Semana da Consciência Negra – 2024

Museu de Sant’Ana & Largo do Rosário

 

A palestra do Padre Professor Doutor Mauro Luiz da Silva com o tema: Patrimônio, Memória e Reparação foi de excelência. Abordou o Largo do Rosário, do antigo Arraial do Curral del-Rei, onde existia uma comunidade de quilombolas e a Capela de Nossa Senhora do Rosário, com o seu cemitério, construídos pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. A edificação foi demolida em 1895, tudo foi soterrado para a construção da nova capital de Minas Gerais, Belo Horizonte. Ocorreu, então, um verdadeiro apagamento da história do povo que habitava aquela região; embora no século XIX, a população deste arraial fosse cerca de 5,5 mil, os negros correspondiam a 77% dos habitantes, segundo os levantamentos da Fundação Municipal de Cultura.

 


Fabiana Nicomedes a apresentar o palestrante Padre Mauro. Semana da Consciência Negra, Museu de Sant’Ana, Tiradentes. Fotografias: Luiz Cruz.

 

Através de pesquisa longa e prospecção arqueológica, Padre Mauro conseguiu identificar o sítio onde foi construída a capela e seu cemitério. O resgate da história da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, da capela e do cemitério foi de expressiva importância para a cultura, a identidade e principalmente o empoderamento das comunidades afrodescendentes, agora ocupantes da área do entorno, hoje a periferia.

 

        

Palestra do Padre Mauro.Semana da Consciência
Negra, Museu de Sant’Ana, Tiradentes.
Fotografia: Luiz Cruz.

 

Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e cemitério, Arraial Curral del-Rei,

demolida em 1895. Fotografia: acervo MHAB.

 

Não bastasse a ação de destruição do conjunto edificado pelos pretos, o bispo Dom Antônio dos Santos Cabral (1884-1967), numa Carta Pastoral de 1927, proibiu as festas chamadas de Reinado, ocorridas na cidade, por ocasião dos festejos religiosos em honra à Senhora do Rosário. As celebrações vinculadas às religiões de matriz afrobrasileira perderam espaço e sofreram com a resistência da Igreja. O tempo passou, lá se foram mais de cem anos de obscurantismo, uma mistura de conservadorismo, mentes turvas e preconceitos.

Recentemente, a Rainha do Congo do Reinado Treze de Maio de Nossa Senhora do Rosário e Rainha do Congo do Estado de Minas Gerais, Isabel Gasparino, escreveu carta ao Papa Francisco pedindo a revogação da proibição dos Reinados nas igrejas da capital mineira, assinada em 1923. O Arcebispo Metropolitano, Dom Walmor Oliveira de Azevedo assinou a revogação da tal proibição, assim ficou permitida a entrada dos Reinados em todas as igrejas da capital.

 

Palestra do Padre Mauro.Semana da Consciência Negra, Museu de Sant’Ana, Tiradentes.

Fotografia: Luiz Cruz.

 

O IEPHA – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais realiza os inventários dos grupos de congado do Estado, enquanto o IPHAN encaminha para o registro dos reinados, congados e congos como Patrimônio Imaterial Nacional. 

Reparação, reconhecimento e divulgação teve o trabalho desenvolvido pelo Padre Mauro Luiz da Silva, ao receber o Prêmio Rodrigo Mello Franco de Andrade, em sua 36ª edição, pelo resgate da história da Capela de Nossa Senhora do Rosário, do cemitério e da própria irmandade dos pretos, apagados da história, até mesmo a ignorar o seu sítio. Sua ação visa promover a história e a cultura negra no Largo do Rosário, por meio de visitas guiadas, rodas de reflexão e oficinas temáticas. Este é o maior prêmio concedido pelo Ministério da Cultura, através do IPHAN.

 



 No Largo do Rosário de Tiradentes

Um padre com larga vivência, com décadas de serviço comunitário e tantas conquistas junto ao povo preto, como o Projeto Muquifo – Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos, participou conosco, no Largo do Rosário, de uma singela homenagem aos escravizados que construíram a Capela de Nossa Senhora do Rosário e trabalharam sobremaneira para que a antiga Vila de São José conseguisse erguer um conjunto urbanístico e arquitetônico tão primoroso quanto o de Tiradentes.

 


Homenagem aos escravizados que viveram, trabalharam na cidade e à Nossa Senhora do Rosário. Largo do Rosário, Tiradentes. Fotografias: Luiz Cruz.


 

Padre Mauro na homenagem aos escravizados que viveram e trabalharam na cidade, e à Nossa Senhora do Rosário. Largo do Rosário, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.


 Homenagem aos escravizados que viveram e trabalharam na cidade e à Nossa Senhora do Rosário. Largo do Rosário, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.


 O adro do Rosário recebeu água de cheiro (alecrim e manjericão) e pétalas de rosas, cada participante recebeu um “Terço” de contas de lágrimas, tudo abençoado pelo Padre Mauro. Assim, homenageamos os escravizados e louvamos a Mãe do Rosário.


Chico Bento, Padre Mauro e Dalva, Largo do Rosário, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Provavelmente, em Minas Gerais, a devoção mais celebrada seja a Senhora do Rosário, seus festejos se iniciam em janeiro, com o primeiro Reinado em Ouro Preto, na Paróquia de Santa Efigênia. Ao longo dos meses muitas celebrações urbanas e rurais ocorrem, a caminhar para o encerramento no final de novembro. Com certeza, cada localidade se esmera para produzir os festejos com brilhantismo e muita fé. 

Em novembro, com a Semana da Consciência Negra, temos oportunidade para refletir, reavaliar e reconhecer. Salve Maria, Salve o Rosário!

 

Luiz Antonio da Cruz


Agradecimentos: Museu de Sant’Ana – Instituto Flávio Gutierrez, Padre Mauro Luiz Silva, à equipe do IPHAN e aos que participaram da homenagem aos escravizados que viveram e atuaram na antiga Vila de São José – Tiradentes.

 

Referências:

https://www.otempo.com.br/cidades/congado-volta-as-igrejas-catolicas-de-bh-apos-100-anos-reparacao-1.3151394

https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2023/10/08/interna_gerais,1573362/largo-do-rosario-o-patrimonio-que-bh-quase-apagou-da-historia.shtml


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