Tiradentes...
Caminho
de ouro, caminho de prata,
Casas
e casarões em branco
A
perder de vista...
E
claras são as águas,
E
de azul bem claro é seu infinito,
E
verdes as palmeiras,
E
verde, bem verde,
“Este
presépio verde”.
Maria
Aparecida do Nascimento - Tiradentes,
Recital
de Textos sobre o Meio Ambiente, 1988.
Ribeiro Santo Antônio e a Ponte de Pedra. Foto da década de 1940, em Relíquias da Terra do Ouro, de Edgard de Cerqueira Falcão.
Os
paulistas circularam pelos Sertões dos Cataguases para aprisionar indígenas e
para as pesquisas minerárias, em busca das jazidas de ouro e de pedras
preciosas. Eram homens brutos, caminhavam descalços e falavam a língua geral. Porém,
tiveram o cuidado para negociar com a Coroa Portuguesa sobre a propriedade das
terras auríferas. Quem as encontrasse, seria o proprietário.
As
Bandeiras adentraram os matos a seguir as antigas trilhas indígenas, subiam
serras, atravessavam campos, rios e córregos, adentravam florestas, passavam
por todos os desafios de um território inóspito, mas ocupado por povos nômades
de diversas etnias. Enfrentaram animais ferozes e peçonhentos. Ao longo das
trilhas, faziam paradas. Nestes pontos, sugiram os arraiais pioneiros. Foi o
caso da primeira ocupação da região do Rio das Mortes, o Arraial de Santo
Antônio, onde se encontrou ouro pela primeira vez num riacho, logo denominado
Ribeiro Santo Antônio – isso deve ter ocorrido nos últimos anos do século XVII.
Arraial era uma ocupação transitória, poderia ou não se consolidar. O Arraial
de Santo Antônio prosperou exatamente por terem encontrado o tão almejado metal
precioso.
Núcleo
antigo de Tiradentes, no primeiro plano uma pinguela sobre o Ribeiro Santo
Antônio. Fotografia da década de 1940, em Relíquias da Terra do Ouro, de
Edgard de Cerqueira Falcão.
A
localidade sempre foi privilegiada, com a Serra de São José, o Rio das Mortes e
o Ribeiro Santo Antônio. Entre a serra e o rio, instalaram o arraial e a
primeira data dessa localidade que se pode referir com exatidão é 19 de janeiro
de 1718, quando foi elevado à categoria de vila, com a denominação de São José.
A seguir os princípios adotados pelos portugueses, do decoro e da formosura,
edificaram a matriz e no entorno dela se desenvolveu a malha urbana. O que
herdamos disso foi um “Presépio verde”, conforme o poema que abre este ensaio.
O
Ribeiro Santo Antônio nasce no sopé da Serra de São José, desce e atravessa o
núcleo urbano da cidade e deságua no Rio das Mortes. Antes, recebe as águas de
seus afluentes, dos córregos do Pacu, do Chafariz, do Cuiabá, do Canjica, do
Pocinho da Matriz, das Forras e da Sá Ritinha. Por meio dos princípios do
Direito Romano, em nossas vilas setecentistas, as margens dos córregos e
riachos eram livres, com acesso para todos os moradores. As ruas mais próximas
a esses fluxos d’água recebiam o nome de Rua da Praia, neste caso a praia dos
riachos ou rios.
Muito
além do ouro, o Ribeiro Santo Antônio teve relevância na vida cotidiana dos
moradores da antiga Vila de São José. Este elemento geográfico esteve ligado ao
lazer e ao entretenimento, pois era nele que os meninos aprendiam a nadar e
onde se pescava. Peixes para suprir a proteína da alimentação de muitas
famílias. Quem tinha pescado mais chegava a trocar por outro ingrediente.
Crescemos a ouvir tantas histórias dos velhos moradores da cidade a nos contar
sobre a vida difícil propiciada pela crise econômica de Tiradentes,
principalmente nas primeiras décadas do século XX. Ouvimos atentamente os casos
contados por Antônio Nogueira, Regina Conceição e outros.
Para a travessia do Ribeiro Santo Antônio, construíram algumas pontes em madeira, a única substituída por blocos rochosos foi a que conecta o Largo das Forras com o Largo das Mercês, na transição do século XVIII para o XIX. Ela ficou imponente, em dois arcos plenos, com quilha, guarda-corpo, plataforma e frades em blocos rochosos, a predominar os areníticos, com a inserção de alguns em xisto. As pontes em arcos plenos e abatidos podem ser apreciadas em outras localidades, principalmente em Ouro Preto e São João del-Rei. Foram obras executadas pelos mestres construtores portugueses, como Francisco de Lima Cerqueira, Manoel Francisco Lisboa e José Pereira Arouca. Porém, todo trabalho pesado, de cortar os blocos, desbastar e transportar os materiais para os campos de obras ficava a cargo dos escravizados.
Ponte
das Forras, ou Ponte de Pedra, em arcos plenos, sobre
o Ribeiro Santo Antônio, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.
A
ponte das Forras, mais conhecida como Ponte de Pedra, é um belo exemplar da
nossa arquitetura civil, tem proteção através do Conjunto Arquitetônico e
Urbanístico de Tiradentes, desde 1938 e tombamento individual, através do
Conselho Municipal de Políticas Culturais e Patrimônio.
As pontes de madeira da área urbana, aos poucos, foram substituídas por pontes em concreto, como a Ponte do Ribeiro – Coronel Arthur N. de Souza, de 1926. A Ponte do Matadouro passou inclusive por obra para ser alargada, em consequência do aumento do fluxo de trânsito. A Ponte do Chafariz teve obras, até que na última, quando se executou o projeto paisagístico de Roberto Burle Marx, recebeu o guarda-corpo em blocos pétreos. Na Ponte do Cuiabá de cima o córrego foi canalizado e no Cuiabá de baixo, também foi substituída por concreto. Sobre o Ribeiro Santo Antônio subsistem duas pontes em madeira, a do Três Paus, que dá acesso à Trilha do Carteiro e a de cima, na Trilha do Gualter, juntamente com uma pinguela.
Placa e detalhe da Ponte Artur N. de Souza, Ribeiro Santo Antônio, Tiradentes. Fotografias: Luiz Cruz.
Córrego do Chafariz, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz, 2022.
Placa da obra de ampliação da Ponte do Matadouro, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz, 2022.
Ponte da Trilha do Gualter, em madeira, sobre o
Ribeiro Santo Antônio e pinguela. Fotografias:
Luiz Cruz.
O
Ribeiro Santo Antônio é um elemento natural significativo para a cidade. Mas
nem sempre recebeu a atenção devida, principalmente após os impulsos econômicos
advindos do turismo. Na “era da prata”, artesanato que gerou muitas oportunidades
de trabalho e a divulgação da cidade como expoente da ourivesaria herdada dos
setecentos. Houve oficina que transformou o Ribeiro Santo Antônio como extensão
e lavava seus produtos com ácido sulfúrico em suas águas, sem qualquer
preocupação. Os trabalhadores enfrentavam aquela nuvem ocre avermelhada, com
odor forte e nauseante, todos sem EPI – Equipamento de Proteção Individual.
Agora, ao relembrar aquelas cenas, podemos compreender melhor o que é mão de
obra semi-escravizada, porque ninguém não tinha nenhum direito assegurado e era
comprometedora a situação de trabalho. Naquela ocasião, a prefeitura plantou uma
cerca viva, de cipreste, para que os transeuntes não pudessem vê-la.
Com o
passar do tempo e a queda da qualidade do artesanato de “prata”, tudo desandou
e a credibilidade desmoronou. Hoje, há apenas uma oficina dedicada a este tipo
de artesanato.
Ribeiro Santo Antônio e fundos de oficina de prataria, Tiradentes, década de 1980. Fotografia: Luiz Cruz.
Com o
aumento do fluxo de turismo e da circulação de veículos, a Ponte de Pedra foi
colidida diversas vezes, a causar danos aos seus elementos construtivos. Até
que tomaram as providências com a instalação de redutores, assim evitar a
passagem de veículos maiores e pesados sobre este elemento arquitetônico.
Parapeito da Ponte de
Pedra, danificado em consequência de colisão de veículo, 2013. Fotografia: Luiz
Cruz.
Fundada
em 1980, a SAT – Sociedade Amigos de Tiradentes, em parceria com o IHGT –
Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes, realizou diversas campanhas para
alertar sobre os problemas ambientais que a cidade passava com o crescimento do
turismo. Em 1988, no Antigo Fórum, aconteceu o Recital de Textos sobre o
Meio Ambiente”, com poemas e crônicas de Maria Aparecida do Nascimento,
Arlete Trindade do Nascimento, Renata Leite Acedo, Ágda Barbosa, Geraldo
Alcântara, Gilmar Malta, José Carlos Carvalho Gomes, João Carlos Capua, Milton
Silva, Dôra, Geraldo Xisto e Elizete Regina Reis da Costa. Os problemas ambientais
afloravam, a população compreendia e manifestava o seu descontentamento. Este recital
de textos foi um grande sucesso e ficou na memória de quem teve oportunidade em
colaborar e assistir.
Limpeza das margens do Ribeiro Santo Antônio, Tiradentes, década de 1980. Fotografia: Luiz Cruz.
O turismo em Tiradentes foi insipiente na década de 1960, na década 1970 começaram a surgir os primeiros serviços. Já a partir de 1990, podíamos perceber através das condições ambientais do Ribeiro Santo Antônio a acelerada expansão do turismo e seus serviços. Evidentemente, com os grandes eventos, a problemática virou uma tragédia ambiental. O ribeiro teve seu fluxo de água diminuído e perdeu a capacidade de conduzir naturalmente o esgoto para o Rio das Mortes. Virou uma vala de esgoto a céu aberto no período da seca.
Ao
longo do curso do ribeiro construíram barragens para o acúmulo e queda das
águas, assim ganhar dinâmica. Isso funcionou bem por décadas consecutivas, mas
na gestão de 1989-1992, as barragens formadas por blocos rochosos e trilhos de
ferro foram removidas, depois de causar danos, principalmente o assoreamento da
calha do ribeiro.
Trilho de ferro da barragem do Ribeiro Santo Antônio, Tiradentes, década de 1990. Fotografia: Luiz Cruz.
Diante das ocupações indevidas e intervenções inadequadas, a SAT tentou contribuir para amenizar os problemas e trouxe à cidade especialistas para orientar. Um deles foi o engenheiro Ricardo Castello Branco, que acabava de chegar de uma especialização no exterior. Através do Informativo Inconfidências, a SAT veiculava suas preocupações e oferecia subsídios para minimizar os impactos, principalmente no Ribeiro Santo Antônio, que em sua calha jogavam entulho de construção e até fizeram desvio de seu leito. Apesar das tentativas, pouco adiantou.
Encontro do Córrego do Pacu com o Ribeiro Santo Antônio e o engenheiro Ricardo Castello Branco, Tiradentes, década de 1990. Fotografia: Luiz Cruz
Desvio do Ribeiro Santo Antônio e o engenheiro Ricardo Castello Branco, Tiradentes, década de 1990. Fotografia: Luiz Cruz
A
primeira tentativa para canalizar o esgoto do Ribeiro Santo Antônio ocorreu com
a Administração 1997-2000, executada por funcionários da própria prefeitura.
Obra sem nenhum fundamento técnico, com manilhas de cerâmica assentadas sobre a
terra, junto às margens, com revestimento de concreto. Qualquer cidadão que
olhasse aquilo teria certeza de que duraria até a chegada da estação das águas.
Foi exatamente o que ocorreu, as primeiras chuvas impactaram as tubulações. Os
recursos públicos foram jogados fora. Com as chuvas seguintes, tiveram que
refazer a canalização e utilizaram tubos de PVC marrom.
Primeira obra de canalização do esgoto do Ribeiro Santo Antônio, com manilhas de cerâmica, Tiradentes, década de 1990. Fotografia: Luiz Cruz.
Primeira obra de canalização do esgoto do Ribeiro Santo Antônio, com manilhas de cerâmica, Tiradentes, década de 1990. Fotografia: Luiz Cruz.
Primeira obra de canalização do esgoto do Ribeiro Santo Antônio, com manilhas de cerâmica, Tiradentes, década de 1990. Fotografia: Luiz Cruz.
Primeira obra de canalização do esgoto do Ribeiro Santo Antônio, com manilhas de cerâmica, Tiradentes, década de 1990. Fotografia: Luiz Cruz.
Segunda obra de canalização do esgoto do Ribeiro Santo Antônio,com tubos de PVC marrom, Tiradentes, década de 2000. Fotografia: Luiz Cruz.
Segunda obra de canalização do esgoto do Ribeiro Santo Antônio, com tubos de PVC marrom, Tiradentes, década de 2000. Fotografia: Luiz Cruz.
Com
a tubulação subdimensionada, a execução inadequada, as águas das chuvas
deixaram tudo danificado. Então, ocorreu, mais uma obra; na terceira,
utilizaram tubos de PVC branco, também impróprio e logo ficou avariado.
Para a quarta obra, em trechos foram utilizadas mangueiras de borracha e reforçaram as caixas de visita, que sempre transbordam devido aos entupimentos constantes.
Curiosamente, desde a primeira obra, os resíduos foram abandonados na calha do ribeiro, comprovando o amadorismo das intervenções e total falta de respeito com o elemento hídrico, tão expressivo para a nossa estrutura urbanística e para a comunidade.
Terceira obra de canalização do esgoto do Ribeiro de Santo Antônio, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.
Vazamento da canalização do esgoto do Ribeiro de Santo Antônio, Tiradentes, 2018. Fotografia: Luiz Cruz.
Vazamentos da canalização do esgoto do Ribeiro de Santo Antônio, Tiradentes, 2017. Fotografias: Luiz Cruz.
A
obra de tubulação alcançou até o ponto onde existia o desvio do Ribeiro Santo
Antônio para o moinho de fubá, do Beco da Inês. Daí por diante seguia direto
até o encontro com o Rio das Mortes.
Final
da canalização do esgoto do Ribeiro Santo Antônio, Tiradentes, década de 1990.
Fotografia: Luiz Cruz.
Um
dos afluentes do Santo Antônio era o Córrego do Pocinho da Matriz, também
conhecido como Pocinho dos Escravos. O Pocinho foi restaurado pela SAT, as
obras inauguradas em 1992 e compunha a programação cultural do Bicentenário da
Inconfidência Mineira. Na ocasião, o Terno de Congado de Nossa Senhora da
Mercês, da cidade de Oliveira-MG, esteve presente e lá realizou um trabalho
espiritual, pois foi local muito frequentado por escravizados. As águas do
Pocinho diminuíram acentuadamente, sua calha se encontra assoreada e com
esgoto. Este córrego atravessava o Beco da Pedreira, passava pelo Largo das
Forras e desaguava no Ribeiro Santo Antônio. Agora, de suas bueiras exalam cheiro
forte de esgoto. Por isso, em certos pontos, o transeunte pode observar que
colocaram pranchas de borracha sobre os bueiros.
Ponto
onde desaguava o Córrego do Pocinho da Matriz, ao dos Escravos, no Ribeiro
Santo Antônio, 2020. Fotografia: Luiz Cruz.
Lamentavelmente, o Ribeiro Santo Antônio nunca recebeu a atenção devida, por ser elemento fundamental da ocupação da região e referência ambiental. Até o presente não teve um projeto adequado para sua revitalização e a visar a sustentabilidade. Até a limpeza é feita sem qualquer orientação, os funcionários enfrentam jornada de trabalho pesada, de risco e que poderia ter resultado melhor, caso tivessem um técnico, maquinário e EPI.
Limpeza da calha e margens do Ribeiro Santo Antônio, Tiradentes, 2021. Fotografia: Luiz Cruz.
Quando
as águas diminuem o fluxo e com o acúmulo de esgoto, certos tipos de vegetação
proliferam com rapidez. Por isso, por diversas vezes, a Prefeitura tentou fazer
cerca viva para minimizar o impacto visual. Essa solução jamais resolverá os
problemas diversos do ribeiro.
Calha do Ribeiro Santo Antônio com vegetação, Tiradentes, 2020. Fotografia: Luiz Cruz.
Em
pleno mês de setembro de 2024, às vésperas da Primavera, a situação do Ribeiro
Santo Antônio é uma tragédia. É uma vala de esgoto a céu aberto, feia e fétida.
O lixo dos eventos acumula em sua calha. Todos assistem passivamente o
escândalo ambiental do ribeiro e ninguém faz nada.
Conta de água da Copasa, com a taxa de esgoto.
Tiradentes, 2024.
Cada morador paga a taxa de esgoto. Mas não há rede coletora adequada e ele é despejado in natura no Rio das Mortes. Um horror a falta de respeito com o Meio Ambiente e com o usuário. Aqui, a Copasa mais ou menos atua como a maioria do empresariado local, só explora; ela só capta a água do Rio Elvas. A empresa nunca realizou reflorestamento de nascente e sua proteção, não cuidou de nenhuma mata ciliar, não distribuiu nenhuma muda de árvore, não desenvolveu nenhum projeto de Educação Ambiental. Não demonstrou sua autossuficiência. Com as questões climáticas a arrombar as portas de nossas casas, a estatal joga todo esgoto da cidade sobre o tão sofrido Rio das Mortes, como se estivéssemos em pleno século XVIII.
Calha do Ribeiro Santo Antônio em setembro de 2024, na Ponte do Matadouro, em Tiradentes.Foto: Luiz Cruz.
A
Copasa já tentou por duas vezes construir a ETE – Estação de Tratamento de Esgoto,
a primeira vez no bairro Várzea de Baixo e a segunda em terreno que adquiriu,
mas já no município de São João del-Rei. Nas duas tentativas foram instaurados
processos e as obras embargadas. Apareceram advogados para impedir a instalação
da ETE, mas não apareceu nenhum para defender o Ribeiro Santo Antônio e os
consumidores da Copasa, que pagam uma taxa por serviço inadequado e
ineficiente. Enquanto os processos correm nesta justiça lentíssima, a cidade padece
com a degradação do Ribeiro Santo Antônio, transformando em vala de esgoto a
céu aberto as águas limpas que a Natureza nos dá de presente.
Terreno
da Copasa destinado para a construção da ETE, Várzea de Baixo. Obra embargada.
Tiradentes, 2022. Fotografias: Luiz Cruz.
ETE
construída pela Copasa, em terreno já no município de São João del-Rei. Obra
embargada. Fotografia: Luiz Cruz, 2022.
ETE construída pela Copasa, em terreno já no município de São João del-Rei, vista do alto da Serra de São José. Obra embargada. Fotografia: Luiz Cruz, 2022.
Os
afluentes do Ribeiro Santo Antônio também estão poluídos por esgoto. O Córrego
do Pacu teve seu trecho impactado por desvio e parte canalizada subdimensionada,
para aumentar a taxa de ocupação de construção. Porém, nos trechos abertos, o
aspecto é apavorante e o odor muito forte.
Obra de canalização de parte do Córrego do Pacu, Rua Ministro Gabriel Passos, antiga Rua da Praia. Fotografia: Luiz Cruz, década 2000.
Situação idêntica ocorre com o Córrego do Chafariz, que recebe esgoto direto em sua calha, que desagua no Ribeiro Santo Antônio. É no período da seca que a situação se destaca e revela que a taxa de esgoto cobrada de certos moradores não tem justificativa, porque tudo vai direto para os córregos. Já teve períodos em que o Córrego do Chafariz ficou seco, até capinaram, mas nem o esgoto correu. Predominou o odor insuportável.
Córrego do Chafariz, afluente do Ribeiro Santo Antônio, completamente seco. Fotografia: Luiz Cruz, 2014.
Córrego do Chafariz, afluente do Ribeiro Santo Antônio, com esgoto apenas.Fotografia: Luiz Cruz, 2017.
Córrego
do Chafariz, afluente do Ribeiro Santo Antônio, com muita vegetação e sem água.
Algumas
iniciativas ocorreram para minimizar o impacto negativo do Ribeiro Santo
Antônio, com recursos do Fundo Municipal de Cultura. A Ponte de Pedra passou
por intervenção de restauração, recebeu iluminação e tentaram reconstruir as
barragens, apenas com pedras. A vegetação que crescia entre os blocos rochosos
teve remoção. Infelizmente, as tentativas de reconstruir a barragens não deram certo,
mais uma vez.
Aspecto da Ponte de Pedra, com vegetação arbustiva entre seus blocos rochosos, antes da obra de restauração. Fotografia: Luiz Cruz, 2013.
Aspectos da obra de restauração da Ponte de Pedra, Tiradentes, 2021. Fotografias: Luiz Cruz.
Uma das tentativas de renconstrução das barragens que existiram ao longo do Ribeiro Santo Antônio, Tiradentes. Fotografias: Luiz Cruz, 2021.
Na Rua Custódio Gomes, também conhecida como Prainha, devido às
obras mal sucedidas, a Prefeitura, Adm. 2021-2024, teve que executar obra de
maior porte, para a estabilização da margem e a coleta de esgoto.
Obra executada pela Prefeitura, na Rua Custódio Gomes, a conter a margem do Ribeiro Santo Antônio. Fotografia: Luiz Cruz, 2023.
Intervenção artística do Festival Artes Vertentes, que teve o tema Água, Tiradentes. Fotografias: Luiz Cruz, 2021.
O
lixo jogado na calha do Ribeiro Santo Antônio é jogado por moradores que ainda
precisam aprender a respeitar o Meio Ambiente. Atiram certos objetos, como vaso
sanitário, fogão, sofá e outros, essa não pode ser ação de turista. Mas nos eventos, a moçada ao beber, atira
inúmeras garrafas e outros resíduos lá. E de evento em evento, a sujeira se acumula.
Os moradores e as autoridades acabaram por se acostumar com a degradação e a
sujidade. Como a precária situação e o forte odor ainda não afetam o turismo, por
enquanto, para o empresariado local está tudo perfeito e Tiradentes continua
como “A cidade mais Charmosa do Brasil”, em breve do mundo e de todas as
galáxias.
Resíduo doméstico atirado na calha do Ribeiro Santo Antônio, Tiradentes.Fotografia: Luiz Cruz, 2018.
Curiosamente,
nos eventos realizados no Largo da Rodoviária, instalam grades ou cercas para
proteger os transeuntes. Isso só contribui para a fealdade; até hoje nenhum
bêbado caiu no ribeiro. Caso isso ocorra, o sujeito terá que ficar de molho no
sabão em pó, água sanitária e demais produtos de higiene para se livrar do odor
e da insalubridade.
Largo da Rodoviária, em momentos diferentes, com cerca para
proteção dos transeuntes. Fotografias: Luiz Cruz, 2021, 2024.
No Largo da Rodoviária, em pousada da Rua São Francisco de Paula, também na tentativa de se esconder o ribeiro e suas condições, construiu-se um muro. Essa providência eliminou uma das visadas da Ponte de Pedra. A paisagem é um elemento fundamental para o nosso Patrimônio. Ao esconder, nos alerta sobre as condições gerais do bem encortinado.
O muro construído sobre a margem do Ribeiro Santo Antônio, a eliminar a visada do Ponte de Pedra. Fotografia: Luiz Cruz, 2022.
Outro
córrego muito poluído da cidade é o das Forras, que nasce atrás das casas deste
logradouro e desaguava na lagoa do Cacheu. Com o aterro da lagoa e as ocupações
desordenadas, o esgoto acabou estagnado e nas chuvas torrenciais ocorre o
retorno em algumas casas da Rua Martins Paolucci, a causar estragos e deixar em
condições higiênicas precárias. Este ano, registramos as condições ambientais
do local, entre um investimento empresarial e o campo do Aimorés Futebol Clube.
As cenas de forte impacto ficaram registradas.
Ave
a circular pela calha do Ribeiro Santo Antônio - tapicuru-de-cara-pelada (Phimosus
infuscatus), indicador de degradação ambiental. Fotografia: Luiz Cruz,
2024.
Grupo de aves a circular pela calha do Ribeiro Santo Antônio - tapicuru-de-cara-pelada (Phimosus infuscatus), indicador de degradação ambiental. Fotografia: Luiz Cruz, 2024.
Assim
que adentra o período da seca, a biodiversidade do Ribeiro Santo Antônio fica
comprometida, porque a qualidade da água propicia acúmulo de matéria orgânica.
Os peixes padecem com a baixa oxigenação da água, tornam-se presas fáceis para
os predadores e começam a desaparecer.
O
Ribeiro Santo Antônio pode ser
rico
em biodiversidade o ano todo
Sim,
este fluxo de água que nasce no sopé da Serra de São e deságua no Rio das
Mortes sempre foi um espetáculo da natureza e só foi degradado com o crescimento
desordenado da cidade. Com tanta história e memórias, o ribeiro merecia um belo
projeto de revitalização, a iniciar em suas nascentes, com a retirada do gado,
arborização e proteção. Ao longo do seu percurso poderia haver o reflorestamento
de suas matas ciliares. Retirar o esgoto de suas margens e obviamente de seus
afluentes. Instalar coletores de lixo. Fazer sua manutenção cotidianamente.
Ao
invés de tentar escondê-lo, transformar em local agradável tanto para os
moradores quanto para o turismo. Criar trilhas interpretativas, a enfatizar
aspectos da biodiversidade, como o grupo das libélulas – aqui termos uma
endêmica, a Heteragrion tiradentense, o grupo das aves, das borboletas, dos
peixes e da diversidade de plantas, a estes aspectos agregar informações sobre
a mineração setecentista, a implantação urbanística e arquitetônica e tantos
outros da nossa cultura. Assim, ao invés de elemento a causar “vergonha”, pode
ser de reconhecimento, valorização e fonte econômica sustentável.
Peixinhos do Ribeiro Santo Antônio com água em baixo nível de oxigenação.Fotografia: Luiz Cruz, 2023.
Aspecto da água do Ribeiro Santo Antônio, com esgoto e outros resíduos. Fotografia: Luiz Cruz, 2024.
Aspectos da biodiversidade que ocorre no Ribeiro de Santo Antônio, no período das águas. Fotografias: Luiz Cruz.
Enfim,
precisamos urgentemente nos mobilizar para tratar das questões ambientais;
afinal, qual será nossa proposta para a Agenda 2030 da ONU – que visa o
equilíbrio das três dimensões do desenvolvimento sustentável: economia, social
e ambiental?
Tiradentes
já esteve na vanguarda dos projetos ambientais, inclusive premiados
nacionalmente. Há que se recuperar e se fortalecer, nossa amada cidade merece e
o Ribeiro Santo Antônio clama por socorro.
FALCÃO.
Edgard de Cerqueira. Relíquias da Terra do Ouro. São Paulo, 1946.
CRUZ,
Luiz. (org.) Recital de Textos sobre Meio Ambiente. Tiradentes: edição
do organizador, 1988.
CRUZ,
Luiz Antonio da. Recortes de Memórias. Tiradentes: IHGT, 2016.
CRUZ,
Luiz Antonio da., BOAVENTURA, Maria José. Glossário do Patrimônio de
Tiradentes. Tiradentes: IHGT, 2015.
Triste e revoltante ver todo esse descaso com o meio ambiente. Parabéns por mostrar o que as autoridades e os empresários tentam esconder. Revoltante o papel omisso e irresponsável da Copasa.
ResponderExcluirParabéns pelos registros fotográficos e pela coragem em expor esses problemas e propor soluções.
Abraço de seu amigo que muito te admira,
Anderson P Faleiro
Amigo Anderson, muito obrigado por sua presença aqui no blog. Infelizmente, acostumaram com a degradação do Ribeiro Santo Antônio, que está no centro histórico de Tiradentes. Por enquanto, não compromete a circulação dos turistas. Todos fingem que está tudo bem e a cidade com o seu charme total. Na verdade o município está precisando de uma trégua para ser cuidado. A Copasa opera quase que na invisibilidade, enquanto os problemas clamam por socorro. Temos que aguardar pela saída do desgoverno de Minas e pautar. Para salva o Ribeiro Santo Antônio precisaremos de vontade POLÍTICA e muitos RECURSOS, porque a situação ficou extremada. Abraço e obrigado por acompanhar a problemática de nossa amada Tiradentes.
ExcluirBoa noite Luiz, parabéns pela abrangente caracterização do estado da arte do Ribeiro Santo Antônio e seus contribuintes. Na busca por soluções para o quadro de degradação atual, sugiro uma maior articulação local com os Comitês de Bacia Hidrográficas (Rio das Mortes e Rio Grande); posso estar errado, mas não vejo tal interação/participação nessa importante instância de gestão de recursos hídricos, que oportunizam recursos para trabalhos de educação e recuperação ambiental, recursos gerados pelo pagamento pelos usuários de recursos hídricos no ato da concessão e uso de outorgas, de acordo com a legislação sobre o tema (lembro que existem várias usinas hidrelétricas na Bacia do Rio Grande, e o Rio das Mortes e por conseguinte nossa região, é um importante produtor de águas dada a relativa boa qualidade em termos de vegetação e uso do solo). Acredito que os comitês já tenham voltado à normalidade no pós pandemia, foram bastante afetados e eu na época tentei fazer contatos e não tive nenhum tipo de retorno, mesmo identificando e mandando emails para cada um dos representantes dos setores que fazem parte destes comitês, a saber usuários, sociedade civil e governo. Estou à disposição para contribuir com o conhecimento adquirido com 15 anos de participação em comitês na condição de representante de uma empresa usuária, e por coincidência consegui a poucas semanas o contato de um professor de geografia da UFSJ que talvez possa das uma atualizada sobre o assunto e vou ver se faço contato com ele. Abraços
ResponderExcluirBom Dia, Paulo. Muito obrigado por sua presença e observação aqui no nosso blog. As nossas serras de São José e Lenheiro funcionam como caixa d'água e seu fluxos de água correm para o Rio das Mortes e são contributos da Bacia do Rio Grande. Ou seja, são da maior relevância para o Meio Ambiente. Já fui do Comitê de Bacias, mas ao constatar que era mais político que técnico, desisti. Suas observações são muito pertinentes, cuidar das bacias seria um trabalho efetivo e corriqueiro. Porém, o Estado de Minas foi profundamente afetado pelo negacionismo, teremos que aguardar para termos políticos com senso de humanidade para juntos enfrentarmos os problemas locais, regionais e estaduais. Salvar o Ribeiro Santo Antônio será um conquista gigantesca; salvar o Rio das Mortes seria outra conquista estupenda e por aí iríamos melhorando a qualidade ambiental e qualidade de VIDA. Contaremos com sua parceria. Gratidão e abraço
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