A arte da culinária e o

Doce de Leite do Bolota 

                                             

Dependendo da época, mestre Bolota poderá ressuscitar pratos que são raridades hoje – “ora pro nobis” com carne moída ou com frango, favas com costelinha de porco e mostarda, outros fascinantes mistérios do gênero.

A vocação culinária da região não é coisa recente. Vem da época em que a mineração entrou em decadência e os moradores da comarca do Rio das Mortes começaram a faiscar novas comidas.

Pardal de Abreu, Ver e Sentir Tiradentes, década de 1970.


Hoje nossa homenagem vai para os talentos que pilotaram fogão, conseguiram manter a tradição, inovaram com suas receitas e fizeram História, com a arte da culinária, na antiga Vila de São José, a nossa amada Tiradentes.

O cheiro dos tempos natalinos exalava de uma casa do Largo das Forras, todos que passavam por lá sentiam aquele aroma delicioso do doce de figo. Dona Dalzira enfrentava os enormes tachos de cobre no fogão à lenha e produzia os doces maravilhosos para as festas de fim de ano. Doce de figo, bem verdinho, tenro, brilhante, naquela calda fina, perfumada e saborosa. Como exímia doceira, os aromas mudavam na preferência das frutas das estações. Figo e goiaba. Eram os nossos preferidos e neste exato momento, a rememorar aqueles aromas e aqueles sabores que ficaram gravados em nossa memória de menino, ainda continuam presentes. 

  

A doceira Dona Dalzira. Fotografia acervo: Carlinda Moura Campos.


Donana era quitandeira afamada, fazia uma variedade de quitanda para encher os olhos e a alma. Quando criança, fomos tomar café na casa dela, num casarão perto da Rodoviária Antiga, em São João del-Rei, e o arranjo daquela mesa repleta de delícias ainda repercute aqui. Biscoito de amendoim na calda. Um sabor, uma textura, um aroma, um quitute que se tornou uma referência de Donana. Ela que fora também boa cozinheira, daquelas chamadas de “cozinheira de mão cheia” e durante muitos anos foi a cozinhou no Rancho, do 11º Batalhão de Infantaria de São João del-Rei.

 

Donana – quitandeira e “cozinheira de mão cheia”.

 Fotografia acervo: Rogério Almeida.


Dois dos filhos de Donana herdaram suas prendas da arte de cozinhar bem – o Bolota e a Dona Zizinha – que foi uma quitandeira muito prendada. Ela e seu marido, Antônio Nogueira, promoveram a Festa de Nosso Senhor dos Passos por mais de 50 anos; ao encerrar as solenidades, o casal servia um café para os colaboradores. Os meninos que Dona Zizinha preparava para o figurado dos “apóstolos” também participavam do café, com aquela mesa generosa e as quitandas mineiras. Tivemos o prazer em participar desses cafés e degustar aquelas delícias. Dona Zizinha e suas quitandas foram contempladas no premiado romance Trindade, da escritora Terezinha Pereira, publicado em 2012 e por nós prefaciado. Dona Zizinha, nesse obra literária, apresentou a receita do famoso biscoito de amendoim.

 

Homem em pé na rua

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Dona Zizinha, filha de Donana, exímia quitandeira. 
Fotografias: Luiz Cruz.

 

Trindade, romance de Terezinha Pereira que apresenta a receita de

Biscoito de Amendoim, de Dona Zizinha. Acervo: Luiz Cruz.

 

O filho de Donana, o Bolota, casou-se com a filha de Dona Dalzira, a Dona Célia. Bolota herdou as habilidades gastronômicas da mãe e se tornou exímio cozinheiro. Na década de 1970, abriu um restaurante em Tiradentes e oferecia a comida mineira tradicional e os pratos que criava. Yves Alves e Dona Dalma foram clientes de seu estabelecimento. Yves apreciava a comida, os pastéis – que vinham acompanhados com o molho vinagrete e depois o doce de leite. Logo, ele encomendou ao seu amigo Pardau de Abreu um texto e fez um dos primeiros folders da cidade, a divulgar a arte da culinária, produzida pelo Bolota.


O chef Bolota. Fotografia acervo: Tânia Regina.


Bolota foi um chef de cozinha habilidoso e criativo. Era diabético, mas gostava de comer bem. Por isso, criou uma receita de doce de leite para o seu consumo. Mas acabaram descobrindo sua receita e o doce ficou muito conhecido. Leite, pouco açúcar e muitas horas para o seu cozimento. O resultado: um doce com uma textura delicada, ligeiramente aromatizado e de cremosidade ímpar.

 

Texto

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Um dos primeiros folders a divulgar Tiradentes, através da culinária,

com texto de Pardal de Abreu, produzido por Yves Alves. Acervo: Luiz Cruz.

 

Depois que a saudosa Dona Célia ficou viúva, continuou a produzir o Doce de Leite do Bolota, que se tornou numa das boas referências da tricentenária Tiradentes. Instalada no Bairro Cascalho, os interessados chegavam e degustavam a iguaria. O Doce de Leite do Bolota fez história, Dona Célia apresentou a receita em diversos programas de TV e esteve até na Rede Globo, no programa de Ana Maria Braga. Dona Célia ensinou suas filhas a produzir o doce, exatamente como o Bolota criara sua receita.

 

Dona Célia, continuou com a tradição familiar de doceira. Fotografia: Luiz Cruz.


Foto em preto e branco de grupo de pessoas posando para foto

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Donas Célia, Tânia e Dalzira – três gerações de exímias doceiras de Tiradentes.

Fotografia acervo: Carlinda Moura Campos.


Agora, Dona Tânia, filha do casal Bolota e Dona Célia, continua a fazer o doce e mantém a tradição, no mesmo Bairro Cascalho, na Rua Vereador Antônio Hipólito Nascimento, número 187, onde se pode apreciar essa receita tradicional, que perpassa gerações.

Cozinhar bem é uma das habilidades dos tiradentinos, como Dona Dalzira, Donona, Dona Zizinha, Bolota, Dona Célia e tantos outros, que fizeram de suas atividades culinárias uma forma de subsistência e resistência cultural; melhor ainda, transmitiram o fazer para os seus descendentes. Assim, a tradição tem sido mantida com sucesso. Parar, sentar-se à mesa, colocar no prato uma generosa colher do Doce de Leite do Bolota e uma fatia de queijo branco mineiro – é tudo de bom, é um dos bons prazeres dessa vida. 

Luiz Antonio da Cruz

Agradecimentos: Rogério Almeida, Carlinda Moura Campos, Terezinha Pereira e Família Yves Alves.



Comentários

  1. So tenho que agradecer .falando da minha familia. Que Deus te iluminar hoje e sempre

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