CONGADO NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO E ESCRAVA ANASTÁCIA 

SALVE MARIA. SALVE O ROSÁRIO!

          

 Capela Nossa Senhora das Mercês - Padre Ademir Longatti e os congadeiros, 2016. Foto: Luiz Cruz

Tiradentes, a antiga Vila de São José, teve uma população de escravizados significativa e de diversas etnias: cabra, mina, angola, benguela, cabinda, cassange, congo e outras. Pretos eram os nascidos em solo da grande África; crioulos os que descendiam de origem africana pura – os nascidos no Brasil, de pais africanos. Os mulatos configuravam uma mestiçagem e a população branca, no século XVIII, agrupava menor número de pessoas, sendo poucos homens e raras mulheres. As referências documentais sobre os indígenas rarearam, “com algumas exceções importantes, esse foi o caso de Minas Gerais, pelo menos até a promulgação da Lei dos Índios em 1846.” (LIBBY, 2020, p. 162)

 
Congadeiros em Tiradentes - 2017. Fotos: Luiz Cruz

O Rol dos Confessados da Freguesia de Santo Antônio da Vila de São José, de 1795 (acervo IHGT), tornou-se documento imprescindível para a compreensão da conformação da população da vila e seu termo. No vasto território, incluía os arraiais de São Bento do Tamanduá, Nossa Senhora da Glória do Passa Tempo, Nossa Senhora do Pilar do Padre Gaspar, Nossa Senhora da Penha do Bichinho, Nossa Senhora de Oliveira, Nossa Senhora da Aparecida de Cláudio, Nossa Senhora do Carmo do Japão, São João Batista, Nossa Senhora do Desterro, ainda Carijós e Igreja Nova. Nessa área, além da exploração aurífera, diversas atividades foram desenvolvidas, claro, quase tudo a envolver a mão de obra escravizada.

Ao passar por aqui, o viajante Robert Walsh (1985, v. II, p. 157-158) registrou:

Há um pequeno relvado em São José, perto do Chafariz, onde os negros se reúnem todos domingos, para dançar. O tocador bate no tambor convocando os dançarinos. As primeiras batidas, que são ouvidas por toda a cidade, têm efeito eletrizante; os negros surgem de todos os pontos, e em pouco tempo sua alegria chega às raias do frenesi. Eles dançam, cantam, berram, fazendo ecoar sua algazarra por toda a redondeza. [...] A primeira é uma dança amorosa, a segunda uma dança guerreira. A dança parece ser a grande paixão dos negros, e seu grande consolo, tornando suportável a sua escravidão. [...]

Apesar da descontração e dos momentos de alegria, a viajante anotou sobre o tormento da escravidão. Mas esse não era o único momento de encontro dos escravizados, eles tinham em comum a devoção à Senhora do Rosário. Os pretos cativos mandaram construir uma capela pioneira, que posteriormente foi ampliada e reestruturada; acabou por ser a única na vila edificada toda em pedra. A capela além de abrigar a padroeira, recebeu as imagens das devoções negras, os santos: Elesbão, Antônio de Categeró, Benedito e Efigênia. Essa é ainda a única edificação religiosa da sede da vila que recebeu no teto de sua capela-mor uma pintura em quadratura, com o quadro recolocado tendo a imagem da Senhora e o Menino Deus a entregar o Rosário aos santos Domingos e Francisco. Sua ornamentação é elegante, sofisticada e se destaca entre as mais belas da região. Os pretos cativos se esmeraram para edificar e ornamentar a igreja para abrigar seus santos protetores.

                        

Teto da capela-mor da Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos - Tiradentes. Foto: Luiz Cruz

Com o passar do tempo e a significativa perda de habitantes pretos, que foram levados para outras paragens em consequência das circunstâncias econômicas, a devoção à Senhora do Rosário perdeu o fôlego. A Festa do Rosário foi resgatada através de projeto executado pelo Instituto Cultural Biblioteca do Ó, com pesquisa histórica e iconográfica arrojada, conseguiu colocar o Terno de Congado de São Benedito na rua e na capela. Um desafio e tanto! Principalmente pela resistência e pelo preconceito ao “congado”, ao que é de preto e de origem afro-brasileira. Ainda bem pequeno, o meu filho Pedro Luiz, seguiu a abrir o cortejo com o oratório da Senhora do Rosário no peito. Lá foi ele todo orgulhoso se sentindo tão importante quanto os reis e rainhas congadeiros. Para receber o cortejo e proferir a “Palavra de Deus”, lá estava a padre José Nacif Nicolau. O Terno de Congado de São Benedito deixou de sair por falta de apoio, principalmente por falta de interessados e uma sede, depois da Biblioteca do Ó entregar o imóvel que a abrigava.

Congado de São Benedito - Tiradentes, 2011. Fotos: Luiz Cruz

Congado de São Benedito recebido na Capela do Rosário pelo padre Nacif , 2009. Fotos: Luiz Cruz

Depois surgiu o Terno de Congado Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia, sob o comando do Capitão Prego. Alegria, os tambores rufaram e o som ecoou pela Serra de São José. Num dos Encontros de Congadeiros, na Capela de Nossa Senhora das Mercês, o padre Ademir Longatti e a Yalorixá Celina Batalha coroaram a rainha do congado do Capitão Prego, foi uma cerimônia emocionante e cheia de expressividade. Eu estava lá, vi e registrei tudo fotograficamente.

                

Encontro de Congados de Tiradentes, 2018. Foto: Luiz Cruz

Colocar um congado na rua é sempre desafiador, mas principalmente em Tiradentes. Já registrei o Capitão Preto ser obrigado a parar tudo e ter que fazer o controle de trânsito, por falta de apoio de quem é remunerado para tal. Aqui nem dá para listar tantas dificuldades...

                

Encontro de Congados de Tiradentes, 2017 - Capitão Prego controlando o trânsito. Foto: Luiz Cruz

Sem nada entender até o presente, a Santa Madre Igreja Católica disse que agora congado não pode entrar mais na Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos – “É a Igreja que fala que não pode”. Veio a pandemia e tudo ficou obstruído ou desarticulado, até mesmo o congado do Capitão Prego. Agora chegou julho e teremos mais um cortejo; que, por questões de consciência e segurança sanitária, não terá convidados. O cortejo e o acesso à Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos foram assegurados pelo do Ministério Público Federal – Procuradoria da República no Município de São João del-Rei. Porém, não custa lembrar que em qualquer situação de preconceito estrutural, há a possibilidade de responsabilização criminal.

A Prefeitura de Tiradentes, através do Conselho Municipal de Políticas Culturais e Patrimônio, inventariou o Congado de Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia como Patrimônio Imaterial – Área 01, Seção II 1, efetivado em 2021. Reconhecer e proteger é preciso!

Domingo, dia 10 julho de 2022, em frente à Matriz de Santo Antônio, às 9h, saída do Cortejo do Congado de Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia; às 10 h, parada na Capela do Rosário dos Pretos e logo partida para o Largo das Forras – onde os escravizados recebiam a ALFORRIA. Vamos prestigiar o congado do Capitão Prego. Salve Maria. Salve o Rosário!

                                

 

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