CONGADO NOSSA SENHORA DO
ROSÁRIO E ESCRAVA ANASTÁCIA
SALVE MARIA. SALVE O
ROSÁRIO!
Tiradentes, a antiga Vila
de São José, teve uma população de escravizados significativa e de diversas
etnias: cabra, mina, angola, benguela, cabinda, cassange, congo e outras.
Pretos eram os nascidos em solo da grande África; crioulos os que descendiam de
origem africana pura – os nascidos no Brasil, de pais africanos. Os mulatos
configuravam uma mestiçagem e a população branca, no século XVIII, agrupava
menor número de pessoas, sendo poucos homens e raras mulheres. As referências
documentais sobre os indígenas rarearam, “com algumas exceções importantes,
esse foi o caso de Minas Gerais, pelo menos até a promulgação da Lei dos Índios
em 1846.” (LIBBY, 2020, p. 162)
O Rol dos Confessados
da Freguesia de Santo Antônio da Vila de São José, de 1795 (acervo IHGT),
tornou-se documento imprescindível para a compreensão da conformação da
população da vila e seu termo. No vasto território, incluía os arraiais de São
Bento do Tamanduá, Nossa Senhora da Glória do Passa Tempo, Nossa Senhora do
Pilar do Padre Gaspar, Nossa Senhora da Penha do Bichinho, Nossa Senhora de
Oliveira, Nossa Senhora da Aparecida de Cláudio, Nossa Senhora do Carmo do
Japão, São João Batista, Nossa Senhora do Desterro, ainda Carijós e Igreja
Nova. Nessa área, além da exploração aurífera, diversas atividades foram
desenvolvidas, claro, quase tudo a envolver a mão de obra escravizada.
Ao passar por aqui, o viajante
Robert Walsh (1985, v. II, p. 157-158) registrou:
Há um pequeno relvado em São José,
perto do Chafariz, onde os negros se reúnem todos domingos, para dançar. O
tocador bate no tambor convocando os dançarinos. As primeiras batidas, que são
ouvidas por toda a cidade, têm efeito eletrizante; os negros surgem de todos os
pontos, e em pouco tempo sua alegria chega às raias do frenesi. Eles dançam,
cantam, berram, fazendo ecoar sua algazarra por toda a redondeza. [...] A
primeira é uma dança amorosa, a segunda uma dança guerreira. A dança parece ser
a grande paixão dos negros, e seu grande consolo, tornando suportável a sua
escravidão. [...]
Apesar da descontração e dos momentos de alegria, a viajante anotou sobre o tormento da escravidão. Mas esse não era o único momento de encontro dos escravizados, eles tinham em comum a devoção à Senhora do Rosário. Os pretos cativos mandaram construir uma capela pioneira, que posteriormente foi ampliada e reestruturada; acabou por ser a única na vila edificada toda em pedra. A capela além de abrigar a padroeira, recebeu as imagens das devoções negras, os santos: Elesbão, Antônio de Categeró, Benedito e Efigênia. Essa é ainda a única edificação religiosa da sede da vila que recebeu no teto de sua capela-mor uma pintura em quadratura, com o quadro recolocado tendo a imagem da Senhora e o Menino Deus a entregar o Rosário aos santos Domingos e Francisco. Sua ornamentação é elegante, sofisticada e se destaca entre as mais belas da região. Os pretos cativos se esmeraram para edificar e ornamentar a igreja para abrigar seus santos protetores.
Teto da capela-mor da Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos - Tiradentes. Foto: Luiz Cruz
Com o passar do tempo e a
significativa perda de habitantes pretos, que foram levados para outras
paragens em consequência das circunstâncias econômicas, a devoção à Senhora do
Rosário perdeu o fôlego. A Festa do Rosário foi resgatada através de projeto
executado pelo Instituto Cultural Biblioteca do Ó, com pesquisa histórica e
iconográfica arrojada, conseguiu colocar o Terno de Congado de São Benedito na
rua e na capela. Um desafio e tanto! Principalmente pela resistência e pelo
preconceito ao “congado”, ao que é de preto e de origem afro-brasileira. Ainda
bem pequeno, o meu filho Pedro Luiz, seguiu a abrir o cortejo com o oratório da
Senhora do Rosário no peito. Lá foi ele todo orgulhoso se sentindo tão
importante quanto os reis e rainhas congadeiros. Para receber o cortejo e
proferir a “Palavra de Deus”, lá estava a padre José Nacif Nicolau. O Terno de
Congado de São Benedito deixou de sair por falta de apoio, principalmente por falta
de interessados e uma sede, depois da Biblioteca do Ó entregar o imóvel que a
abrigava.
Congado de São Benedito - Tiradentes, 2011. Fotos: Luiz Cruz
Congado de São Benedito recebido na Capela do Rosário pelo padre Nacif , 2009. Fotos: Luiz Cruz
Depois surgiu o Terno de
Congado Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia, sob o comando do Capitão
Prego. Alegria, os tambores rufaram e o som ecoou pela Serra de São José. Num
dos Encontros de Congadeiros, na Capela de Nossa Senhora das Mercês, o padre
Ademir Longatti e a Yalorixá Celina Batalha coroaram a rainha do congado do
Capitão Prego, foi uma cerimônia emocionante e cheia de expressividade. Eu estava
lá, vi e registrei tudo fotograficamente.
Encontro de Congados de Tiradentes, 2018. Foto: Luiz Cruz
Colocar um congado na rua
é sempre desafiador, mas principalmente em Tiradentes. Já registrei o Capitão
Preto ser obrigado a parar tudo e ter que fazer o controle de trânsito, por
falta de apoio de quem é remunerado para tal. Aqui nem dá para listar tantas
dificuldades...
Encontro de Congados de Tiradentes, 2017 - Capitão Prego controlando o trânsito. Foto: Luiz Cruz
Sem nada entender até o
presente, a Santa Madre Igreja Católica disse que agora congado não pode entrar
mais na Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos – “É a Igreja que fala
que não pode”. Veio a pandemia e tudo ficou obstruído ou desarticulado, até
mesmo o congado do Capitão Prego. Agora chegou julho e teremos mais um cortejo;
que, por questões de consciência e segurança sanitária, não terá convidados. O cortejo
e o acesso à Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos foram assegurados
pelo do Ministério Público Federal – Procuradoria da República no Município de
São João del-Rei. Porém, não custa lembrar que em qualquer situação de preconceito
estrutural, há a possibilidade de responsabilização criminal.
A Prefeitura de Tiradentes, através do Conselho Municipal de Políticas Culturais e Patrimônio, inventariou o Congado de Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia como Patrimônio Imaterial – Área 01, Seção II 1, efetivado em 2021. Reconhecer e proteger é preciso!
Domingo, dia 10 julho de
2022, em frente à Matriz de Santo Antônio, às 9h, saída do Cortejo do Congado
de Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia; às 10 h, parada na Capela do
Rosário dos Pretos e logo partida para o Largo das Forras – onde os
escravizados recebiam a ALFORRIA. Vamos prestigiar o congado do Capitão Prego.
Salve Maria. Salve o Rosário!
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