Ribeiro Santo Antônio

 

Tiradentes...

Caminho de ouro, caminho de prata,

Casas e casarões em branco

A perder de vista...

E claras são as águas,

E de azul bem claro é seu infinito,

E verdes as palmeiras,

E verde, bem verde,

“Este presépio verde”.

 

Maria Aparecida do Nascimento - Tiradentes,

Recital de Textos sobre o Meio Ambiente, 1988.

 

 

Ribeiro Santo Antônio e a Ponte de Pedra. Foto da década de 1940, em Relíquias da Terra do Ouro, de Edgard de Cerqueira Falcão.

 

Os paulistas circularam pelos Sertões dos Cataguases para aprisionar indígenas e para as pesquisas minerárias, em busca das jazidas de ouro e de pedras preciosas. Eram homens brutos, caminhavam descalços e falavam a língua geral. Porém, tiveram o cuidado para negociar com a Coroa Portuguesa sobre a propriedade das terras auríferas. Quem as encontrasse, seria o proprietário.

As Bandeiras adentraram os matos a seguir as antigas trilhas indígenas, subiam serras, atravessavam campos, rios e córregos, adentravam florestas, passavam por todos os desafios de um território inóspito, mas ocupado por povos nômades de diversas etnias. Enfrentaram animais ferozes e peçonhentos. Ao longo das trilhas, faziam paradas. Nestes pontos, sugiram os arraiais pioneiros. Foi o caso da primeira ocupação da região do Rio das Mortes, o Arraial de Santo Antônio, onde se encontrou ouro pela primeira vez num riacho, logo denominado Ribeiro Santo Antônio – isso deve ter ocorrido nos últimos anos do século XVII. Arraial era uma ocupação transitória, poderia ou não se consolidar. O Arraial de Santo Antônio prosperou exatamente por terem encontrado o tão almejado metal precioso.

 

Núcleo antigo de Tiradentes, no primeiro plano uma pinguela sobre o Ribeiro Santo Antônio. Fotografia da década de 1940, em Relíquias da Terra do Ouro, de Edgard de Cerqueira Falcão.


A localidade sempre foi privilegiada, com a Serra de São José, o Rio das Mortes e o Ribeiro Santo Antônio. Entre a serra e o rio, instalaram o arraial e a primeira data dessa localidade que se pode referir com exatidão é 19 de janeiro de 1718, quando foi elevado à categoria de vila, com a denominação de São José. A seguir os princípios adotados pelos portugueses, do decoro e da formosura, edificaram a matriz e no entorno dela se desenvolveu a malha urbana. O que herdamos disso foi um “Presépio verde”, conforme o poema que abre este ensaio.

O Ribeiro Santo Antônio nasce no sopé da Serra de São José, desce e atravessa o núcleo urbano da cidade e deságua no Rio das Mortes. Antes, recebe as águas de seus afluentes, dos córregos do Pacu, do Chafariz, do Cuiabá, do Canjica, do Pocinho da Matriz, das Forras e da Sá Ritinha. Por meio dos princípios do Direito Romano, em nossas vilas setecentistas, as margens dos córregos e riachos eram livres, com acesso para todos os moradores. As ruas mais próximas a esses fluxos d’água recebiam o nome de Rua da Praia, neste caso a praia dos riachos ou rios.

Muito além do ouro, o Ribeiro Santo Antônio teve relevância na vida cotidiana dos moradores da antiga Vila de São José. Este elemento geográfico esteve ligado ao lazer e ao entretenimento, pois era nele que os meninos aprendiam a nadar e onde se pescava. Peixes para suprir a proteína da alimentação de muitas famílias. Quem tinha pescado mais chegava a trocar por outro ingrediente. Crescemos a ouvir tantas histórias dos velhos moradores da cidade a nos contar sobre a vida difícil propiciada pela crise econômica de Tiradentes, principalmente nas primeiras décadas do século XX. Ouvimos atentamente os casos contados por Antônio Nogueira, Regina Conceição e outros.

Para a travessia do Ribeiro Santo Antônio, construíram algumas pontes em madeira, a única substituída por blocos rochosos foi a que conecta o Largo das Forras com o Largo das Mercês, na transição do século XVIII para o XIX. Ela ficou imponente, em dois arcos plenos, com quilha, guarda-corpo, plataforma e frades em blocos rochosos, a predominar os areníticos, com a inserção de alguns em xisto. As pontes em arcos plenos e abatidos podem ser apreciadas em outras localidades, principalmente em Ouro Preto e São João del-Rei. Foram obras executadas pelos mestres construtores portugueses, como Francisco de Lima Cerqueira, Manoel Francisco Lisboa e José Pereira Arouca. Porém, todo trabalho pesado, de cortar os blocos, desbastar e transportar os materiais para os campos de obras ficava a cargo dos escravizados.

  Ponte das Forras, ou Ponte de Pedra, em arcos plenos, sobre o Ribeiro Santo Antônio, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.  


 Detalhe do arco pleno da Ponte de Pedra, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.

  

A ponte das Forras, mais conhecida como Ponte de Pedra, é um belo exemplar da nossa arquitetura civil, tem proteção através do Conjunto Arquitetônico e Urbanístico de Tiradentes, desde 1938 e tombamento individual, através do Conselho Municipal de Políticas Culturais e Patrimônio.

As pontes de madeira da área urbana, aos poucos, foram substituídas por pontes em concreto, como a Ponte do Ribeiro – Coronel Arthur N. de Souza, de 1926. A Ponte do Matadouro passou inclusive por obra para ser alargada, em consequência do aumento do fluxo de trânsito. A Ponte do Chafariz teve obras, até que na última, quando se executou o projeto paisagístico de Roberto Burle Marx, recebeu o guarda-corpo em blocos pétreos. Na Ponte do Cuiabá de cima o córrego foi canalizado e no Cuiabá de baixo, também foi substituída por concreto. Sobre o Ribeiro Santo Antônio subsistem duas pontes em madeira, a do Três Paus, que dá acesso à Trilha do Carteiro e a de cima, na Trilha do Gualter, juntamente com uma pinguela. 

   

Placa e detalhe da Ponte Artur N. de Souza, Ribeiro Santo Antônio, Tiradentes. Fotografias: Luiz Cruz.

 

Córrego do Chafariz, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz, 2022. 


Placa da obra de ampliação da Ponte do Matadouro, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz, 2022. 

 

 
         Ponte dos Três Paus, em madeira, sobre o Ribeiro Santo Antônio, em ocasiões distintas. Fotografias: Luiz Cruz.                                

    
  Ponte da Trilha do Gualter, em madeira, sobre o Ribeiro Santo Antônio e pinguela. Fotografias: Luiz Cruz.


O Ribeiro Santo Antônio é um elemento natural significativo para a cidade. Mas nem sempre recebeu a atenção devida, principalmente após os impulsos econômicos advindos do turismo. Na “era da prata”, artesanato que gerou muitas oportunidades de trabalho e a divulgação da cidade como expoente da ourivesaria herdada dos setecentos. Houve oficina que transformou o Ribeiro Santo Antônio como extensão e lavava seus produtos com ácido sulfúrico em suas águas, sem qualquer preocupação. Os trabalhadores enfrentavam aquela nuvem ocre avermelhada, com odor forte e nauseante, todos sem EPI – Equipamento de Proteção Individual. Agora, ao relembrar aquelas cenas, podemos compreender melhor o que é mão de obra semi-escravizada, porque ninguém não tinha nenhum direito assegurado e era comprometedora a situação de trabalho. Naquela ocasião, a prefeitura plantou uma cerca viva, de cipreste, para que os transeuntes não pudessem vê-la.

Com o passar do tempo e a queda da qualidade do artesanato de “prata”, tudo desandou e a credibilidade desmoronou. Hoje, há apenas uma oficina dedicada a este tipo de artesanato.

  

Ribeiro Santo Antônio e fundos de oficina de prataria, Tiradentes, década de 1980. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Com o aumento do fluxo de turismo e da circulação de veículos, a Ponte de Pedra foi colidida diversas vezes, a causar danos aos seus elementos construtivos. Até que tomaram as providências com a instalação de redutores, assim evitar a passagem de veículos maiores e pesados sobre este elemento arquitetônico.


Parapeito da Ponte de Pedra, danificado em consequência de colisão de veículo, 2013. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Fundada em 1980, a SAT – Sociedade Amigos de Tiradentes, em parceria com o IHGT – Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes, realizou diversas campanhas para alertar sobre os problemas ambientais que a cidade passava com o crescimento do turismo. Em 1988, no Antigo Fórum, aconteceu o Recital de Textos sobre o Meio Ambiente”, com poemas e crônicas de Maria Aparecida do Nascimento, Arlete Trindade do Nascimento, Renata Leite Acedo, Ágda Barbosa, Geraldo Alcântara, Gilmar Malta, José Carlos Carvalho Gomes, João Carlos Capua, Milton Silva, Dôra, Geraldo Xisto e Elizete Regina Reis da Costa. Os problemas ambientais afloravam, a população compreendia e manifestava o seu descontentamento. Este recital de textos foi um grande sucesso e ficou na memória de quem teve oportunidade em colaborar e assistir.

 

Limpeza das margens do Ribeiro Santo Antônio, Tiradentes, década de 1980. Fotografia: Luiz Cruz.

 

O turismo em Tiradentes foi insipiente na década de 1960, na década 1970 começaram a surgir os primeiros serviços. Já a partir de 1990, podíamos perceber através das condições ambientais do Ribeiro Santo Antônio a acelerada expansão do turismo e seus serviços. Evidentemente, com os grandes eventos, a problemática virou uma tragédia ambiental. O ribeiro teve seu fluxo de água diminuído e perdeu a capacidade de conduzir naturalmente o esgoto para o Rio das Mortes. Virou uma vala de esgoto a céu aberto no período da seca.

Ao longo do curso do ribeiro construíram barragens para o acúmulo e queda das águas, assim ganhar dinâmica. Isso funcionou bem por décadas consecutivas, mas na gestão de 1989-1992, as barragens formadas por blocos rochosos e trilhos de ferro foram removidas, depois de causar danos, principalmente o assoreamento da calha do ribeiro.

 

Trilho de ferro da barragem do Ribeiro Santo Antônio, Tiradentes, década de 1990. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Diante das ocupações indevidas e intervenções inadequadas, a SAT tentou contribuir para amenizar os problemas e trouxe à cidade especialistas para orientar. Um deles foi o engenheiro Ricardo Castello Branco, que acabava de chegar de uma especialização no exterior. Através do Informativo Inconfidências, a SAT veiculava suas preocupações e oferecia subsídios para minimizar os impactos, principalmente no Ribeiro Santo Antônio, que em sua calha jogavam entulho de construção e até fizeram desvio de seu leito. Apesar das tentativas, pouco adiantou.

 

Encontro do Córrego do Pacu com o Ribeiro Santo Antônio e o engenheiro Ricardo Castello Branco, Tiradentes, década de 1990. Fotografia: Luiz Cruz


Desvio do Ribeiro Santo Antônio e o engenheiro  Ricardo Castello Branco, Tiradentes, década de 1990. Fotografia: Luiz Cruz

 

A primeira tentativa para canalizar o esgoto do Ribeiro Santo Antônio ocorreu com a Administração 1997-2000, executada por funcionários da própria prefeitura. Obra sem nenhum fundamento técnico, com manilhas de cerâmica assentadas sobre a terra, junto às margens, com revestimento de concreto. Qualquer cidadão que olhasse aquilo teria certeza de que duraria até a chegada da estação das águas. Foi exatamente o que ocorreu, as primeiras chuvas impactaram as tubulações. Os recursos públicos foram jogados fora. Com as chuvas seguintes, tiveram que refazer a canalização e utilizaram tubos de PVC marrom.

 

Primeira obra de canalização do esgoto do Ribeiro Santo Antônio, com manilhas de cerâmica, Tiradentes, década de 1990. Fotografia: Luiz Cruz.


Primeira obra de canalização do esgoto do Ribeiro Santo Antônio, com manilhas de cerâmica, Tiradentes, década de 1990. Fotografia: Luiz Cruz.


 

Primeira obra de canalização do esgoto do Ribeiro Santo Antônio, com manilhas de cerâmica, Tiradentes, década de 1990. Fotografia: Luiz Cruz.


Primeira obra de canalização do esgoto do Ribeiro Santo Antônio, com manilhas de cerâmica, Tiradentes, década de 1990. Fotografia: Luiz Cruz.

 

        

Segunda obra de canalização do esgoto do Ribeiro Santo Antônio,com tubos de PVC marrom, Tiradentes, década de 2000. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Segunda obra de canalização do esgoto do Ribeiro Santo Antônio, com tubos de PVC marrom, Tiradentes, década de 2000. Fotografia: Luiz Cruz. 

 

Com a tubulação subdimensionada, a execução inadequada, as águas das chuvas deixaram tudo danificado. Então, ocorreu, mais uma obra; na terceira, utilizaram tubos de PVC branco, também impróprio e logo ficou avariado.

Para a quarta obra, em trechos foram utilizadas mangueiras de borracha e reforçaram as caixas de visita, que sempre transbordam devido aos entupimentos constantes.

Curiosamente, desde a primeira obra, os resíduos foram abandonados na calha do ribeiro, comprovando o amadorismo das intervenções e total falta de respeito com o elemento hídrico, tão expressivo para a nossa estrutura urbanística e para a comunidade.


Terceira obra de canalização do esgoto do Ribeiro de Santo Antônio, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.

  



Aspectos da canalização do esgoto do Ribeiro de Santo Antônio, Tiradentes. Fotografias: Luiz Cruz.

 

Vazamento da canalização do esgoto do Ribeiro de Santo Antônio, Tiradentes, 2018. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Vazamentos da canalização do esgoto do Ribeiro de Santo Antônio, Tiradentes, 2017. Fotografias: Luiz Cruz.

 

A obra de tubulação alcançou até o ponto onde existia o desvio do Ribeiro Santo Antônio para o moinho de fubá, do Beco da Inês. Daí por diante seguia direto até o encontro com o Rio das Mortes.

 

Final da canalização do esgoto do Ribeiro Santo Antônio, Tiradentes, década de 1990. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Um dos afluentes do Santo Antônio era o Córrego do Pocinho da Matriz, também conhecido como Pocinho dos Escravos. O Pocinho foi restaurado pela SAT, as obras inauguradas em 1992 e compunha a programação cultural do Bicentenário da Inconfidência Mineira. Na ocasião, o Terno de Congado de Nossa Senhora da Mercês, da cidade de Oliveira-MG, esteve presente e lá realizou um trabalho espiritual, pois foi local muito frequentado por escravizados. As águas do Pocinho diminuíram acentuadamente, sua calha se encontra assoreada e com esgoto. Este córrego atravessava o Beco da Pedreira, passava pelo Largo das Forras e desaguava no Ribeiro Santo Antônio. Agora, de suas bueiras exalam cheiro forte de esgoto. Por isso, em certos pontos, o transeunte pode observar que colocaram pranchas de borracha sobre os bueiros.

 

Ponto onde desaguava o Córrego do Pocinho da Matriz, ao dos Escravos, no Ribeiro Santo Antônio, 2020. Fotografia: Luiz Cruz.


Lamentavelmente, o Ribeiro Santo Antônio nunca recebeu a atenção devida, por ser elemento fundamental da ocupação da região e referência ambiental. Até o presente não teve um projeto adequado para sua revitalização e a visar a sustentabilidade. Até a limpeza é feita sem qualquer orientação, os funcionários enfrentam jornada de trabalho pesada, de risco e que poderia ter resultado melhor, caso tivessem um técnico, maquinário e EPI.

 

Limpeza da calha e margens do Ribeiro Santo Antônio, Tiradentes, 2021. Fotografia: Luiz Cruz.


Quando as águas diminuem o fluxo e com o acúmulo de esgoto, certos tipos de vegetação proliferam com rapidez. Por isso, por diversas vezes, a Prefeitura tentou fazer cerca viva para minimizar o impacto visual. Essa solução jamais resolverá os problemas diversos do ribeiro.

 

Calha do Ribeiro Santo Antônio com vegetação, Tiradentes, 2020. Fotografia: Luiz Cruz.

 


Tentativa de plantio de cerca viva na margem do Ribeiro Santo Antônio, Tiradentes, 2020. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Em pleno mês de setembro de 2024, às vésperas da Primavera, a situação do Ribeiro Santo Antônio é uma tragédia. É uma vala de esgoto a céu aberto, feia e fétida. O lixo dos eventos acumula em sua calha. Todos assistem passivamente o escândalo ambiental do ribeiro e ninguém faz nada.


Conta de água da Copasa, com a taxa de esgoto. Tiradentes, 2024.

 

Cada morador paga a taxa de esgoto. Mas não há rede coletora adequada e ele é despejado in natura no Rio das Mortes. Um horror a falta de respeito com o Meio Ambiente e com o usuário. Aqui, a Copasa mais ou menos atua como a maioria do empresariado local, só explora; ela só capta a água do Rio Elvas. A empresa nunca realizou reflorestamento de nascente e sua proteção, não cuidou de nenhuma mata ciliar, não distribuiu nenhuma muda de árvore, não desenvolveu nenhum projeto de Educação Ambiental. Não demonstrou sua autossuficiência. Com as questões climáticas a arrombar as portas de nossas casas, a estatal joga todo esgoto da cidade sobre o tão sofrido Rio das Mortes, como se estivéssemos em pleno século XVIII.

    



Calha do Ribeiro Santo Antônio em setembro de 2024. Tiradentes. Fotografias: Luiz Cruz.

 

Calha do Ribeiro Santo Antônio em setembro de 2024, na Ponte do Matadouro, em Tiradentes.Foto: Luiz Cruz.

 

A Copasa já tentou por duas vezes construir a ETE – Estação de Tratamento de Esgoto, a primeira vez no bairro Várzea de Baixo e a segunda em terreno que adquiriu, mas já no município de São João del-Rei. Nas duas tentativas foram instaurados processos e as obras embargadas. Apareceram advogados para impedir a instalação da ETE, mas não apareceu nenhum para defender o Ribeiro Santo Antônio e os consumidores da Copasa, que pagam uma taxa por serviço inadequado e ineficiente. Enquanto os processos correm nesta justiça lentíssima, a cidade padece com a degradação do Ribeiro Santo Antônio, transformando em vala de esgoto a céu aberto as águas limpas que a Natureza nos dá de presente.

 

     

Terreno da Copasa destinado para a construção da ETE, Várzea de Baixo. Obra embargada. Tiradentes, 2022. Fotografias: Luiz Cruz.

 

ETE construída pela Copasa, em terreno já no município de São João del-Rei. Obra embargada. Fotografia: Luiz Cruz, 2022.


ETE construída pela Copasa, em terreno já no município de São João del-Rei, vista do alto da Serra de São José. Obra embargada. Fotografia: Luiz Cruz, 2022.

 

Os afluentes do Ribeiro Santo Antônio também estão poluídos por esgoto. O Córrego do Pacu teve seu trecho impactado por desvio e parte canalizada subdimensionada, para aumentar a taxa de ocupação de construção. Porém, nos trechos abertos, o aspecto é apavorante e o odor muito forte.

 

Obra de canalização de parte do Córrego do Pacu, Rua Ministro Gabriel Passos, antiga Rua da Praia. Fotografia: Luiz Cruz, década 2000.



Trecho do Córrego do Pacu, Rua Ministro Gabriel Passos, antiga Rua da Praia com esgoto. Fotografia: Luiz Cruz, 2024.

 

Situação idêntica ocorre com o Córrego do Chafariz, que recebe esgoto direto em sua calha, que desagua no Ribeiro Santo Antônio. É no período da seca que a situação se destaca e revela que a taxa de esgoto cobrada de certos moradores não tem justificativa, porque tudo vai direto para os córregos. Já teve períodos em que o Córrego do Chafariz ficou seco, até capinaram, mas nem o esgoto correu. Predominou o odor insuportável.

 

Córrego do Chafariz, afluente do Ribeiro Santo Antônio, completamente seco. Fotografia: Luiz Cruz, 2014.


Córrego do Chafariz, afluente do Ribeiro Santo Antônio, com esgoto apenas.Fotografia: Luiz Cruz, 2017.

 

 
Córrego do Chafariz, afluente do Ribeiro Santo Antônio, com muita vegetação e sem água. 
Fotografia: Luiz Cruz, 2024.

  

Algumas iniciativas ocorreram para minimizar o impacto negativo do Ribeiro Santo Antônio, com recursos do Fundo Municipal de Cultura. A Ponte de Pedra passou por intervenção de restauração, recebeu iluminação e tentaram reconstruir as barragens, apenas com pedras. A vegetação que crescia entre os blocos rochosos teve remoção. Infelizmente, as tentativas de reconstruir a barragens não deram certo, mais uma vez.

 

Aspecto da Ponte de Pedra, com vegetação arbustiva entre seus blocos rochosos, antes da obra de restauração. Fotografia: Luiz Cruz, 2013. 

         

Aspectos da obra de restauração da Ponte de Pedra, Tiradentes, 2021. Fotografias: Luiz Cruz.


Uma das tentativas de renconstrução das barragens que existiram ao longo do Ribeiro Santo Antônio, Tiradentes. Fotografias: Luiz Cruz, 2021. 

 

Na Rua Custódio Gomes, também conhecida como Prainha, devido às obras mal sucedidas, a Prefeitura, Adm. 2021-2024, teve que executar obra de maior porte, para a estabilização da margem e a coleta de esgoto.

 

Obra executada pela Prefeitura, na Rua Custódio Gomes, a conter a margem do Ribeiro Santo Antônio. Fotografia: Luiz Cruz, 2023.


 Numa das edições do Festival Artes Vertentes o tema foi dedicado à Água, um dos artistas convidados entrou no Ribeiro Santo Antônio e com o lixo coletado fez sua obra. Uma rede pendurada num galho, com os resíduos recolhidos, sobre o leito do ribeiro. A intervenção  artística  chamou a atenção sobre a necessidade de se cuidar melhor dos nossos recursos hídricos. Os organizadores do festival foram achincalhados e até ameaçados por certos empresários locais, que só saem das sombras para vociferar contra quem quer que seja quando aponta um problema na cidade.

 


Intervenção artística do Festival Artes Vertentes, que teve o tema Água, Tiradentes. Fotografias: Luiz Cruz, 2021.

 

O lixo jogado na calha do Ribeiro Santo Antônio é jogado por moradores que ainda precisam aprender a respeitar o Meio Ambiente. Atiram certos objetos, como vaso sanitário, fogão, sofá e outros, essa não pode ser ação de turista.  Mas nos eventos, a moçada ao beber, atira inúmeras garrafas e outros resíduos lá. E de evento em evento, a sujeira se acumula. Os moradores e as autoridades acabaram por se acostumar com a degradação e a sujidade. Como a precária situação e o forte odor ainda não afetam o turismo, por enquanto, para o empresariado local está tudo perfeito e Tiradentes continua como “A cidade mais Charmosa do Brasil”, em breve do mundo e de todas as galáxias.

 

Resíduo doméstico atirado na calha do Ribeiro Santo Antônio, Tiradentes.Fotografia: Luiz Cruz, 2018.

 

Curiosamente, nos eventos realizados no Largo da Rodoviária, instalam grades ou cercas para proteger os transeuntes. Isso só contribui para a fealdade; até hoje nenhum bêbado caiu no ribeiro. Caso isso ocorra, o sujeito terá que ficar de molho no sabão em pó, água sanitária e demais produtos de higiene para se livrar do odor e da insalubridade.

 

     
Largo da Rodoviária, em momentos diferentes, com cerca para proteção dos transeuntes. Fotografias: Luiz Cruz, 2021, 2024. 

 

No Largo da Rodoviária, em pousada da Rua São Francisco de Paula, também na tentativa de se esconder o ribeiro e suas condições, construiu-se um muro. Essa providência eliminou uma das visadas da Ponte de Pedra. A paisagem é um elemento fundamental para o nosso Patrimônio. Ao esconder, nos alerta sobre as condições gerais do bem encortinado.

 

 O muro construído sobre a margem do Ribeiro Santo Antônio, a eliminar a visada do Ponte de Pedra. Fotografia: Luiz Cruz, 2022.

 

Outro córrego muito poluído da cidade é o das Forras, que nasce atrás das casas deste logradouro e desaguava na lagoa do Cacheu. Com o aterro da lagoa e as ocupações desordenadas, o esgoto acabou estagnado e nas chuvas torrenciais ocorre o retorno em algumas casas da Rua Martins Paolucci, a causar estragos e deixar em condições higiênicas precárias. Este ano, registramos as condições ambientais do local, entre um investimento empresarial e o campo do Aimorés Futebol Clube. As cenas de forte impacto ficaram registradas.

 

 


 

Córrego das Forras, que desaguava na lagoa do Cacheu, que foi aterrada. Agora com o esgoto estancado. Fotografias: Luiz Cruz, 2024.

 As condições gerais do Ribeiro Santo Antônio são assustadoras. Nos últimos meses, observamos aves que frequentam áreas intensamente poluídas, o tapicuru-de-cara-pelada (Phimosus infuscatus), da família dos pelecaniformes. Espécie que pode circular individualmente ou em pequenos bandos. Não é bom indicador ambiental, porque esta ave busca sua alimentação de crustáceos, moluscos e matéria vegetal em recursos hídricos bastante poluídos.

 

Ave a circular pela calha do Ribeiro Santo Antônio - tapicuru-de-cara-pelada (Phimosus infuscatus), indicador de degradação ambiental. Fotografia: Luiz Cruz, 2024.  

Grupo de aves a circular pela calha do Ribeiro Santo Antônio - tapicuru-de-cara-pelada (Phimosus infuscatus), indicador de degradação ambiental. Fotografia: Luiz Cruz, 2024. 

 

Assim que adentra o período da seca, a biodiversidade do Ribeiro Santo Antônio fica comprometida, porque a qualidade da água propicia acúmulo de matéria orgânica. Os peixes padecem com a baixa oxigenação da água, tornam-se presas fáceis para os predadores e começam a desaparecer.


O Ribeiro Santo Antônio pode ser

rico em biodiversidade o ano todo

  

Sim, este fluxo de água que nasce no sopé da Serra de São e deságua no Rio das Mortes sempre foi um espetáculo da natureza e só foi degradado com o crescimento desordenado da cidade. Com tanta história e memórias, o ribeiro merecia um belo projeto de revitalização, a iniciar em suas nascentes, com a retirada do gado, arborização e proteção. Ao longo do seu percurso poderia haver o reflorestamento de suas matas ciliares. Retirar o esgoto de suas margens e obviamente de seus afluentes. Instalar coletores de lixo. Fazer sua manutenção cotidianamente.

Ao invés de tentar escondê-lo, transformar em local agradável tanto para os moradores quanto para o turismo. Criar trilhas interpretativas, a enfatizar aspectos da biodiversidade, como o grupo das libélulas – aqui termos uma endêmica, a Heteragrion tiradentense, o grupo das aves, das borboletas, dos peixes e da diversidade de plantas, a estes aspectos agregar informações sobre a mineração setecentista, a implantação urbanística e arquitetônica e tantos outros da nossa cultura. Assim, ao invés de elemento a causar “vergonha”, pode ser de reconhecimento, valorização e fonte econômica sustentável.


           Peixinhos do Ribeiro Santo Antônio com água em baixo nível de oxigenação.Fotografia: Luiz Cruz, 2023.


    Aspecto da água do Ribeiro Santo Antônio, com esgoto e outros resíduos. Fotografia: Luiz Cruz, 2024.

 

 No período das águas, o Ribeiro Santo Antônio se recupera, há muitas possibilidades para se destacar. Porém é preciso que a população se mobilize e cobre das autoridades providências eficazes. No próximo ano, teremos nova administração municipal e desde o início as propostas ambientais precisam ser levadas a sério e com profissionalismo. Basta de amadorismo, tudo que foi realizado no Ribeiro Santo Antônio até hoje foi sem projeto, sem responsabilidade técnica e ética. Então, chegou a hora de reivindicar o fim deste pesadelo. É claro que a Copasa precisa ir muito além da iniciativa de só cobrar a taxa de esgoto, também é preciso oferecer competência e profissionalismo. É claro que sabemos que ao depender do atual governo de Minas, nada acontecerá, porque todos já sabem que este é o governo pró devastação e da desconstrução do Estado de Minas Gerais. Por ele, ao final de sua gestão, não sobrará pedra sobre pedra. Portanto, precisamos resistir a este desgoverno, o tempo vai passar e logo estaremos livres desse malogro. 

                      

                   

          

Aspectos da biodiversidade que ocorre no Ribeiro de Santo Antônio, no período das águas. Fotografias: Luiz Cruz.

 

Enfim, precisamos urgentemente nos mobilizar para tratar das questões ambientais; afinal, qual será nossa proposta para a Agenda 2030 da ONU – que visa o equilíbrio das três dimensões do desenvolvimento sustentável: economia, social e ambiental?

Tiradentes já esteve na vanguarda dos projetos ambientais, inclusive premiados nacionalmente. Há que se recuperar e se fortalecer, nossa amada cidade merece e o Ribeiro Santo Antônio clama por socorro.

                                             Luiz Antonio da Cruz

 Referências:

FALCÃO. Edgard de Cerqueira. Relíquias da Terra do Ouro. São Paulo, 1946.

CRUZ, Luiz. (org.) Recital de Textos sobre Meio Ambiente. Tiradentes: edição do organizador, 1988.

CRUZ, Luiz Antonio da. Recortes de Memórias. Tiradentes: IHGT, 2016.

CRUZ, Luiz Antonio da., BOAVENTURA, Maria José. Glossário do Patrimônio de Tiradentes. Tiradentes: IHGT, 2015.

Comentários

  1. Triste e revoltante ver todo esse descaso com o meio ambiente. Parabéns por mostrar o que as autoridades e os empresários tentam esconder. Revoltante o papel omisso e irresponsável da Copasa.
    Parabéns pelos registros fotográficos e pela coragem em expor esses problemas e propor soluções.

    Abraço de seu amigo que muito te admira,

    Anderson P Faleiro

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Amigo Anderson, muito obrigado por sua presença aqui no blog. Infelizmente, acostumaram com a degradação do Ribeiro Santo Antônio, que está no centro histórico de Tiradentes. Por enquanto, não compromete a circulação dos turistas. Todos fingem que está tudo bem e a cidade com o seu charme total. Na verdade o município está precisando de uma trégua para ser cuidado. A Copasa opera quase que na invisibilidade, enquanto os problemas clamam por socorro. Temos que aguardar pela saída do desgoverno de Minas e pautar. Para salva o Ribeiro Santo Antônio precisaremos de vontade POLÍTICA e muitos RECURSOS, porque a situação ficou extremada. Abraço e obrigado por acompanhar a problemática de nossa amada Tiradentes.

      Excluir
  2. Boa noite Luiz, parabéns pela abrangente caracterização do estado da arte do Ribeiro Santo Antônio e seus contribuintes. Na busca por soluções para o quadro de degradação atual, sugiro uma maior articulação local com os Comitês de Bacia Hidrográficas (Rio das Mortes e Rio Grande); posso estar errado, mas não vejo tal interação/participação nessa importante instância de gestão de recursos hídricos, que oportunizam recursos para trabalhos de educação e recuperação ambiental, recursos gerados pelo pagamento pelos usuários de recursos hídricos no ato da concessão e uso de outorgas, de acordo com a legislação sobre o tema (lembro que existem várias usinas hidrelétricas na Bacia do Rio Grande, e o Rio das Mortes e por conseguinte nossa região, é um importante produtor de águas dada a relativa boa qualidade em termos de vegetação e uso do solo). Acredito que os comitês já tenham voltado à normalidade no pós pandemia, foram bastante afetados e eu na época tentei fazer contatos e não tive nenhum tipo de retorno, mesmo identificando e mandando emails para cada um dos representantes dos setores que fazem parte destes comitês, a saber usuários, sociedade civil e governo. Estou à disposição para contribuir com o conhecimento adquirido com 15 anos de participação em comitês na condição de representante de uma empresa usuária, e por coincidência consegui a poucas semanas o contato de um professor de geografia da UFSJ que talvez possa das uma atualizada sobre o assunto e vou ver se faço contato com ele. Abraços

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bom Dia, Paulo. Muito obrigado por sua presença e observação aqui no nosso blog. As nossas serras de São José e Lenheiro funcionam como caixa d'água e seu fluxos de água correm para o Rio das Mortes e são contributos da Bacia do Rio Grande. Ou seja, são da maior relevância para o Meio Ambiente. Já fui do Comitê de Bacias, mas ao constatar que era mais político que técnico, desisti. Suas observações são muito pertinentes, cuidar das bacias seria um trabalho efetivo e corriqueiro. Porém, o Estado de Minas foi profundamente afetado pelo negacionismo, teremos que aguardar para termos políticos com senso de humanidade para juntos enfrentarmos os problemas locais, regionais e estaduais. Salvar o Ribeiro Santo Antônio será um conquista gigantesca; salvar o Rio das Mortes seria outra conquista estupenda e por aí iríamos melhorando a qualidade ambiental e qualidade de VIDA. Contaremos com sua parceria. Gratidão e abraço

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Publicações sobre patrimônio cultural e ambiental de Tiradentes e região - abordando o patrimônio material e imaterial.

Postagens mais visitadas.