CAI-N’ÁGUA DE OLIVEIRA, 

EM TIRADENTES

 

[...]

Meu rosto de povo é muito asceta,

e esse capuz é velho folião,

ele tem o rumo de quem faz festa,

ele quer liberdade, terra e pão.

Sou aquele tanto que cai-n’água

do suor, da chuva e da cachaça,

porque é assim que purga a mágoa

o povo da folia e da desgraça.

Eu sou essa máscara, esse chitão,

folk de Oliveira, crítica dos lados,

cai-n’água, pato, rua do Cordão,

e, por ser anônimo, me declaro todos.

 

Márcio Almeida,

Cai-n’água: A maior tradição do Carnaval de Oliveira, 2007.


 


                            Cai-N’Água, de Oliveira-MG, no Largo das Forras, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.


A seguir a tradição portuguesa, ao adentrar os Sertões dos Matos Gerais, os paulistas seguiam “plantando ermidas, capelas ou simples oratórios, com os oragos de sua devoção trazida de Portugal” (Barbosa,1995). Uma dessas devoções foi Nossa Senhora da Oliveira. A integrar o termo de São José, no caminho a ligar a Região do Rio das Mortes a Goiás, surgiu um povoado dedicado à Nossa Senhora da Oliveira. Logo em 1798, o arraial fora contemplado com uma Companhia de Ordenanças do Regimento de Pamplona.

O Arraial de Nossa Senhora da Oliveira se fortaleceu através de suas atividades agropastoris diversificadas e logo insurgiu contra São José, sua emancipação ocorrera através da lei provincial nº 134, de 16 de março de 1839 e elevada à categoria de cidade, em 19 de setembro de 1861.

 

Cai-N’Água, de Oliveira, em Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.

 

O Centro Histórico de Oliveira tem proteção através do instrumento tombamento, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, efetivado no dia 1º de novembro de 2013. Está registrado no Livro de Tombo nº I – do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; no Livro de Tombo nº II, do Tombo de Belas Artes e no Livro de Tombo nº III, do Tombo Histórico, das obras de Arte Históricas e dos Documentos Paleográficos ou Bibliográficos. Ou seja, o Centro Histórico de Oliveira tem amplo reconhecimento da sua relevância no contexto patrimonial no estado de Minas Gerais.

Na estrutura arquitetônica e urbanística, com sua imponente Matriz de Nossa Senhora da Oliveira, a Capela de Nosso Senhor dos Passos, os casarões, os Passos da Paixão e as praças, constituem num locus material que abriga um dos mais fabulosos conjuntos de manifestações culturais mineiras. Há que se destacar o Carnaval com tanta animação, tradição e criatividade.

 

Ricardo Ribeiro Resende, natural de Oliveira, no Largo das Forras, com os foliões do Cai-N’Água. Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.

 

No Carnaval de 2025, a cidade de Tiradentes recebeu o Bloco Cai-N’Água, que percorreu as ruas da cidade e chegou ao Largo das Forras. Trata-se de uma manifestação tradicional e exclusiva da cidade de Oliveira, uma das filhas da antiga Vila de São José.

O Cai-N’Água tem sido tema de pesquisas e publicações da maior relevância para a cultura mineira e brasileira, a unir esforços para assegurar a tradição e a apropriação da imaterialidade constituída por essa agremiação carnavalesca, que já conta com mais de um século e meio de existência, a figurar dentre as mais antigas do Brasil em atuação.

 

Cai-N’Água, de Oliveira, no Largo das Forras, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz. 

 

Cai-N’Água, de Oliveira, no Largo das Forras, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Vestidos com túnicas de chitão e capuz, com máscaras de papel machê moldadas a partir de uma matriz em argila, usavam botas e luvas. Saiam com guarda-chuvas velhos e com biscoito de polvilho pendurados. Mudavam o tom de voz e acabavam totalmente irreconhecíveis pelas pessoas. Os Cai-N’Água sempre movimentaram o Carnaval de Oliveira.

O Bloco Zé Pereira da Chácara, da cidade primaz de Minas Gerais – Mariana, foi fundado em 1846, segundo as fontes da Prefeitura Municipal de Mariana. O Bloco Zé Pereira dos Lacaios, da antiga Vila Rica – atual Ouro Preto, foi fundado em 1867. Estes dois blocos mais o Cai-N’Água de Oliveira, são os mais antigos ainda atuantes e conformam um valioso conjunto de bens do Patrimônio Imaterial de Minas Gerais.   




Publicações para se compreender a história de Oliveira e em especial o Cai-N’Água. Acervo: Luiz Cruz.


Columbia Ribeiro Resende Martins, no dia do lançamento do seu livro

 Tipos e Causos de Oliveira. Fotografia: Arquivo da autora.


Pesquisadores e escritores oliveirenses como Márcio Almeida, João Bosco Ribeiro, Heraldo Laranjo, Amanda Vargas, Kener Marden e Columbia Ribeiro Resende Martins já dedicaram longas pesquisas sobre os Cai-N’Água e o Carnaval desta cidade. Publicaram obras a subsidiar a apropriação desta manifestação carnavalesca como um bem patrimonial e identitário. É exatamente a imaterialidade que dá vida ao valioso conjunto arquitetônico e urbanístico de Oliveira.

Mais recentemente Heraldo Laranjo publicou Mistério & Fantasia – No universo barroco da paixão e da folia, obra com densa pesquisa e ricamente ilustrada a expor a história e tantos colaboradores para a manutenção do Cai-N’Água, como manifestação carnavalesca e patrimonial, que precisa ser reconhecida, valorizada e apropriada principalmente pela juventude. A compor o grupo que visitou Tiradentes, observamos que tinha participantes de várias gerações, inclusive crianças, o que é elementar para a preservação do Cai-N’Água. A criança precisa gostar e se encantar, pois logo será a mantenedora dessa manifestação.


Cai-N’Água, com participação de integrantes de idades diversas, inclusive de crianças, em Tiradentes, o que é importante para a manutenção da tradição. Fotografia: Luiz Cruz.

 

Turma do Zeca Cainaguinha, publicação do arquiteto e pesquisador Heraldo Laranjo.

 Acervo: Luiz Cruz.

 

Heraldo Laranjo criou uma série de publicações da Turma do Zeca Cainaguinha, para que todo o legado dessa agremiação chegue às escolas e possam ser trabalhados de maneira transdisciplinar, a facilitar a compreensão do personagem e sua história que vem da tradição dos farricocos, a unir o sacro e o profano, do barroco e da contemporaneidade. A publicação em história em quadrinhos se aproxima da criançada, toca e envolve de maneira lúdica e com eficiência, os estudantes precisam se apropriar e se inserirem no contexto de pertencimento e da identidade cultural.

A Comissão do Cai-N’Água batalha para manter a tradição, seu atual presidente é o Cleiton Lemos; em 2025, homenageou o João Lemos, personagem do Carnaval de Oliveira.

É importante ressaltar que antigamente as mulheres eram proibidas sair como Cai-N’Água. Elas saiam de Gatinhas, mas por certo tempo deixaram de participar; coube, então, a Columbia Ribeiro Resende Martins o resgate deste bloco, em 2004, incentivada por Antônio Fonseca. O Bloco das Gatinhas saí na quinta-feira de Carnaval, muito animado, com máscara de fronha pintada, camisa branca, gravata e calça preta. As Gatinhas são as namoradas dos Cai-N’Água.


Antônio Fonseca, então, presidente da Comissão Pró-Cai-N’Água e a escritora e carnavalesca Columbia Ribeiro Resende Martins. Fotografia: Arquivo da escritora.

 

   Cai-N’Água temáticos, Oliveira.  Fotografias: Arquivo Columbia Ribeiro Resende Martins.

 

Columbia Ribeiro Resende Martins é uma grande foliã e promove a Educação Patrimonial junto às escolas, asilos, CRAS, Vila Vicentina e até na faculdade, a incentivar o envolvimento com as questões da Imaterialidade, com destaque para o Cai-N’Águas e as Gatinhas. Neste Carnaval, ela promoveu o Bloco das Gatinhas e o Bloco da Onça (o antigo Bafo da Onça) – a rememorar a curiosa história da onça que viveu em Oliveira, criada por Chico Campos – Francisco Cambraia Campos. A onça foi a mascote do bloco a desfilar entre 1962 e 1964; agora também resgatado por esta carnavalesca animadíssima. Columbia tem promovido os blocos com temas, a despertar a atenção do público sobre assuntos da atualidade, como o “Rotulado”, o “Cuide do Nosso Planeta” e outros.

O Cai-N’Água tem inspirado pesquisadores, poetas, artesãos, artistas visuais, ensaistas e decoradores – sempre a nos afirmar que o Carnaval é uma excelente oportunidade para a inserção cultural e promover o senso de pertencimento, amplo, geral e irrestrito. E é neste sentido que se faz necessário manter as manifestações tradicionais, enraizadas nas histórias e nos causos do povo; para isso, o trabalho da Comissão Pró-Cai-N’Água, atualmente presidida por Cleiton Lemos tem sido da maior importância, que além de contemplar Oliveira, contou com as apresentações no distrito Morro do Ferro e de Tiradentes.  Lemos enfatiza que é preciso manter a tradição, fortalecer e divulgar este legado tão expressivo da cultura local.

 

Bloco das Gatinhas, coordenado por Columbia Ribeiro Resende Martins. Fotografia: Arquivo Columbia Ribeiro Resende Martins.

 

Cai-N’Água, de Oliveira-MG, no Largo das Forras, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz.

                             

 

Tiradentes teve o privilégio em receber o Bloco Cai-N’Água, tradicional e repleto de história e memórias, orgulho das Minas Gerais e paixão dos carnavalescos de Oliveira.


Luiz Antonio da Cruz


Referências:

ALMEIDA, Márcio. Cai-N’Água: A maior tradição do Carnaval de Oliveira, 2007.

ALMEIDA, Márcio.; VARGAS, Amanda. Cultura de Oliveira. Oliveira: Gráfica e Editora Gazeta de Minas Ltda, 2022.

ALMEIRA, Márcio., RIBEIRO, João Bosco. História Contemporânea de Oliveira. Oliveira: Editora Gazeta de Minas, 2011.

BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário Histórico Geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1995.

Guia dos Bens Tombados do IEPHA. Belo Horizonte: IEPHA, 2014. Vol. II.

LARANJO, Heraldo. Mistério & Fantasia: no universo barroco da paixão e da folia. Oliveira: Editora Martins CI&P, 2022.

LARANJO, Heraldo. Turma do Zeca Cainaguinha. Oliveira: 2022.

LIMA JUNIOR, Augusto. História de Nossa Senhora em Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora Autêntica, PUC Minas, 2008.

Comentários

  1. Parabéns pela valorosa matéria sobre o Cai-n'água Centenário de Oliveira e bloco das Gatinhas. Preservados pela importante comissão Pró Cai-n'água deCentenário de Oliveira

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    1. Muito obrigado. A Comissão Pró-Cai-N'Água Centenário de Oliveira realiza um trabalho excepcional para a manutenção desta manifestação cultural, que está tão arraigada na cidade e a colaborar para a distinção identitária do povo. Isto é importante. Isto é Patrimônio Imaterial e deve ser incentivado e reconhecido. Abraço

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