiente, a paisagem. Tudo, tudo impregnado de histórias, memórias e tantas máculas construídas e destruídas pelo tempo.




Centro Cultural Yves Alves, desenhos de Glauco Campello, 1993.

Acervo: Luiz Cruz.


Com o projeto desenvolvido, logo concluído e aprovado, foi necessária a parceria com a SAT – Sociedade Amigos de Tiradentes que acabou sendo a proponente do projeto junto ao MinC e foi eleito como tesoureiro José Luiz Alquéres – que acompanhou detidamente todo processo. Estivemos presentes, na sede da Fundação Roberto Marinho, no Rio de Janeiro, para a assinatura dos convênios e contratos para a execução das obras.

 

O arquiteto Glauco Campello e Joaquim Falcão – então, superintendente da Fundação Roberto Marinho, no terreno onde se construiu o CCYA. Fotografia: Luiz Cruz.

 

O terreno da Rua Direita, antes da limpeza para se construir o CCYA.

Fotografia: Luiz Cruz.


          

O terreno da Rua Direita, antes da limpeza para se construir o CCYA.

Fotografia: Luiz Cruz.

 

O terreno da Rua Direita, início da construção do CCYA.

Fotografia: Luiz Cruz.

 

A Collem Construtora, sediada em Belo Horizonte, venceu a licitação e logo deu início à formação do canteiro de obras e o primeiro a ser contratado para tal foi o Eliseu Cruz, técnico em contabilidade. Tudo, tudo foi realizado com o devido acompanhamento da equipe de arquitetos da Fundação Roberto Marinho – na execução, além de Silvia Finguerut, contou com a atuação da arquiteta Lúcia Bastos, os engenheiros da Collem, dos técnicos do IPHAN, especialmente da arquiteta Maria Isabel Câmara e dos membros da SAT. Por recomendação de Yves Alves, acompanhamos e fotografamos todas as etapas, desde a limpeza do terreno até a entrega da edificação.


A arquiteta do IPHAN, Maria Isabel Câmara e os engenheiros da

Collem Construtora – Alvimar Luis Maria e Cristiano Furtado Borba.

Fotografia: Luiz Cruz.

 

Os engenheiros da Collem Construtora – Alvimar Luis Maria, Cristiano Furtado Borba e Geraldo Belloni Perez e a arquiteta Silvia Finguerut, da Fundação Roberto Marinho. Fotografia: Luiz Cruz.


Os engenheiros da Collem Construtora – Alvimar Luis Maria, Cristiano Furtado Borba e Geraldo Belloni Perez e a arquiteta Silvia Finguerut, da Fundação Roberto Marinho.Fotografia: Luiz Cruz.

 

Com a obra praticamente pronta, os objetivos e usos do bloco térreo do Centro Comunitário de Atividades Sociais de Tiradentes foram analisados e ponderados. Chegou-se à conclusão que a edificação seria integralmente para um centro cultural, com usos diversos. A Biblioteca Municipal Tomaz Antônio Gonzaga e o Arquivo Municipal de Tiradentes deveriam ser abrigados em outros espaços. Yves Alves veio falecer em 1996 e logo surgiu a proposta em homenageá-lo, ao denominar a edificação como Centro Cultural Yves Alves – CCYA.

Com tudo bastante avançado para concluir as obras, chegou-se à conclusão de que não seria possível ter carga de energia elétrica no centro cultural. Coube, então, a intervenção de José Luiz Alquéres junto à CEMIG, que elaborou projeto, executou obras e possibilitou que o imóvel recebesse tal. A realização de obras com aberturas no calçamento da Rua Direita é sempre complexa e requer muitos cuidados e o devido acompanhamento pelo IPHAN. Ainda, para equipar e poder funcionar, a Fundação Roberto Marinho elaborou outro projeto para obter os recursos e dotar o CCYA de tudo que fosse necessário para seu funcionamento adequado.



Após sua inauguração, o CCYA se tornou a referência das atividades culturais da cidade e da região, a cumprir os seus objetivos estatutários. Teatro, cinema, concertos, palestras, seminários, colóquios, encontros, exposições, apresentações etc. vêm ocorrendo em seus espaços. Ao longo dos 25 anos de funcionamento (interrompidos somente no período da pandemia da Covid-19), não há como indicar o que mais marcou essa trajetória dedicada à arte, cultura, educação, lazer e entretenimento. Mas não há como negar que todos os espetáculos teatrais montados pelo nosso saudoso Eros Conceição, com a Oficina de Teatro Entre & Vista, sempre aconteceram com a casa lotada; todas as apresentações que a Sociedade Orquestra e Banda Ramalho levou ao CCYA teve muita alegria e grande público. Todos os livros dos nossos projetos foram aí lançados e aconteceram com sucesso. As ações que envolvem os tiradentinos, com os seus fazeres, habilidades, histórias e memórias têm público garantido.

 



Concerto da Sociedade Orquestra e Banda Ramalho. Fotografia: Luiz Cruz.


CCYA edificado, montado e com o mais gracioso jardim da localidade, Tiradentes passou a sediar os tais “grandes eventos”. Inicialmente idealizados para lá acontecer, depois de fortalecidos e bastante divulgados, migraram para outros espaços.

Por certo tempo, a crise financeira afetou profundamente o CCYA; os conselheiros, por diversas vezes tiveram que contribuir com seus recursos próprios para a manutenção da casa. Mais uma vez, coube a José Luiz Alquéres intervir e propor parceria junto à FIEMG/Sesi, através de seu presidente, Robson Braga Andrade, para assumir a gerência e manutenção do centro. Enquanto durou, essa parceria foi muito produtiva e possibilitou a confirmação do CCYA como polo irradiador dos seus propósitos.

Um dos projetos que o CCYA abrigou foi o Grandes Escritores, idealizado e coordenado pelo nosso saudoso amigo Marcelo Andrade. Aqui, tivemos oportunidade de receber os mais renomados escritores brasileiros para conversar, contar suas experiências e ouvir as indagações dos interessados. Nomes como Inácio de Loyola Brandão, Affonso Romano de Sant’Anna, Carlos Herculano, Frei Betto, Marina Colasanti e tantos outros passaram pelo CCYA. Além do encontro com a plateia, todos escritores visitaram o Instituto Cultural Biblioteca do Ó e o projeto fez doações de livros para as bibliotecas locais. Em certos encontros, tivemos o prazer de trazer nossos alunos da Escola Estadual Amélia Passos - EEAP, de Santa Cruz de Minas, para participar e se encantar com os escritores brasileiros renomados. Em outras oportunidades, para assistirem peças teatrais, exibição de filmes e palestras; ainda, ocorreram apresentações exclusivas para os alunos e professores da EEAP.

 

Projeto “Grandes Escritores”, com Mariana Colasanti e

Marcelo Andrade, no CCYA. Fotografia: Luiz Cruz.


  Projeto “Grandes Escritores”, Mariana Colasanti a autografar seu livro,  no CCYA.

 Fotografia: Luiz Cruz.

 

Dos inúmeros concertos realizados no CCYA, certos foram estupendos, como os executados pela Orquestra Sesiminas, os do Festival de Música Antiga Pró-Música, de Juiz e Fora, ou os trazidos pelo produtor cultural Júlio Varella. Porém, agora, apresentamos aqui um mais intimista, que tocou profundamente a plateia; do músico, compositor, arranjador e professor Ian Guest (1940-2022), húngaro que circulou por tantos cantos do mundo e escolheu Tiradentes para viver, produzir e ensinar.  Foi em 2017, com o auditório repleto de alunos e admiradores do artista que assistimos ao concerto comovente, pela arte, delicadeza poética e pela história construída por este mestre da música.

  

 

Concerto do musicista, professor, arranjador Ian Guest e convidados.

Fotografias: Luiz Cruz.

 

Encontramos a nós mesmos quando assistimos Dona Doida, com uma das mais fabulosas atrizes do Brasil – Teuda Bara, espetáculo pessoal da protagonista, sob a direção de outra atriz, Inês Peixoto. Teuda contracenou com seu próprio filho, Admar Fernandes, que além de atuar, compôs a trilha sonora do espetáculo. Dona Doida é uma daquelas peças idealizadas e realizadas para tocar o coração e a alma de cada um espectador, para nos lembrar que somos humanos e diversos, por isso precisamos parar e nos colocar na dimensão do ser e do outro.

Dona Doida foi um espetáculo de significativa beleza plástica e de grande impacto dramático. E ainda tivemos oportunidade para participar de bate papo com o elenco e a direção.

 

     

      

             

      

Teuda Bara, em Dona Doida, no CCYA. Espetáculo dirigido por Inês Peixoto. Fotografias: Luiz Cruz.

 

Nem tudo é sucesso garantido, mas com boa ideia e roteiro criativo, tudo pode se transformar em bom cinema. Casa lotada, havia uma espectativa no ar, como será este filme? – Afinal, ele será palatável? Só mesmo quem esteve no CCYA naquela noite teve noção do sucesso que foi a exibição de Vida Bandida, filme idealizado, com roteiro e direção de Flavia Frota, Marlo de Paula e Priscila Natany, a narrar a vida e a história de Marisol (1973-2023) – personalidade de São João del-Rei. Controversa, polêmica, violenta – que em situações tenebrosas coloriu os dias de vermelho, com o seu próprio sangue, mas ao mesmo tempo figura delicada; a “travesti” que foi até rainha de bateria do aclamado Carnaval local. Marisol viveu em sua casa no Largo da Cruz e apesar de todos os dramas vivenciados, de tantas ousadias, sempre foi respeitada, admirada e devota fervorosa de Nossa Senhora das Mercês.

 

 Plateia que assitiu ao filme Vida Bandida, exibido no CCYA. Fotografia: Luiz Cruz.

Os diretores e autores do roteiro do filme Vida Bandida e Marisol. Fotografia: Luiz Cruz.

  

Dorothy Lenner, a atriz e dançarina que nasceu em Bucareste, Romênia, tornou-se tiradentina de coração. No palco do CCYA, apresentou os seus trabalhos e deixou plateias maravilhadas com sua arte. Conhecemos o butoh com esta artista, que ao longo de tantas décadas construiu trajetória ímpar, no Brasil e no exterior. Aprendemos bastante com Dorothy, com seus gestos, fala, olhar, sabedoria e arte. Alguns de seus trabalhos trataram das questões ambientais e existenciais, um dele foi o Percurso das Águas, encenado com a atriz Lara Dau Vieira.

 


Espetúculo Percurso das Águas, com Dorothy Lenner e Lara Dau Vieira, CCYA.

Fotografias: Luiz Cruz.

 

Ao longo dos anos, o CCYA abrigou inúmeras reuniões de interesse da comunidade, algumas delas para tratar dos projetos apoiados finaceiramente pelo BNDES – dentre eles o de Educação Patrimonial, que nos legou diversas ações e obras publicadas. Ao mesmo tempo em que promoveu exposições de artistas locais e as mais variadas atividades, como as oficinas para a confecção de tapetes para a Semana Santa e a de Confecção de Cruzes. Diversas ações da Educação Patrimonial aconteceram no CCYA, principalmente para os profissionais da Educação e para alunos, mesmo após o encerramento do apoio do BNDES.

Por certo período, o CCYA abrigou a Livraria Spix e Martius, uma iniciativa de Flávia Maggioli (1959-2022), jornalista, livreira e produtora executiva – com boa experiência na TV. Ao se transferir para Tiradentes, Maggioli já tinha construída parte de sua trajtória intelectural, permeada pela literatura, filosofia, arte e gastronomia. Autora da peça teatral Tiradentes meu amor, encenada no CCYA. A livraria foi um local significativo para o encontro, o diálogo, o bom café e apreciar excelentes livros e autores. Tempos bons e que enriqueceram nosso cotidiano e nossa sociabilidade.


 

Participantes de uma das diversas reuniões realizadas no CCYA para tratar

dos projetos apoiados pelo BNDES. Fotografia: Luiz Cruz.

 

 


Espetáculo da Oficina de Teatro Entre & Vista e Companhia de Inventos

para alunos da Rede Municipal de Ensino. Fotografias: acervo Educação Patrimonial.

  

                

Oficina de Confecção de Tapetes, com a professora Patrícia Monteiro, CCYA. Fotografias: Luiz Cruz.


Oficina de Confecção de Cruzes, com a artesã Lilia Fonseca, CCYA. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Professoras da Rede Municipal de Ensino de Tiradentes, CCYA. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Nas ações do CCYA ou nas promovidas pelos eventos, os temas mais variados foram abordados em seu palco, inclusive o teatro negro e o racismo. Somente cidadãos que sofreram na pele, nos ossos, no coração e na alma sabem o que isso pode implicar. Até hoje milhões de cidadãos vivem em situação econômica desfavorável, mas a arte, a cultura e a educação são os melhores instrumentos para o fortalecimento e propiciar melhorias da qualidade de vida, com identidade. Neste sentido, o CCYA foi o proponente junto ao PRONAC do projeto Recontando o Rosário, proposto e desenvolvido pelo Instituto Cultural Biblioteca do Ó e que possibilitou a criação do Congado de São Benedito.

 

Adilson Siquira, Maurício Tizumba, Maria Carolina Fecina Silva, Sérvulo Matias e Capitão Prego – encontro do “Tiradentes em Cena”, que tratou do tema: Teatro Negro – Representatividade e resistência. CCYA. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Memorável foi a cerimônia de entrega de prêmios ocorrida no CCYA, do projeto Contos da Cidade, idealizado pelos professores Luiz Cruz e Anna Karina Bartolomeu, que promoveu oficinas de leitura, interpretação e produção textual – tudo para celebrar os 300 anos de Tiradentes. O projeto contou com ampla parceria e premiou alunos e professores da Escola Estadual Basílio da Gama e das escolas da Rede Municipal de Ensino. Os textos premiados e selecionados foram publicados em caprichada edição, todos participantes se tornaram autores e contribuíram para marcar as comemorações do tricentenário da antiga Vila de São José. E claro, neste dia a boa música executada por jovens talentos da cidade, contribuiu para alegrar ainda mais a cerimônia. 


      

      

      

Cerimônia de entrega da premiação aos participantes do projeto Contos da Cidade – 300 anos de Tiradentes, com a participação de alunos da EEBG e da Rede Municipal de Ensino. Fotografias: Luiz Cruz.

 

Apresentação artística dos alunos da EEBG, na cerimônia de entregra

 da premiação do projeto Contos da Cidade – 300 anos de Tiradentes, no CCYA.

Fotografia: Luiz Cruz.

 

 

Acervo: Luiz Cruz.

 

Ao longo dos anos, ocorreram inúmeras apresentações nos palcos do CCYA, aqui seria impossível listar todas, isso ficará para futuro projeto de pesquisa acadêmica, que com certeza poderá gerar um belo resultado. Dentre as mais tocantes apresentações deste espaço cultural, sem dúvida são as realizadas pelos atendidos pela APAE de Tiradentes. Cada participante da plateia, após assistir as apresentações artísticas desta instituição de ensino, jamais será o mesmo, porque elas nos tocam, nos comovem e fazem refletir sobre a vida e cada um de nós enquanto cidadão e ser humano inserido em ambiente complexo. Quem ainda não teve este privilégio, programe-se, todo mês de dezembro o palco do CCYA se transforma no mais belo do Brasil, tudo encenado com arte, amor e muito encantamento.


                             

 

  

Apresentação artística dos atendidos da APAE-Tiradentes, CCYA. Fotografia: Luiz Cruz.


Atualmente, o CCYA é administrado por seu Conselho Deliberativo, presidido pela sócia fundadora Maria Lídia Montenegro. Duas salas do centro foram alugadas para gerar recursos para sua manutenção e outra abriga uma exposição permanente do Sesi Cultura, a manter exposto o acervo litográfico oriundo da Casa de Gravura Largo do Ó, do Instituto Cultural Biblioteca do Ó e peças do Museu de Artes e Ofícios, de Belo Horizonte, que é administrado pela FIEMG. Conta ainda com parceria da Prefeitura e do Sesi. Com recursos escassos, tem sido um desafio manter o CCYA devidamente preparado para tanta demanda. É com muita dedicação, carinho e diplomacia que a presidente Maria Lídia Montenegro tem conseguido tamanha façanha.

 

Acervo litográfico da Casa de Gravura Largo do Ó, 

no Espaço Sesi Cultura – CCYA. Fotografia: Luiz Cruz.

 

 Então, conforme colocado no papel, há 30 anos ou ao longo dos 25 anos de existência, o CCYA tem cumprido sua missão. No dia 17 de setembro de 2023, numa bela tarde, participamos do lançamento do livro Cordéis da nossa História  obra realizada com os recursos da Lei Municipal nº 3.481/2022, a Lei Dalma Fernandes Ferreira de Incentivo à Cultura  impecável, edição artesanal construída pelo artista visual Gabriel Leite. Conforme já referenciado, lançamentos de livros no centro cultural podem se tornar um acontecimento expressivo. Após a fala do artista editor, aconteceram apresentações do Artes Vertentes, do curso de iniciação musical e do Coro Viva Voz. Tudo transcorreu maravilhosamente bem. O jardim impecável e o entardecer luminoso contribuíram para tornar tudo mais bonito, exatamente como idealizado pelo arquiteto Glauco Campello, em 1993.

 

 Desenho da área interna do Centro Cultural Yves Alves,

projeto do arquiteto  Glauco Campello, 1993. Acervo: Luiz Cruz.

 

 



   

Lançamento do livro Cordéis da nossa História, construído pelo artista visual Gabriel Leite, numa ação do Artes Vertentes. Apresentação do curso de iniciação musical e Coro Viva Voz. Jardim do CCYA. Fotografias: Luiz Cruz.

 

E como sempre, quando os tiradentinos são contemplados, com suas habilidades e talentos, as famílias prestigiam e todos apoiam. Claro, sempre faz sucesso. E o jardim do CCYA fica até mais bonito. Glauco Campello acertou com as formas, os materiais, os volumes, as cores, os cheios e os vazios. Tudo isso só foi possível porque ele é um arquiteto moderno, com vasta experiência e larga compreensão da cultura arquitetônica recebida através do trânsito cultural. Tudo que aqui aportou, em termos de edificação, já contava com ampla aplicabilidade na Europa e em outras partes do mundo, condensada com subsídios de inúmeras influências e apropriações. Campello soube como poucos perceber e absorver tantas experiências recebidas, mas apropriadas e reestruturadas, com sabor e clima de brasilidade. Por isso, Glauco Campello é um arquiteto moderno e contemporâneo, é também vernacular, e sua experiência em Tiradentes nos prova isso.

Aqui, não há como deixar de registrar que a Collem Construtora também executou bom trabalho, seus técnicos entenderam perfeitamente os propósitos do projeto arquitetônico. As relações transcorreram de forma muito positiva e à Collem somos gratos pela atenção, companheirismo e sobretudo a compreensão das propostas. Gratidão aos técnicos e aos pedreiros, serventes, carpinteiros, serralheiros, pintores, elestricistas, jardineiros e tantos outros que atuaram nesse campo de obra e nos legou uma construção de boa qualidade e bonita.  Há que deixar registrados agradecimentos ao Eliseu Cruz e à Regina Carvalho dos Santos pelas duas décadas de suas vidas dedicadas ao CCYA – a eles, gratidão!

 

Membros do Conselho Deliberativo da CCYA – Eduardo Leser, Silvia Finguerut,

Glauco Campello e Flavia Frota. Fotografia: Luiz Cruz.


Nos séculos XVIII e XIX, a antiga Vila São José foi contemplada com harmoniosa malha urbana, onde se instalaram imponentes exemplares da arquitetura colonial brasileira, como o Chafariz de São José, a Casa de Câmara, a Cadeia, a Ponte de Pedra, a Capela de Nossa Senhora do Rosário, a Matriz de Santo Antônio e tantas outras – obras idelizadas e executadas por diversos mestres artífices, da melhor qualidade, dentre eles o Mestre Aleijadinho (1737-1814), que “riscou” a fachada da matriz, em 1810 – tudo dentro dos princípios do decoro e da formosura. Já no século XX a cidade foi agraciada por trabalhos do paisagista  Roberto Burle Marx e do arquiteto Glauco Campello. Burle Marx criou os projetos paisagísticos para os largos e cemitérios, através de iniciativa da Fundação Rodrigo Melo Franco de Andrade e sua presidente, Maria do Carmo Nabuco. Campello criou o projeto arquitetônico para o Centro Cultural Yves Alves, numa iniciativa da Prefeitura de Tiradentes e da Fundação Roberto Marinho. Enquanto isso, no século XXI, a cidade passa por acelerado processo de ocupação desordenada e forte impacto gerado pela especulação imobiliária, com a implantação de diversas anomalias urbanísticas, com os condomínios e os loteamentos – a comprometer o conjunto arquitetônico e urbanístico (tombado desde 1938), a paisagem, a biodiversidade, a mobilidade, os recursos hídricos e o glamour de nossa cidade.

Apesar de tudo, o CCYA segue a cumprir sua missão e tomara que as histórias dos próximos 25 anos sejam tão ricas e calorosas quanto foram as do seu primeiro quarto de século de existência.

 

Luiz Antonio da Cruz

Sócio fundador do CCYA

 

Referências:

 

CAMPELLO, Glauco de Oliveira. O brilho da simplicade: dois estudos sobre arquitetura religiosa  no Brasil colonial. Rio de Janeiro:  Casa da Palavra, 2001.

 

CAMPELLO, Glauco de Oliveira. Cadernos de Arquitetura.  Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2015.

 

CAMPELLO, Glauco. Estudos Preliminares – Centro Comunitário de Atividades Sociais dde Tiradentes. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1993.

 

CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: a história de uma nova linguagem na arquitetura (1930-60). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.

 

CRUZ, Luiz Antonio da. Recortes de Memórias. Tiradentes: IHGT, 2015.

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Publicações sobre patrimônio cultural e ambiental de Tiradentes e região - abordando o patrimônio material e imaterial.

Postagens mais visitadas.