Tiradentes e a modernidade

 de Tarsila do Amaral

 

Paisagem de Tiradentes com dois panoramas de igreja, desenho de Tarsila do Amaral, 1924.

 

Para celebrar o centenário da passagem da Caravana Modernista de 1924 pela cidade, aconteceu uma programação cultural com seminário, exposições, visitas guiadas, sarau poético e apresentação musical em frente à Antiga Cadeia. Nessa edificação, o poeta franco-suíço Blaise Cendrars (1887-1961), amigo dos modernistas, conheceu um prisioneiro que havia matado o concorrente, abriu-lhe o peito e devorou o seu coração. Provavelmente, a artista Tarsila do Amaral (Capivari 1886-São Paulo 1973) tenha sido a tradutora do diálogo entre o prisioneiro e o poeta. Na Semana Criativa de Tiradentes, edição de 2024, ocorrem as intervenções Corações Viajantes, com a participação de artistas locais e convidados, sob a curadoria de Maria José Vargas Boaventura. As grades da Cadeia receberam as mais diversas interpretações do “coração”, tema que inspirou Cendrars para a redação do seu conto O lobisomem de Minas, publicado em 1926. 

As intervenções Corações Viajantes, contou com a participação de obras de: 

Antuan Kaiowáa, Beth Cavalcanti, Bo Ferraz, Carla Vazarin, Cida Chaves, Cleiton Gos, Cristiana Turon, Dalva Pereira, Deborah Engelender, Demóstenes Vargas, Eleila Bucchi, Elsa D’Amico, Escola Caminho das Artes, Gael, Guido Boletti, Guto – Luiz Augusto Sartore Naves, Helena Herbst, Janaína R. Abreu, João Baiano, Juliana Ferreira, Lorena Baroli, Lótus Lobo, Lu Gastel, Lúcia Castello Branco, Luciana Giovaninni, Luiz Alberto Moreira, Luiz Cruz, Márcia Bergo, Maria José Vargas Boaventura, Maria Luiza Boaventura, Maxim Malhado, Bernardo Rohrmann, Patrícia Monteiro, Silvia Vargas Boaventura, Vera Alfredo, Vinícius Rosa Rios, Walter Sebastião, Zulei Bassi. 

A curadora, Maria José Vargas Boaventura, assim apresentou os trabalhos: 

Intervenções nas janelas da antiga Cadeira de Tiradentes

A viagem dos Modernistas a Minas Gerais completa um século. Aqui eles se depararam com as raízes da cultura brasileira. A distância do litoral deu força aos sentimentos de liberdade, rebeldia, criações e realizações artísticas originais traduzidas em curvas e elementos barrocos surpreendentes que se distanciavam das referências europeias. Essas soluções mineiras lhes revelaram uma identidade nacional que o movimento modernista tanto buscava estimular.

Vamos dar asas aos corações, às emoções, expressar ideias e ideais, comer com os olhos e todos os sentidos da vida.

Muito além de Minas ser um coração de ouro em peito de ferro, vamos minerar e mineirar soluções criativas para transformar e viajar noutros tempos.

 


    Participantes das intervenções Corações Viajantes, antiga Cadeia de Tiradentes. Fotos: Jussara Ferreira e Luiz Cruz.                                                .

        

Corações, Helena Herbst e Vinícius Rosa Rios, antiga Cadeia de TiradentesFotografia: Luiz Cruz.

 

Coração, Luiz Alberto Moreira e Antuan Kaiowáa, Antiga Cadeia de Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Coração, Lotus Lobo, Antiga Cadeia de Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.

 

À noite, com a delicada iluminação do Museu de Sant’Ana, os corações das instalações ganharam destaque, conforme destacado por Flávia Frota, turismóloga e jornalista: "Esta imagem é mais forte do que parece! É a arte emanando luz, transcendendo as paredes e grades das janelas da antiga Cadeia de Tiradentes. É a arte representada pela singeleza e grandiosidade de cada artista amigo. É a arte nas ruas gritando, avisando que sobrevive às tentativas de encarceramento".


                                       

Anoitecer na Rua Direita, com a Antiga Cadeia e as instalações. Fotografia: Maria José Vargas Boaventura.


Ainda, a integrar a programação cultural da Semana Criativa, aconteceu no Museu de Sant’Ana a roda de conversa sobre os “100 anos dos modernistas em Minas Gerais”, com o professor Luiz Cruz, a artista visual Maria José Vargas Boaventura e mediada por de Jéssica Bento. Tudo transcorreu muito bem, com a exposição sobre o Modernismo, a partir da primeira exposição individual de Anita Malfatti (1889-1964), passando pela Semana da Arte Moderna e a chegada deles à cidade de Tiradentes, acompanhados por Blaise Cendrars. O grupo ficou hospedado em São João del-Rei e circulou bastante por Tiradentes e estiveram até no Balneário de Águas Santas. Aqui, passaram a Semana Santa de 1924.


Card da divulgação da roda de conversa “100 anos dos Modernistas em Minas”.

 

Museu de Sant’Ana, roda de conversa sobre os “100 dos modernistas em Minas”. Fotografia: Alberto Lopes.   

   

Museu de Sant’Ana, a roda de conversa sobre os “100 dos modernistas em Minas”. Fotografias: Alberto Lopes.

  

Enquanto Tiradentes rememora a passagem dos viajantes modernistas por Minas Gerais, está previsto um leilão de arte para o dia 21 de outubro de 2024, uma das obras é um desenho de Tarsila do Amaral  assinado e datado. A modernista fez uma série de desenhos da cidade e o mais conhecido deles é o da Matriz de Santo Antônio, vista do Chafariz de São José. Ela visitou a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e desenhou o seu púlpito, obra que esteve exposta duas vezes em Tiradentes, na Secretaria de Cultura e na Galeria do IPHAN. Este desenho pertencia à Coleção Yves Alves.

 A obra a ser leiloada “Paisagem de Tiradentes com dois panoramas de igreja” é um dos desenhos mais interessantes da artista executado durante a Caravana, a apresentar visadas distintas da paisagem local. Acima, à esquerda, está registrado “Águas Santas” – o grupo esteve o Balneário de Águas Santas, que naquele período já era bastante conhecido por suas águas utilizadas para o tratamento de enfermidades. Com seu risco preciso, apresenta a Serra de São José, em sua formação rochosa longilínea, com as anotações: pedras, lisos e barranco v. À esquerda a Matriz de Santo Antônio de perfil e à direita a Igreja de Nossa das Mercês, com sua fachada frontal e anotações: RV., [...] pedras, Tiradentes, Mercês.

No canto à esquerda, a Ponte de Pedra, com os seus elementos estruturais, os dois arcos plenos, o parapeito, a quilha e o frade de sua proteção. Também com a anotação “pedra” e “Tiradentes”.

Soltos aparecem uma ave em voo e a cabeça de um animal. Ao comparar com as possíveis obras que Tarsila teria visto em Tiradentes, não resta dúvida que ela visitou a Casa Padre Toledo, edificação detentora de um conjunto de tetos pintados e num deles figura uma cena pastoril, com um animal com coroa de flores, muito similar aos riscos em detalhe do desenho da modernista, em grafite sobre papel. Na composição deste desenho, foram inseridas copas de árvores arredondadas, elementos típicos de sua obra.  No canto abaixo, à direita, ela assinou, como nos demais desenhos da série: Tarsila 24.

 

Detalhe do teto pintado da Casa Padre Toledo, século XVIII. Fotografia: Luiz Cruz. 

   



Detalhe do teto pintado e do desenho de Tarsila do Amaral, grafite, 1924.
 

Ideal seria que esta obra fosse arrematada e doada à cidade de Tiradentes, que acolheu a Caravana Modernista e tanto se orgulha por ter recebido os intelectuais paulistas, numa das jornadas culturais mais significativas do país e que resultou na criação do antigo SPHAN, o atual IPHAN que acautela e salvaguarda o patrimônio material e imaterial brasileiro. 

Luiz Antonio da Cruz 

Agradecimentos: à Semana Criativa de Tiradentes, à equipe do Museu de Sant’Ana, aos participantes das instalações “Corações viajantes” e aos que compareceram para prestigiar a mesa sobre os “100 anos dos modernistas em Minas”.

 

 Informação sobre a obra a ser leiloada: Lote 88 

 Tarsila do Amaral

Título: Paisagem de Tiradentes com dois panoramas de igreja 

23,3 x 31,9 cm, grafite sobre papel, assinatura e datado no inferior direito – Tarsila 24. Reproduzido no Catálogo Raisonné da artista, sob registro: D 306 - página 264 - Vol II. Valor inicial: R$ 80.000,00 

Mais detalhes: https://www.leilaodearte.com/leilao/2024/outubro/241/tarsila-do-amaral-paisagem-de-tiradentes-com-dois-panoramas-de-igreja-34304/  

 

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