Ponte do Cuiabá:

história, memória e desafios

 

 

Nós somos terra, nós somos água.

O nosso rio é Watu. Ele é o nosso avô.

 

Ailton Krenak, indígena mineiro da etnia krenaque, professor,

ambientalista, filósofo, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras.

 

 

Rio das Mortes, Tiradentes-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2021.

 

Ainda no século XVII, o rio que corta nossa região já era conhecido como Rio das Mortes. Circularam versões diferentes sobre sua denominação, mas a mais provável teria sido o perigo de sua travessia, quando se perdiam muitas vidas, principalmente nas ocasiões de cheias. Cruzar riachos, ribeiros, rios e vales sempre foi um desafio para o homem.

Dos inúmeros tratados arquitetônicos que circularam pela Europa antiga, o único que nos chegou, apesar das perdas, traduções e versões diferentes foi o De Architectura, de Marcus Vitruvius Pollio, que viveu no século I a.C. Descoberto em 1414, é o único tratado do período greco-romano que nos permite ter noção das orientações arquitetônicas, através dos seus dez livros. O Livro 8 é todo dedicado à água:

 

[...] No sopé dos montes e nas penedias, são mais abundantes e copiosas, sendo também mais frias e saudáveis. Nas fontes das planícies, toda-daquelas, são salobas, pesadas, tépidas, desagradáveis, com exceção daquelas que escorrem subterraneamente dos montes e irrompem no meio dos campos, onde, protegidas pela sombra das árvores, apresentam a suavidade das fontes das montanhas. [...] (Vitrúvio, 2007, p. 387). 


A partir do tratado De Architetura, de Vitrúvio, Leon Battista Alberti (1404-1472) redigiu o seu De Re Aedificatoria, concluído em 1452, editado em versões diferentes e com traduções diversas. Tratado composto por 8 livros, a considerar a arquitetura como um todo, com o cuidado em apresentar o passo a passo para a edificação, a escolha dos materiais, do modo de se construir e propõe reflexão para cada pormenor. No Livro IV – Edifícios para fins universais, Alberti dedicou às estradas e às pontes, que podem ser de madeira ou de pedra. Lá está o passo a passo para se edificar pontes sólidas a resistirem aos grandes volumes das águas dos períodos de cheias. Pontes com arcadas, colunatas e coberturas, conforme ilustrado em seu tratado.


       

 Alberti, Da Arte de Construir, Figura 12.

 

O arquiteto italiano Sebastiano Sérlio (1475-1554) publicou o seu tratado com o título Tutte l’Opere d’Architettura, que fez grande sucesso e provavelmente exemplares tenham circulado pela colônia brasileira. Tantos outros arquitetos e construtores tratadistas cuidaram do tema pontes e um deles, mais detidamente e com diversas pranchas, foi o italiano Andrea Palladio (1508-1580).

 

Pontes, do tratado de Sebastiano Serlio, Tutte l’Opere d’Architettura, edição de 1584.

 

 

Ponte, do tratado de Andrea Palladio, I Quattro Libri Dell’Archittetura, edição de 1570.

  

As mais diversas informações sobre a arte de construir pontes circularam e chegaram a todos os cantos. Portugal já detinha sólida experiência na edificação deste equipamento urbano com o emprego de diversos materiais, mas principalmente os rochosos. Ao norte do país, no distrito de Vianna do Castelo, na vila Ponte de Lima, sobre o rio com a mesma denominação, há uma extensa e imponente ponte com arcadas e nichos, toda construída em blocos rochosos. Junto a ela, no mesmo material se edificou abrigo para esmoler se proteger, enquanto atuava juntos aos transeuntes, nos períodos de chuvosa ou de frio.

 

Vista de Ponte de Lima, de autor desconhecido, meados do século XVII,

edição da Câmara Municipal de Ponte de Lima, Portugal. Acervo: Luiz Cruz.

 

 

Rugendas, Vista da ponte nova sobre o rio Paraibuna, na fronteira entre Rio de Janeiro e Minas Gerais. Desenho, nanquim e aguada sobre papel, 1824.

 

Ponte da Rua Direita ou Ponte de Areia sobre o Córrego do Catete, 1796. Mariana-MG. Foto: APM-Arquivo Público Mineiro – Seção de Fotos (1890-1900?) – sem autoria e data, possivelmente da primeira metade do século XX. (TEDESCHI, 2014, p.58).


Em Minas Gerais se construiu imponentes pontes em madeira e em materiais pétreos, algumas delas se encontram em Ouro Preto, Mariana, São João del-Rei e Tiradentes, executadas por expressivos mestres construtores como José Pereira Arouca, Manoel Francisco Lisboa, Francisco de Lima Cerqueira e outros. Johann Moritz Rugendas (1802-1858) ao circular por Minas, em 1824, registrou imagens da ponte sobre o Rio Paraibuna. Armada com madeira, sobre pilares de pedra e coberta com telhado.

 

Ponte de Antônio Dias, sobre o Córrego do Sobreira, também conhecida como Ponte dos Suspiros ou de Marília, Ouro Preto-MG. Obra arrematada em 1755, por Manoel Francisco Lisboa. Fotografia: Luiz Cruz, 2023. 

 

Para a travessia do Rio das Mortes, o franco-português, fazendeiro, minerador e vereador Marçal Casado Rotier (?-1767) construiu uma ponte de madeira, na década de 1730, no Porto Real da Passagem, entre as vilas irmãs: São José e São João del-Rei. Ainda subsiste uma fotografia desta ponte com o telhado, conforme descrita pelo viajante francês Auguste De Saint-Hilaire:

 

Em Porto Real atravessa-se esse rio por uma ponte de madeira, de aspecto assaz pitoresco, com largura bastante apenas para um carro de bois, e que é abrigada como as da Suíça, por um pequeno telhado de telhas ocas sustentado por postes. O trânsito humano é fixado em 80 réis (50 cents) e o de animais em 160 réis (1 franco). Esse pedágio, é, como todos os outros, estatuído pelo fisco. (SAINT-HILAIRE, 1974, p.109).

 

O reverendo Robert Walsh, em 1828, também atravessou a Ponte do Porto Real e anotou:


[...] chegamos à ponte sobre o Rio das Mortes, consistia numa decrépita estrutura de madeira, com piso cascalhado e uma coberta com um telhado em toda a sua extensão. O pedágio cobrado era exorbitante, considerando-se o lugar – uma pataca por homem a cavalo. O rio ali tinha cerca de sessenta metros de largura; suas águas se mostram sujas por causa do barro vermelho mantido em suspensão devido ao cascalho lançado nelas durante o processo de extração do ouro. (WALSH, 1985, p. 73).

 

Outros viajantes estrangeiros e brasileiros passaram e deixaram suas observações sobre a Ponte do Porto Real, principalmente sobre a falta de manutenção e seu estado de ruína.


Ponte de madeira do Porto Real da Passagem, sobre o Rio das Mortes.

Fotografia: acervo Osni Paiva. (CRUZ, 2016, p. 21).

 

Para a travessia do Ribeiro Santo Antônio, a Câmara mandou construir a Ponte das Forras, que acabou mais conhecida como Ponte de Pedra. Sólida edificação com elementos pétreos aparelhados, em duas arcadas separadas e com a quilha, a seguir os preceitos veiculados na tratadística. Foi realizada entre o final do século XVIII e início do XIX, tendo à frente da empreitada o sargento-mor João Antônio de Campos, que teve ampla atuação em diversas obras da localidade.

 

Ponte de Pedra sobre o Ribeiro Santo Antônio, arcos e quilha,

Tiradentes-MG. Fotografia: Relíquias da Terra do Ouro, década de 1940.

 

Ponte de Pedra, detalhe do arco e da quilha, Ribeiro Santo Antônio,

Tiradentes-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2010. 

 

Ainda na antiga São José, outra ponte de madeira foi construída sobre o Rio das Mortes, a Ponte do Cuiabá. A denominação decorre da região, toda parte baixa da cidade era chamada de Cuiabá e mais especificamente de Cuiabá de Baixo e Cuiabá de Cima. Informações sobre ela foram registradas por ocasião da visita de Dom Pedro I, no dia 19 de janeiro de 1881, publicadas na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro:

 

A’s 10 horas e três quartos da manha de hontem chegaram Suas Magestades Imperiaes à ponte do Cuiabá, na proximidade da villa de São-Jozé, vindo acompanhados do ouvidor da comarca, de grande numero de oficiaes militares da segunda linha, tanto d’essa villa como da do São João d’El-Rei, e de uma companhia de cavalaria da segunda linha, para servir-lhes de guarda, que as Suas Magestades Imperiaes na caza do cobrador dos direitos de passagem, e se prepararam para fazer a sua entrada, a qual  se verifica depois do meio-dia, por entre uma inumerável multidão de pessoas de todas as classes, sexos e idades, que incessantemente repetiam vivas a Suas Magestades Imperiaes e Constitucionaes, a Sua Magestade a Imperatriz, à imperial família, à religião, à constituição, o que  também fez um corpo de tropa de infantaria da segunda linha, que se achava formada em uma praça da villa comandada pelo seo major. (Revista do IHGB, Tomo LX, Parte I, RJ, 1897, Viagem do Imperador D. Pedro I a Minas-Geraes - 1830-1831, p.318-383). (grifo nosso). 

 

Conforme o registro, as autoridades imperiais fizeram uma parada, na casa do cobrador dos direitos da travessia, para o preparo da entrada triunfal na vila. Conforme ocorria na Ponte do Porto Real, cobrava-se pedágio para se cruzar a ponte aqui também. 

    

Mapa: Tiradentes-MG, 1939, detalhe indicativo da Ponte do Cuiabá.


Da citada casa do “cobrador”, não há mais referência. Da ponte antiga de madeira subsistem fragmentos de peças no leito do Rio das Mortes.

A ponte antiga foi substituída por outra de concreto, edificada entre 1924 e 1925, no mandato de Presidente de Minas Gerais, o sabarense, advogado e político Fernando de Mello Vianna (1878-1954). Em 1925, Mello Vianna esteve em Tiradentes para a inauguração da ponte, que recebeu o seu próprio nome. (TIRELLI DIAS, Inconfidência, 1999, p.4).

 

Fernando Mello Vianna, Presidente de Minas Gerais. Fotografia: Fundo Correio da Manhã.

  

Estruturada com arcos e dois vãos, entre eles existiram postes para a iluminação, e mureta de proteção, onde se encontrava a placa inaugural. Era estreita, com pista única. Esta ponte serviu de modelo para outros exemplares construídos em Minas Gerais e que aos poucos foram substituídas.

A ponte atraia muitos tiradentinos, principalmente nos períodos das enchentes. Lá iam para acompanhar o volume das águas, quando subiam rápido, ou se demoravam a escoar. Ponto de encontro de muitos pescadores, que passavam horas à espera de um peixe no anzol, ou de jovens que lá nadavam – pulavam da ponte e nadavam até a Viturina, onde existia uma praia do rio, área tradicional de lazer, infelizmente vendida pela prefeitura e atualmente fechada ao público.

Com o passar do tempo, a ponte recebeu pequenos reparos em sua laje, em consequência da oxidação da ferragem e perdas de fragmentos de concreto. Em alguns deles foram inseridas chapas metálicas para obter melhor resultado. Ainda, teve intervenção em sua superestrutura para a passagem da tubulação da Copasa, para o abastecimento de água potável. Durante muitos anos, com suas bombas, a Copasa captou água junto à essa ponte.

Diante a precária situação de conservação, a partir de 1994, a Prefeitura de Tiradentes encaminhou solicitações ao governo de Minas para a realização de obra de maior porte nesta ponte, por ela ser o principal acesso ao centro da cidade.


Ponte Mello Vianna sobre o Rio das Mortes. Fotografia: Luiz Cruz, 1994.


Ponte Mello Vianna sobre o Rio das Mortes. Fotografia: Luiz Cruz, 1995.

 

Populares a acompanhar a cheia do Rio das Mortes. Fotografia: Luiz Cruz, 1997.

 

Populares a acompanhar a cheia do Rio das Mortes. Fotografia: Luiz Cruz, 1997. 

 

Durante o mês de janeiro de 1997, ocorreram chuvas torrenciais na região e acarretaram grande cheia do Rio das Mortes. Em fevereiro, às vésperas do Carnaval, a laje, a mureta e o arco da margem esquerda desabaram, a criar situação de precariedade da mobilidade, para os moradores, trabalhadores e turistas. 

 

Obstrução da ponte que teve parte desabada em fevereiro de 1997.

Fotografia: Luiz Cruz.

 

Pilar da Ponte do Rio das Mortes com a vão desabado em fevereiro de 1997.

 Fotografia: Luiz Cruz.

 

A travessia do Rio das Mortes passou a ser feita, então, a barco. O Sô Oscar, morador do Bairro Várzea de Baixo, estendeu uma corda de guia, com o apoio de seus filhos, prestou trabalho elementar, que propiciou a muitos homens e mulheres a travessia do rio, exatamente como ocorria no final do século XVII e início do XVIII.

 

Travessia do Rio das Mortes a barco. Fotografia: Luiz Cruz, 1997.

 

A travessia a barco foi muito útil, até que o Exército montou uma ponte metálica provisória para facilitar a mobilidade dos transeuntes. Assim, as escolas puderam retomar suas atividades. Todos os veículos chegavam somente até a Praça da Estação.

 

Ponte metálica provisória sobre o Rio das Mortes. Fotografia: Luiz Cruz, 1997.

 

Retorno às aulas, após a instalação da ponte metálica sobre o Rio das Mortes.

Fotografia: Luiz Cruz, 1997.

 

Imediatamente após a montagem da ponte metálica, ocorreu tentativa de se construir ponte provisória de madeira, com o emprego de eucalipto tratado. Porém, a proposta foi abandonada. Logo as obras da nova ponte foram iniciadas e tocadas com celeridade. O módulo, com laje, arco e mureta que resistiram à força das águas, logo foi demolido, enquanto o bloco e o encontro da margem esquerda eram construídos.

 

Tentativa de construção de ponte provisória. Fotografia: Luiz Cruz, 1999.


Demolição do segundo módulo da Ponte Mello Vianna. Fotografia: Luiz Cruz, 1997.

 

Início das obras da nova ponte de concreto sobre o Rio da Mortes e

a bomba de captação de água da Copasa. Fotografia: Luiz Cruz, 1997. 

 

Havia necessidade para se construir a nova ponte o mais rápido possível, pois a economia da cidade já estava totalmente dependente do turismo. A edificação teve execução em pouco tempo e a mobilidade foi assegurada. Até o presente, a nova ponte não apresentou problema. Embora, esteticamente poderia ganhar um visual mais condigno com sua história e com as características da cidade. 

Ponte sobre o Rio das Mortes. Fotografia: Luiz Cruz, 2021.

 

Em momento algum se preocuparam com os escombros da Ponte Mello Vianna, parte desabada e parte demolida. Tudo foi parar na calha do Rio das Mortes. Nada foi removido. Ali que sempre fora ponto de encontro de pescadores e onde muito jovens nadavam, acabou por se tornar local proibido para qualquer atividade, principalmente pelo perigo de se ferir com a ferragem exposta da antiga ponte. A antiga e bela placa inaugural, de 1925, ficou submersa e como se trata de elemento documental, coube ao Corpo de Bombeiros Voluntários de Tiradentes-SCBVT fazer o seu resgate. Para a operação com segurança, os Voluntários montaram um esquema especial, a evitar incidentes. Posteriormente, em assembleia da SCBVT, decidiu-se por sua doação ao Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes. Atualmente, esta placa se encontra exposta na sede do Escritório Técnico do IPHAN-Tiradentes.

 

A placa inaugural da Ponte Mello Vianna no dia que foi

retirada dos escombros do leito do Rio das Mortes. Fotografia: Luiz Cruz, 1997. 

 

Qualquer intervenção em margens de rio pode gerar impacto. Não foi diferente com a ação das águas após o desabamento da antiga ponte. Acompanhamos e registramos as tentativas da Copasa em conter os desmoronamentos da margem esquerda do Rio das Mortes, onde se captava água para o abastecimento de Tiradentes.

 


    
 Margem esquerda do Rio das Mortes, obras de contenção. Fotos: Luiz Cruz, final da década de 1990.       

 

Com todos os escombros na calha do Rio das Mortes, este trecho acabou por se conformar numa verdadeira armadilha fatal para os desinformados. Tivemos o caso de um homem que se atirou da ponte e teve seu crânio perfurado por ferro da ponte antiga. Diante situação de grave risco, o resgate do corpo ficou por conta dos bombeiros militares. Registramos para alertar que aquele trecho precisa de um projeto para sua desobstrução, para assegurar o bom fluxo das águas e evitar tragédias como a ocorrida.

No meio de tantos destroços se encontram vestígios da Ponte do Cuiabá – em madeira, da Ponte Mello Vianna, em concreto e muito material carreado pelas águas do Rio das Montes, especialmente nos períodos das cheias.

 

Corpo do homem que se atirou da ponte. Fotografia: Luiz Cruz, 2002.

 

Madeira da ponte antiga e escombros da Ponte Mello Vianna. Fotografia: Luiz Cruz, 2021. 

 

Com a nova obra, ocorreu a mudança do nome do equipamento, que passou a se chamar Ponte Venerando Moreira Garcia. A obra teve execução na gestão do prefeito Elvio Garcia, mandato de 1997/2000. Venerando Moreira Garcia era comerciante de antiguidades e pai do então prefeito. Nem Ponte do Cuiabá, conforme foi denominada por cerca de 200 anos, nem Ponte Mello Vianna, agora é Ponte Venerando Moreira Garcia, mas ninguém se refere a ela com tal denominação; sim, como Ponte do Rio das Mortes ou quando necessário mais especificação: Ponte da Estação. Com as mudanças e o total descaso, o elemento arquitetônico perdeu expressividade e identidade cultural.

Pior ainda, é que esta ponte funciona como uma cortina para esconder esgoto a céu aberto. Nossa saudosa avó Maria dizia que “quando se quer esconder coisa feia, sem resolver o problema, enfie debaixo do tapete vermelho”. A atual ponte sobre o Rio das Mortes tem funcionado como o Tapete Vermelho para a Copasa desaguar o esgoto da cidade. Assim, promove situação inacreditável de condições ambientais neste trecho do famoso e histórico Rio das Mortes. Quando as águas diminuem o odor forte e acre, acaba insuportável e as águas contaminadas. É neste período que ao passar pela ponte, várias pessoas nos alertam pela precariedade e falta de respeito com o Meio Ambiente. A ponte funciona perfeitamente bem como o Tapete Vermelho e por enquanto não prejudica o “turismo”, por isso, está tudo perfeito. É só problema para ambientalista e para os amantes da pescaria.

A isso é necessário adicionar outro grave problema, pouco acima do rio, há a atuação de dragas de garimpo de ouro. Tudo a funcionar sem nenhuma objeção, sem qualquer preocupação ambiental. Vítima são as águas do Rio das Mortes que correm silenciosamente e passam por debaixo do Tapete Vermelho de Tiradentes.

 

Placa inaugural da Ponte Venerando Moreira Garcia, inaugurada a

 3 de outubro de 1997. Fotografia: Luiz Cruz, 2022.

 

Materiais lenhosos e lixo retido no pilar da Ponte do Rio das Mortes.

 Fotografia: Luiz Cruz, 2022.

  

Esgoto da cidade de Tiradentes despejado no leito do Rio das Mortes,

debaixo da ponte. Fotografia: Luiz Cruz, 2022.

 

Esgoto da cidade de Tiradentes despejado no Rio das Mortes,

debaixo da ponte, ou do Tapete Vermelho. Fotografia: Luiz Cruz, 2022.

 

Bota-fora de esgoto in natura feito pela Copasa, Rio das Mortes, Tiradentes

Fotografia: Luiz Cruz, 2022.

 

Longo tempo se passou com muito material lenhoso preso no pilar da ponte; finalmente a Prefeitura de Tiradentes montou uma operação para sua desobstrução. Removeu ou empurrou para a calha do rio para ser levado pelas águas, até se parar em outro ponto mais adiante. Apesar de tudo, foi boa ação e facilitou o melhor fluxo das águas.

 

Material lenhoso e lixo retido no pilar da Ponte do Rio das Mortes.

Fotografia: Luiz Cruz, 2022.


Operação da Prefeitura de Tiradentes para a remoção de material lenhoso

 e lixo do Rio das Mortes. Fotografia: Luiz Cruz, 2023. 

 

Operação da Prefeitura de Tiradentes para a remoção de material lenhoso

 e lixo do Rio das Mortes. Fotografia: Luiz Cruz, 2023. 

 

Operação da Prefeitura de Tiradentes para a remoção de

material lenhoso e lixo do Rio das Mortes. Fotografia: Luiz Cruz, 2023. 

 

Sem dúvida, tal iniciativa da Prefeitura de Tiradentes foi positiva e minimiza o impacto das águas nas margens do rio. Porém, o grave problema continua no leito do Rio das Mortes, com as ferragens expostas e tantos escombros da ponte de concreto, das partes desabada e da demolida. Tudo se encontra lá, como uma armadilha de “guerra” a espera por um incauto e transformá-lo em vítima fatal.

E o Tapete Vermelho continua a funcionar perfeitamente bem para esconder o bota-fora de esgoto da Copasa. Pagamos sobre a taxa de consumo de água mais 74% para a coleta de esgoto, que é jogado no Ribeiro Santo Antônio, nos córregos e no Rio das Mortes in natura. Todos os cursos d’água da cidade estão poluídos e fétidos, mas cada consumidor recebe uma conta mensalmente. Caso atrase o pagamento, logo vem a multa e até mesmo o corte do fornecimento da água.

  A quem pedir socorro?

  À Copasa?

  À Prefeitura?

  À Câmara Municipal de Tiradentes?

  Ao Governo do Estado de Minas Gerais?

– À Polícia Militar do Meio Ambiente-PMMG?

  Ao Ministério Público Estadual ou ao Federal?

Socorro, Tiradentes precisa ser socorrida!

A população de Tiradentes acaba por pagar por um “desserviço”, mas todos passam por cima do Tapete Vermelho e fingem não ver nada, fingem não sentir o odor fétido e podre do esgoto a céu aberto.

A Copasa passou a captar água no Rio Elvas, que recebe menos poluição. Mas a empresa não realiza nenhum projeto de proteção de suas nascentes e das matas ciliares. Capta, trata, distribui e cobra a taxa.

 

Rio Elvas, captação de água pela Copasa. Fotografia: Luiz Cruz, 2022.

 


 Rio Elvas, onde a Copasa faz a captação de água. Fotografia: Luiz Cruz, 2022.

 

Segunda tentativa da Copasa em construir uma ETE, obra embargada.

Fotografia: Luiz Cruz, 2020. 

 

Nas tentativas da Copasa para a construção da ETE-Estação de Tratamento de Esgoto, em Tiradentes, apareceram advogados a representar empresários locais, com ações para impedir tal iniciativa, independentemente de projeto técnico e recursos a serem aplicados. Curioso, os anos se passaram, não temos ETE e não temos advogados para tomar iniciativas para resolver o problema da poluição de todos os cursos d’água de Tiradentes, que recebem esgoto in natura. Nem do Ribeiro Santo Antônio, que passa pelo centro antigo, ou melhor, passa pelo “coração da cidade” coleta o esgoto e deixa aquele odor típico e forte.

 

Rio das Mortes e suas matas ciliares. Fotografia: Luiz Cruz, 2022.

 

O Rio das Mortes e o Ribeiro Santo Antônio como recursos naturais, componentes de nossa história, poderiam se tornar elementos turísticos, da maior relevância. Mas desde que recebam atenção e projetos ambientais condignos. Da nascente em Barbacena até seu encontro com o Rio Grande, o rio percorre 278 quilômetros e passa por 16 municípios. O Ribeiro Santo Antônio nasce no sopé da Serra de São José e deságua no Rio das Mortes. A partir das comunidades indígenas pioneiras que ocuparam diversos pontos ao longo do rio, ao passar pelas jornadas dos bandeirantes à procura de ouro e pedras preciosas, dos conflitos “emboabas” e do “Capão da Traição”, da navegação, das matas ciliares, dos casos de pescadores, dos tormentos causados por suas enchentes, por ser abrigo de exuberante fauna e flora, da história das travessias – desde as primitivas canoas, pinguelas, pontes provisórias, aos belos tratados arquitetônicos que ensinaram a edificar pontes sólidas e resistentes às intempéries. Tudo isso se constitui tema para um programa de Educação Ambiental e Educação Patrimonial, consequentemente, bem conduzidos, poderão ser componentes de atrativos turísticos – para um turismo mais consciente, maduro e de melhor qualidade. São inúmeras possibilidades, inclusive de rotas para se observar as comunidades de aves e de libélulas.

   


Libélulas registradas nas margens do Rio das Mortes e do Ribeiro Santo Antônio.

Fotografias: Luiz Cruz, 2023.

 

Enquanto não temos projetos para o Rio das Mortes, nem coleta adequada e nem tratamento de esgoto – apesar da comunidade pagar mensalmente, tudo acaba debaixo do Tapete Vermelho; não vemos nada, nem sentimos odor nenhum. Está tudo bem, porque ainda não afeta o “turismo”. Assim, só o bolso sente o peso dos 74% a mais na conta da Copasa. Vida que segue, poluída e cheia de ilusões...

Luiz Antonio da Cruz


Agradecimentos: André Guilherme Dornelles Dangelo, Adriana Carvalho, Eliseu Henrique da Cruz, Magno Moraes Mello, Mônica Lage, Maria José Boaventura, Osni Paiva, Ronaldo Silva, Valmir de Paula Santos.

 

 Referência:

ALBERTI, Leon Battista. Da arte de Construir – Tratado de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo: Hedra, 2012.

CRUZ, Luiz Antonio da. Recorte de Memórias. Tiradentes: IHGT, 2015. 

CRUZ, Luiz Antonio da. Serra de São José – Educação Patrimonial. Tiradentes: Mandala Produção, 2016. 

CRUZ, Luiz Antonio da., BOAVENTURA, Maria José. Glossário do Patrimônio de Tiradentes. Tiradentes: IHGT, 2015. 

DIENER, Pablo., COSTA, Maria de Fátima. Rugendas e o Brasil. Rio de Janeiro: Capivara, 2012. 

MARTINS, Judith. Dicionário de artistas e artífices dos séculos XVIII e XIX em Minas Gerais. Rio de Janeiro: Publicações do IPHAN, MEC, 1974. 

POLLIO, Vitruvius. Tratado de arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 

SAINT-Hilaire, Auguste de. Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil.  Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1974. 

TEDESCHI, Denise Maria Ribeiro. Águas Urbanas: as formas de apropriação das águas em Mariana-MG. Dissertação de Mestrado em História. Campinas: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 2014. 

TIRELLI DIAS, Maria Stella Vianna. 1.925 Ponte Dr. Fernando Mello Vianna. Tiradentes: Inconfidências, Ano 4, 1999, nº 24, p. 04. 

WALSH, Robert. Notícias do Brasil (1828-1829). Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1985.

 

 

 

 

 

 

Comentários

  1. Texto esplêndido, objetivo e carregado de cultura. Parabéns pela publicação!!

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    1. Muito obrigado por sua presença aqui. O tema é fabuloso e pode gerar diversas possibilidades de abordagem. Fico feliz por ter gostado. Abraço

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  2. Que riqueza de informações, num texto impecável, que traz profundas reflexões sobre as pontes, com destaque para a Ponte da Estação, como a nomeio. Luiz Cruz é um expert em retratar a realidade que muitos não querem enxergar. Parabéns pelas explicações e pela transmissão desse rico conhecimento. Aplausos!

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    1. Thonny, Muito obrigado por sua presença aqui. Você que é homem das LETRAS e de cultura refinada, só me dá orgulho por este retorno. O tema é rico. As pontes antigas são elementos da maior importância para a mobilidade do homem e a elas precisamos considerar as águas, essenciais para a vida. Tenho certeza de que você já parou o observou inúmeras pontes, tanto no Brasil quanto nos países visitados. Receba meu abraço

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  3. Parabéns Luiz, artigo bem escrito e cheio de referências interessantes. Vamos ver se conseguimos ir visitar as nascentes do Rio das Mortes ainda em 2023!! E de alguma forma tentar interagir com os Comitês de Bacias Hidrográficas do Rio Grande/Rio das Mortes, existem iniciativas de recuperação, proteção e educação ambiental com recursos dos usuários pagadores (Copasa é uma deles), abs.

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    1. Paulo, gratidão por sua presença e registro aqui. Seu convite é bem vindo. Precisamos organizar expedições distintas para visitar e avaliar as condições das nascentes do Rio das Mortes, do Rio Elvas, do Ribeiro Santo Antônio, dos córregos do Pacu, Chafariz e do Mangue. Depois dos outros cursos d'água que também estão poluídos. Será uma jornada e tanto, mas necessária. Afinal, sem ter noção exata das nascentes e das matas ciliares fica difícil propor alguma medida de proteção. Abraço

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